Lagoa Santa, Minas Gerais. Fujo da Copa. O fóssil de Luzia é mais
inspirador. Estou em 12.500 a.C.. A primeira brasileira tem vinte e
poucos anos, 1,50 metro de altura, olhos arredondados, queixo e lábios
salientes e nariz largo. Não tem residência fixa. Perambula pelos
arredores do futuro Aeroporto de Confins. O nosso país ainda não tem
políticos corruptos, racismo, homofobia e crime organizado, mas já é
muito perigoso. Tem preguiça-gigante e tigre-dente-de-sabre.
Luzia é frugal. Alimenta-se de frutinhas, coquinhos das palmeiras e
folhagens. De vez em quando, alguém encontra um osso de mastodonte com
um resto de carne e rola um churras. Luzia morreu jovem. O seu crânio
ficou 12 séculos enterrado numa gruta. Foi encontrado em 1975. Ficou
mais 20 anos esquecido nos arquivos de um museu no Rio de Janeiro. O
Brasil não está nem aí para a ciência. O fóssil vai para a Inglaterra
para reconstrução facial. Na volta, barraco na Alfândega: a reconstrução
é classificada como obra de arte, ao invés de peça científica. Então,
Luzia conhece os corredores da burocracia nacional. O jornalista Fritz
Utzeri publica no Jornal do Brasil um diálogo imaginário entre Luzia e
um burocrata da repartição: “Eu? Obra de arte? O senhor bebeu. Não deve
estar bem da cabeça. Já olhou pra mim? E eu tenho cara de obra de arte?
Eu sou o passado. Se eu não tivesse vindo para cá, enfrentando mares,
geleiras, serras e florestas, vocês talvez nem estivessem. Se eu não
tivesse vindo, não haveria índios, ninguém aqui para receber o Cabral.
Não haveria miscigenação, Ceci, Peri, tupi, guarani e guaraná, nada!
Vocês comemoram o desembarque do Cabral, enquanto eu, que cheguei há
muito mais tempo, sou barrada e tenho que pagar para voltar ao meu
país?” Este post é uma homenagem de Devaneios Históricos à comunidade
científica do Brasil. Nota: ontem, o Brasil assassinou Luzia.
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