terça-feira, 9 de junho de 2020

RACISMO ANESTESIADO .

Sou morador de Leopoldina-MG, uma cidade mineira que possui uma ferida anestesiada de um histórico pesado de opressão contra a população negra, situação que reflete muito no modus vivendi deste município.
Antes de iniciar este texto quero narrar uma história verídica que presenciei. Sou Coordenador do SINE (Sistema Nacional do Emprego) e iniciamos um projeto de divulgação de profissionais domésticos. Certo dia, compareceu no SINE uma senhora loira, perfumada, com a chave de um carro importado em suas mãos e me fez o seguinte pedido: “Boa tarde, é aqui que a gente contrata empregada? Eu gostaria de ver as que tem disponíveis, vê para mim algumas negras de canela grossa, pois aprendi com a minha mãe que escrava boa é que tem canela grossa.” Por um minuto imaginei que aquilo não estivesse acontecendo, mas consternado, realizei uma reprimenda àquela senhora e informei que racismo é crime. Imediatamente a elegante senhora foi embora debochando. Sim, isso ocorreu em 2020.
No ano de 1876 Leopoldina possuía a maior população de escravizados da Província de Minas Gerais, com 15.253. Isso mesmo: a maior de Minas Gerais. Em 1883 esse total passou a 16.000. Em decorrência da explosão econômica cafeeira servida pela extensa população escravizada, Leopoldina possuía uma relevância econômico-política bem significante nos cenários estadual e nacional. Diante deste cenário, os fazendeiros da cidade ostentavam um padrão de vida quase aristocrático, copiando a corte imperial do Rio de Janeiro.
Quando se aproxima a culminância da abolição da escravatura no Brasil, os senhores de escravos leopoldineses da época, iniciaram uma campanha ferrenha junto à Corte, a deputados e Senadores no sentido de impedir que se abolisse a prática escravagista. Até que no dia 13 de Maio de 1888, a alta sociedade leopoldinense recebe consternada a notícia da abolição da escravatura. A reação dos donos de escravos foi covarde e violenta com a população negra, os renegando à condição de humilhação, preconceito e intimidação. Além disso cobraram da Corte altos valores de indenização pelo prejuízo financeiro com a perda de seus escravizados.
Esse é o nosso DNA social leopoldinense. Fazendeiros que se consideravam aristocratas, inconformados em não poder subjugar legalmente outros seres humanos. Queriam permanecer sendo donos de pessoas. Muitos, ainda querem. A opressão e intimidação está à espreita em nossa cidade. Ainda vemos hoje fortes resquícios desta cultura de submissão, tanto por parte de parcela da sociedade que ainda se julga aristocrata (ainda pensa ser superior a outros e possuir credibilidade para se manifestar), quanto por outra que se reprime por se considerar intimidada, devido a tantos anos de joelho no pescoço sufocando (se cala, se conforma) dando continuidade a esse ciclo de opressão e atraso.
Temos avançado, tem existido resistência e superação, mas ainda é pouco diante do necessário para que seja feita a compensação da injustiça histórica.
Continua...
Mas eu queria saber, você já sofreu ou presenciou episódio de racismo ou intimidação social em nossa cidade?
#vidasnegrasimportam
#antiracismo
#antifascismo
#pelademocracia
Fontes:
JOSÉ, Oiliam. A Abolição em Minas. Belo Horizonte; Itatiaia, 1962. p.137
LEGITIMIDADE, COMPADRIO E MORTALIDADE DE ESCRAVOS
Freguesias de Minas Gerais e Rio de Janeiro, Século XIX
Rômulo Andrade - UFRRJ/1995
https://cantoni.pro.br/…/alguns-fatos-da-historia-de-leopo…/ - Nilza Cantoni

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