sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O BAILE DA ILHA FISCAL: COMO FOI, EM DETALHES, A ÚLTIMA FESTA DO IMPÉRIO DO BRASIL

Em outubro de 1889, num sinal de amizade entre Brasil e Chile, o couraçado “Almirante Cochrane”, da marinha chilena, aportou em águas brasileiras. Para homenagear os oficiais daquela nau, os ministros de D. Pedro II, capitaneados pelo Visconde de Ouro Preto, decidiram realizar um grande baile comemorativo. O evento, segundo seus organizadores, deveria ser não apenas um sinal da aliança entre os países sul-americanos, mas também a demonstração grandiosa de força do único Império em terras americanas.
Grandes bailes não eram comuns na corte brasileira, sendo este o primeiro motivo pelo qual aquele que ficou conhecido como “Baile da Ilha Fiscal” tanto chamou a atenção no imaginário popular. Marcado para o dia 19 de outubro, a morte do Rei D. Luís I de Portugal, sobrinho de D. Pedro II, naquele mesmo dia, fez com que o evento fosse subitamente adiado para o dia 09 de novembro.
Colocando mãos à obra, o Visconde de Ouro Preto organizou um exército para preparar e decorar a Ilha Fiscal, onde o baile seria realizado, e assinou um por um os 5.000 convites impressos. Eles eram pessoais e intransferíveis, e foram despachados aos destinatários – a fina flor da sociedade carioca – no dia 04 de novembro. As mais famosas lojas de roupas do Rio de Janeiro esgotaram seus estoques e três dias antes do baile, não havia mais horários nos salões de beleza.
Chegado o dia da festa, 09 de novembro, um sábado, o esplendor começava já na atual Praça Quinze: dali partiram as embarcações que levavam os convidados até a ilha. A praça já estava decorada com flores e candelabros a gás. Uma orquestra tocava animadamente, dando aos convidados uma prévia do que teriam logo mais.
O prédio que servia como posto de vigilância aduaneira era novo e estava ricamente adornado. Havia balões venezianos, palmeiras, vegetação nativa, centenas de bandeiras brasileiras e chilenas, móveis luxuosos e cortinas magníficas em todos os seis salões preparados no palácio. A iluminação a gás dava a impressão de que o dia havia adentrado na noite e os convidados podiam se locomover tranquilamente pela ilha, que ficou abarrotada com tantas pessoas.
A família imperial chegou por volta das dez da noite. Aqui aconteceu uma das lendas do baile. D. Pedro II, ao entrar no salão do baile, teria se desequilibrado e levado um tombo. Foi amparado por dois jornalistas. Ao recompor-se, exclamou: "O monarca escorregou, mas a monarquia não caiu!". Fato ou mito, a monarquia caiu exatamente seis dias depois.
Para animar os convidados, duas orquestras militares tocaram por toda a noite. O som preenchia todos os ambientes do palácio da Ilha Fiscal e a área externa. Foram tocadas quadrilhas, valsas, polcas e mazurcas. A sociedade comentou que a Princesa Isabel era uma das dançarinas mais animadas.
E o estomago dos convivas não podia ser esquecido: apesar de alguns documentos terem desaparecido, na época foi listado o consumo de 800 quilos de camarão, 64 faisões, 255 cabeças de porco, 500 perus, 300 frangos, 1.200 latas de aspargos e 20 mil sanduíches. 14 mil sorvetes e 2.900 pratos de doces compunham a sobremesa. Tudo isso foi regado com 10.000 litros de cerveja, 188 caixas de vinho e 80 caixas de champanhe.
Todos esses itens foram servidos na forma de iguarias de inspiração europeia adaptada à terra tropical. Como mandava o costume da época, os menus encadernados em veludo estavam escritos em perfeito francês. Por isso encontramos “gâteaux de mandioca”, “bijupirá à la ravigotte”, “jacutinga à la ravigotte” e “macuco truffé à la broche” dentre as iguarias degustadas pelos convidados.
Uma sacada de mestre: a comida não foi servida de uma vez, mas sim em turnos, para que os convidados pudessem comer, dançar e, depois de gastar as energias na folia, voltar para encontrar novamente um prato quente à espera e repor as energias.
D. Pedro II, aos 63 anos, pouco aproveitou a festança. Permaneceu sentado e se retirou à uma da manhã, sem ter jantado. O mesmo não pode ser dito dos demais: o baile correu até a manhã seguinte e, após a limpeza, foram encontrados lenços, cartolas, chapéus, raminhos de corpete, coletes e cintas-liga esquecidos pelos donos. Comentou-se que os excessos não se resumiram apenas à comida e bebida.
Estima-se que tudo isso tenha custado 250 contos de réis, o que representava 10% do orçamento destinado a toda a província do Rio de Janeiro. Seis dias depois do baile, o Império caiu e esta magnífica festa foi usada várias vezes como argumento para denegrir a imagem da monarquia. Justamente o que seu idealizador, o Visconde de Ouro Preto, queria evitar quando pensou em realiza-la.

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