Após a chegada da Corte portuguesa, em 1808, o Rio de Janeiro não
teve do que reclamar. Dom João VI e seu séquito transformaram a cidade
no centro do Império Português. Ela passou a receber impostos vindos das
outras regiões do Brasil e a desfrutar de todas as vantagens do sistema
colonial. Se antes os brasileiros odiavam o controle exercido por
Lisboa, agora era a supremacia do Rio que causava indignação.
Na
região norte (que hoje chamamos de Nordeste), o ressentimento com a
corte era enorme. As cidades de lá não viam vantagem em mandar tanto
dinheiro para o sul. Entre as taxas, havia uma destinada a financiar a
iluminação das ruas do Rio. Não é surpresa que ela tenha se tornado o
grande símbolo da exploração.
Em nenhum lugar a revolta foi tão
contundente como em Pernambuco. Entre 1817 e 1824, a província se
manteve em estado de rebeldia constante, tornando-se uma pedra no sapato
do rei português dom João VI e, depois, do imperador brasileiro dom
Pedro I. Mas o que Pernambuco tinha de tão diferente?
Para
começar, entre 1630 e 1654, a então capitania tinha sido governada
pelos holandeses. Os invasores foram expulsos pelos pernambucanos, que,
em vez de proclamar independência, optaram por voltar a ser colônia de
Portugal. Ao fazer isso, eles se sentiram senhores do seu próprio
destino. Pernambuco estaria submetida à Coroa por opção.
“Enquanto
entre El Rei e os demais colonos prevaleceria uma sujeição natural, os
pernambucanos manteriam com a monarquia um vínculo consensual, ao se
haverem libertado dos Países Baixos mercê de uma guerra travada por seus
próprios meios, havendo assim retornado à suserania lusitana de livre e
espontânea vontade”, diz Evaldo Cabral de Mello autor de A Outra
Independência.
Esse gosto pela autonomia nascido no século 17
alimentou o ódio de Pernambuco às imposições da Corte. Para completar, a
vinda de dom João VI coincidiu com um período inédito de prosperidade.
No início do século 19, graças à produção de algodão, Pernambuco era uma
das partes mais ricas do país.
Do
outro lado do oceano, Inglaterra e França viviam a Revolução Industrial
e precisavam alimentar suas frenéticas fábricas de tecido. Os
pernambucanos embarcavam sua produção no porto de Recife diretamente
para o Velho Mundo (e para os Estados Unidos). Mas não podiam fazer isso
sem prestar contas à Corte.
O algodão fez com que Recife se
firmasse, ao lado de Salvador, como grande entreposto comercial. “Recife
tinha grande influência sobre Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e
Alagoas”, diz Eduardo Schnoor, doutor em História Social pela
Universidade de São Paulo. Naquele intercâmbio não circulavam só
mercadorias. Os comerciantes estrangeiros que aportavam em Recife
traziam um bocado de novas ideias.
E algumas delas não combinavam
nada com a situação colonial, como os princípios de liberdade e
igualdade que haviam inspirado a independência americana, em 1776, e a
Revolução Francesa, em 1789. Quando esses ideais se juntaram à
indignação diante dos impostos, o caldeirão revolucionário começou a
ferver.
República
As
lojas maçônicas, que pipocavam no Recife, serviam como local de
discussão das ideias liberais e de reuniões que planejavam complôs
contra a Coroa. Diante do clima de conspiração, em 6 de março de 1817, o
governante da província, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, mandou
prender diversos suspeitos de querer implantar uma república em
Pernambuco. Mas o tiro saiu pela culatra.
Ao receber voz de
prisão, o capitão de artilharia José de Barros de Lima matou seu
comandante e saiu às ruas acompanhado por soldados. Libertou os
conspiradores e ajudou a prender o governador. No dia 7 de março, foi
implantado um governo provisório.
Assim que assumiram o poder, os
rebeldes divulgaram uma Lei Orgânica. As novidades não eram poucas: a
província virava uma república, independente de Portugal. O texto
estabelecia ainda a liberdade de imprensa e a igualdade de direitos, mas
não ousava mexer com a escravidão.
A república pernambucana
buscou apoio no exterior. Enviou emissários à Argentina e aos Estados
Unidos, propondo acordos comerciais e pedindo reconhecimento. Ao mesmo
tempo, os revolucionários criaram uma bandeira própria e difundiram o
costume de chamar os cidadãos de “patriota”.
Mas nem todos
aceitaram as mudanças. No norte da província, os produtores de algodão
eram mais receptivos aos novos ideais políticos – muitos deles haviam
estudado na Europa. Já no sul predominavam decadentes fazendeiros de
cana-de-açúcar, cujo interesse era preservar o sistema colonial, pois o
açúcar ainda tinha Portugal como principal freguês.
Assim que
soube da insurreição, dom João VI mandou suas tropas reprimirem o
movimento – que já havia atingido a Paraíba e o Rio Grande do Norte.
Durante os combates, as forças da Coroa contaram com a ajuda de milícias
organizadas pelos senhores de engenho e a revolução foi sufocada em
dois meses.
O capitão José de Barros de Lima e outros rebeldes
foram enforcados pelo crime de alta traição. Seus corpos foram
esquartejados e tiveram partes expostas em diferentes cidades. Mas a
brutalidade não foi capaz de conter o ânimo dos pernambucanos. Mesmo
derrotada, a Revolução de 1817 colocou o norte na vanguarda do movimento
de independência do Brasil. Enquanto o sul havia visto apenas
inconfidências esmagadas nos estágios iniciais, Pernambuco havia acabado
de ensaiar uma experiência autônoma de governo.
