Vivendo nas margens dos rios Juruá e Purus, os Kulina destacam-se pelo
vigor com que mantêm suas instituições culturais, entre elas a música e o
xamanismo. Um exemplo disso é que, apesar do antigo contato com brancos
e da proximidade de algumas aldeias com centros urbanos, não se tem
conhecimento de nenhum Kulina vivendo fora de suas terras.
Grande
parte da população kulina encontra-se na fronteira do Brasil com o Peru.
No Brasil vivem em aldeias às margens dos rios Juruá e Purus (Acre) e,
em 2002, somavam em torno de 2.500 indivíduos segundo a OPAN (Ong
Operação Amazônia Nativa). Já os Kulina do lado peruano somavam
aproximadamente 500 pessoas em 1998 (SIL - Summer Institute of
Linguistics).
Vivem em várias Terras Indígenas que compartilham com
outros povos, como os Kaxinawa, Yaminawá e Ashaninka. Para mais
informações sobre as terras kulina veja ao lado em "Terras habitadas".
Segundo dados da Funai obtidos em 2002, os Kulina do Acre totalizavam
1.737 indivíduos, distribuídos em 15 aldeias, sendo Canamari a de maior
densidade, com 680 pessoas. No sul do Amazonas eram em torno de 800,
distribuídos em 19 aldeias.
Os Kulina são pertencentes à família
lingüística Arawá e, até a chegada dos brancos, foram um dos grupos mais
numerosos no estado do Acre e sul do Amazonas. Sua autodenominação é
madija (pronuncia-se madirrá) que significa "os que são gente", sendo os
brancos tratados genericamente por cariás.
Os madija falam
predominantemente a língua Kulina nas aldeias, inclusive as crianças,
sendo quase todos os (raros) bilíngües do sexo masculino e mais velhos.
Geralmente, são os que trabalharam na juventude para os patrões brancos
nos seringais e na extração de madeira que têm mais conhecimento da
língua portuguesa, embora nas aldeias próximas às cidades a necessidade
de estabelecer relações com a sociedade envolvente esteja mudando essa
realidade. Muitos jovens vêm preparando-se para atuar como professores
indígenas, agentes agro-florestais e agentes de saúde, sobretudo a
partir de 1970, com a implantação em Rio Branco do escritório da Funai e
da atuação de organizações como a CPI (Comissão Pró-Índio) e o CIMI
(Centro Indigenista Missionário).
O estilo lingüístico feminino é
marcadamente diferente do masculino: há oclusão de vogais, condensação
de palavras inteiras, às vezes criando situações em que a simples
tradução de um trecho de quatro ou cinco palavras torna-se tarefa
complicada. Apenas os Madija entendem o que suas mulheres falam e, como
há neologismos que variam de aldeia para aldeia, essa compreensão às
vezes restringe-se ao próprio grupo local.
Além dos rituais
xamânicos, a musicalidade kulina se expressa na forma como o cotidiano é
musicalmente representado, seja vocal ou instrumentalmente, nos longos
dias do Alto Purus. Ouvem-se mulheres cantando para os filhos ao
cozinhar, ao tecer o algodão na roça para tramar suas redes, homens e
mulheres tocando suas flautas, cantos de ajie ao anoitecer e os
particulares sons do arco musical: o jijiti.
Como a maior parte das
canções tem estruturas rítmico-melódicas mais ou menos regulares, é
comum ouvir duas ou mais intérpretes cantando o mesmo tema em casas
diferentes e em tempos diferentes. Essa musicalidade diária se expressa
principalmente através das mulheres; homens raramente cantam no
cotidiano. Não que haja restrição ao fato dos homens cantarem. Parece,
sim, que há uma divisão de atitudes e papéis que tem a ver com o
significado da música para os Kulina. Os homens tocam suas flautas,
principalmente os mais jovens, para enviar mensagens amorosas às suas
pretendentes, estabelecendo ligações sociais específicas, pois todo o
grupo sabe quem executa, o que é e para quem são os sons, de alguma
maneira coletivizando a expectativa amorosa.
Formadora e mediadora
de sentidos na sociedade madija, a música age como portadora ideal de
significados. Quando tocam seus instrumentos, como as flautas totoré e
boboreré, assim como o arco musical jijití, as melodias e ritmos guardam
semelhanças com as canções. Conhecidas por todos, funcionam
independentes das palavras, não podendo dessa forma ser tratadas como
molduras, como formas aguardando conteúdo.A música age como um fio
condutor labiríntico, que simboliza a necessidade de tradução do
contínuo, no qual o mundo dos espíritos, mítico e da natureza sensível
formam um todo."
Fonte: https://img.socioambiental.org/v/publico/Kulina/
Fotografia: Walter Sass, 1984 - Ritual da Coidsa ( bebida fermentada da macaxeira)
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