A região que acolhia o núcleo do quilombo, Serra da Barriga, em
Alagoas, ganhou reconhecimento internacional. Neste sábado (11), será
oficializada a certificação da área como patrimônio cultural do
Mercosul. O título só foi conferido até agora a dois bens no país: a
Ponte Internacional Barão de Mauá, ligação entre as cidades de Jaguarão,
no Brasil, e Rio Branco, no Uruguai; e a região das Missões, que
abrange cinco países (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia).
A
Serra da Barriga foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan) em 1985. Em 2007, foi aberto o Parque
Memorial Quilombo dos Palmares, próximo à cidade de União dos Palmares, a
cerca de 80 quilômetros da capital do estado, Maceió. O projeto
envolveu a construção de instalações em referência a Palmares, como a
casa de farinha (Onjó de farinha), casa do campo santo (Onjó Cruzambê ) e
terreiro de ervas (Oxile das ervas). O espaço ainda é o único parque
temático voltado à cultura negra no Brasil e recebe anualmente cerca de 8
mil visitantes.
Visibilidade
Para Marcelo
Britto, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan), o título de patrimônio cultural do Mercosul significa um
reconhecimento internacional importante e também pode estimular a
visibilidade da área por brasileiros que ainda a desconhecem.
“Um
aspecto importante é a dinamização econômica, uma vez que o bem cultural
ganha uma visibilidade para uma projeção de caráter nacional e
internacional. Isso favorece iniciativas que tendem a promover o turismo
cultural, a geração de empregos que podem ocorrer relacionadas a isso”,
afirma.
Referência histórica
O Quilombo
dos Palmares surgiu no século 16. Residiam nele escravos fugidos das
capitanias da Bahia e de Pernambuco. O local chegou a reunir até 30 mil
pessoas no seu auge, no século 17, e era organizado em pequenos
povoados, chamados de mocambos. Os principais eram Cerca Real do Macaco,
Subupira, Zumbi e Dandara. O maior deles chegou a ter 6 mil pessoas,
quase a mesma população do Rio de Janeiro à época.
Esses mocambos
constituíam uma espécie de república. As decisões políticas eram tomadas
pela reunião da liderança de cada um deles em conjunto com o chefe
supremo. Essa posição de comando foi ocupada por Acotirene, sucedida por
Ganga Zumba e, depois, por Zumbi. No tocante às relações afetivas,
Palmares era uma sociedade poliândrica, em que mulheres podem ter
relação com diversos homens.
Segundo Zezito de Araújo, professor
de história e supervisor de Diversidade da Secretaria de Educação do
Estado de Alagoas, Palmares ainda é lembrado muito pela dimensão do
conflito, mas deveria ser conhecido por ter sido o primeiro grande
movimento de resistência das Américas no período colonial e pela sua
organização política.
“A Revolução Francesa é tida como o símbolo
da liberdade, mas a luta de Zumbi aconteceu antes. Enquanto em Palmares
tínhamos propriedade coletiva, produção para subsistência e para troca,
na colônia tínhamos atividade agrícola para exportação e escravidão como
base do trabalho. São sociedades opostas”, analisa.
Melhorias no espaço
Na
opinião do presidente do Conselho de Promoção da Igualdade Racial de
Alagoas, Elcias Pereira, o título de patrimônio cultural será uma
oportunidade importante de qualificar o espaço no momento em que o
parque memorial completa 10 anos. “Recebendo esse título pode haver a
melhoria dos equipamentos. Nestes últimos 10 anos, os investimentos não
foram feitos como deviam. O acesso precisa ser arrumado, pois durante
boa parte do ano há problema para chegar em razão das chuvas”, aponta
Pereira.
Segundo Carolina Nascimento, diretora de Proteção ao
Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares, responsável
pelo parque nacional, ajustes e melhorias no espaço serão feitas a
partir de um conjunto de iniciativas que já começaram a ser debatidas em
uma oficina realizada neste ano em Maceió.
Entre as ações
previstas estão a instituir um comitê gestor da Serra da Barriga,
analisar a capacidade de recebimento de pessoas, reassentar algumas
famílias ainda resistentes na área, implantar unidades de conservação
ambiental, elaborar um plano de conservação e criar um centro
internacional de referência da cultura negra.
“Neste momento em
que casos de racismo estão se acirrando, o reconhecimento deste bem
cultural é uma forma de combater a discriminação racial e valorizarmos a
cultura afro-brasileira”, diz a diretora da fundação.
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