Depois de
enfrentar a rebeldia pernambucana, dom João VI teve que cuidar de um
novo levante. Dessa vez foi em Portugal: a Revolução Liberal do Porto,
que começou em agosto de 1820. O movimento exigiu o retorno do rei,
elegeu uma assembleia que limitou os poderes da monarquia lusa e, na
prática, passou a controlar o Império Português.
Em março de 1821,
dom João VI foi para Lisboa e deixou aqui o filho Pedro, na condição de
príncipe regente do Brasil. No mesmo ano, a assembleia tirou da cadeia
os envolvidos na Revolução de 1817 que estavam presos.
No dia 26
de outubro de 1821, seguindo a orientação da assembleia portuguesa, foi
escolhida a primeira Junta de Governo de Pernambuco. Seu líder, Gervásio
Pires, era um ex-revolucionário de 1817. Depois de tanto lutar, os
pernambucanos pareciam ter encontrado sua liberdade.
Afinal, eles
não precisavam mais engolir governadores nomeados por dom João VI. A
Junta de Gervásio, como ficaria conhecida, investiu na educação,
instituiu o concurso como forma de escolher funcionários públicos e
parou de enviar tributos à Corte.
Enquanto isso, no Rio de
Janeiro, um novo projeto estava sendo criado para o Brasil. Seu
principal articulador era o político José Bonifácio de Andrada e Silva.
Para ele, o país devia se tornar independente, com as províncias unidas
sob o comando do príncipe Pedro. Os pernambucanos novamente se
dividiram.
Alguns gostaram dos planos de Bonifácio. Já Gervásio e
outros preferiam manter os laços frouxos com Lisboa. Eles anteviam que,
com a independência, o poder voltaria a se concentrar no Rio e a
autonomia da província chegaria ao fim.
Em 1º de junho de 1822,
chegou ao Recife uma comitiva vinda do Rio. O grupo obrigou Gervásio a
reconhecer que dom Pedro era o líder máximo do Brasil. Apesar disso, a
Junta continuou se opondo à independência. A experiência bem-sucedida de
Gervásio tinha feito os pernambucanos gostarem ainda mais de controlar o
próprio destino.
O problema é que, em 7 de setembro, o príncipe
regente resolveu se tornar dom Pedro I, imperador do Brasil. Dias depois
da independência, um golpe em Pernambuco tirou Gervásio do poder. Em 17
de setembro de 1822, uma nova junta, dominada por senhores de engenho e
alinhada ao Rio de Janeiro, assumiu o controle da província, no que
ficou conhecido como o Governo dos Matutos.
Confederação
O
Brasil precisava de novas leis. Em 1823, foi eleita uma Assembleia
Constituinte, que se reuniu no Rio de Janeiro. Mas, em 12 de novembro,
dom Pedro I ordenou seu fechamento. Os temores haviam se concretizado: o
imperador não estava muito a fim de dividir seu poder. Em Pernambuco, a
reação veio rápido. O Governo dos Matutos foi derrubado e, em 13 de
dezembro, as câmaras municipais de Recife e Olinda elegeram uma junta de
governo. À frente dela estava Manuel de Carvalho.
Veterano da
Revolução de 1817, ele havia se refugiado nos Estados Unidos, onde se
encantara com o grau de autonomia dos estados. Era isso o que muitos
pernambucanos queriam para o Brasil. Mas, em 25 de março de 1824, o
imperador entregou ao país uma nova Constituição. No texto, dom Pedro I
estava acima do povo e de qualquer instituição. E era ele, claro, quem
deveria escolher os presidentes das províncias.
Para Pernambuco, o
imperador nomeou José Carlos Mayrink. Em meio à agitação na província,
entretanto, o escolhido não teve coragem de assumir. Dom Pedro I mandou
uma esquadra bloquear o porto de Recife enquanto o poder não fosse
passado a Mayrink. Os pernambucanos continuaram irredutíveis até que, em
junho, a frota teve de voltar ao Rio por causa de uma suposta ameaça de
invasão portuguesa.
Com o fim do bloqueio, Manuel de Carvalho
propôs que as províncias do norte se unissem para formar um país
independente. Em 2 de julho de 1824, nascia a Confederação do Equador,
inspirada nos Estados Unidos. Um dos membros mais destacados do
movimento foi Frei Caneca. Com sua influência religiosa, ele conseguiu o
apoio de Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, que aderiram à
Confederação.
Em pouco tempo, as notícias sobre o levante
começaram a queimar o filme do Brasil no exterior. Nem todas as grandes
nações da época haviam reconhecido a autoridade de dom Pedro I e a
revolta não ajudava em nada a diplomacia. Em agosto, tropas imperiais
desembarcaram em Alagoas e de lá foram para o Recife, seguindo o mesmo
caminho de 1817. E, como na primeira revolta, os senhores de engenho
ajudaram a derrubar os rebeldes.
A Confederação foi extinta em 29
de novembro. Carvalho foi poupado e fugiu para a Inglaterra, enquanto
outros líderes da insurreição foram executados. No Rio de Janeiro, a
Corte respirava aliviada com a manutenção de seu poder sobre todo o
país. Mas vivia com medo dos pernambucanos. O conservador Diário
Fluminense advertiu que a repressão deveria ser dura, pois a
tranquilidade poderia não durar. “É o sono do leão adormecido pela perda
de sangue. Repousou seis anos depois da primeira queda. Como se
levantou? Mais atrevido e mais insultador do que nunca.”

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