Tão
grande empresa não se faz sem recursos, e a de Portugal no Brasil
correspondeu a não menos que à edificação de uma nova Europa onde jamais
se fizera uma estrada, se conhecera a civilização, se escrevera um
livro ou erguera algo em pedra. Ora, imenso, arrasador, foi para
Portugal o custo de fazer o Brasil quando já tão ocupado se achava com a
protecção do seu império em África, na Ásia e na Europa. O leitor
surpreender-se-á, pois, conhecendo o que representava para Portugal, em
pleno pico da produção açucareira no Brasil, aquele Estado para os
cofres da monarquia: 5 - cinco - porcento dos rendimentos gerais do
Estado; isto é, o Brasil foi, até ao final do século XVII,
financeiramente irrelevante para o império. Considerando, com efeito, o
que nele investiu Lisboa, parece seguro que só em momento tardio se
tornou a província de além-mar lucrativa para Portugal. Mas nem por isso
se desinteressou o reino dela, nem por isso a abandonou ao jugo dos
grandes capitalistas de Amesterdão quando estes a separaram da
pátria-mãe e nem por isso a abandonou à sua sorte. Lisboa percebeu
sempre a relevância estratégica do Brasil e a importância da obra
civilizadora que lá se realizava. E, se é verdade que a arriscada aposta
que fez nestes primeiros duzentos anos da existência brasileira se lhe
faria lucrativa no século XVIII, é-o igualmente que Portugal não poderia
ter antecipado a fabulosa riqueza mineral que acabaria por lá ser
descoberta.
Porém, desvendado o que representou para o orçamento português o Brasil nos primeiros duzentos anos da sua existência, impõe-se um esclarecimento quanto ao tão falado, tão estudado, tão debatido ouro brasileiro. Se por volta de 1630 o Brasil era centro inquestionável da produção mundial de açúcar - estima-se que seria de produção brasileira 80% do produto chegado a Londres - e o Brasil representava nesse tempo 5% das receitas do Estado, é sabido que o Estado do Brasil ganhou rapidamente protagonismo económico ao longo do século XVIII. Foi esse protagonismo económico que acabou por ditar a sua autonomização política em 1815, com a elevação do Estado a Reino, e a independência em 1822. A rápida ascensão económica do Brasil ao longo das centúrias de XVII e XVIII é inseparável da exploração aurífera, e a verificação dessa evidente correlação bastaria, por si só, para desmentir a tese de esbulho. Embora muito regulamentada pela Coroa, a exploração do ouro e diamantes brasileiros era empreendimento essencialmente privado e cujos principais actores eram brasileiros - isto e, portugueses recém-chegados ou há muito residentes no Brasil. O Estado central, pois, limitava-se a cobrar impostos sobre o ouro extraído no Brasil por portugueses do Brasil. Essa taxa, o Quinto Real, correspondia a um quinto - ou 20% - do ouro extraído, pertencendo legalmente o restante a quem o encontrasse. A lei, contudo, foi sendo mais ignorada que escrupulosamente cumprida, estimando o historiador britânico Anthony Disney que nem um terço do ouro brasileiro acabou submetido ao Fisco. A fazer fé no cálculo minucioso, informado e geralmente aceite de Disney, teriam chegado aos cofres da Monarquia uns parcos 7% do ouro brasileiro. No final do século XVIII, Lisboa tentaria combater a evasão fiscal reduzindo o imposto cobrado, que era de apenas 10% à data da independência.
Entre 1720 e 1755, chegaram a Lisboa do Brasil, em média, 15 a 20 toneladas de ouro por ano. Dessas, três ou quatro eram propriedade do Rei, servindo para a defesa geral do Estado, sua manutenção e desenvolvimento. Grande parte desse ouro regressou ao Brasil em forma de novas cidades, de povoamento de terra então deserta, do apetrechamento de fortalezas, da edificação de estradas, hospitais, pontes e colégios. Outra parte, oitenta porcento, dessa fortuna arrancada à terra era privada, e chegou a Lisboa para pagar a importação de artigos metropolitanos pelo Brasil. A grande dinamização do comércio entre a Metrópole e o Estado do Brasil durante o século XVIII é prova da saúde da economia do império e, nele, da das suas parcelas europeia e americana. Onde está, portanto, o ouro brasileiro? Nas actuais fronteiras do Brasil, que se garantiram com as expedições e a sábia - mas cara - política externa que ajudou a custear; está nas fortalezas com que se defendeu o Brasil de predadores estrangeiros, em incontáveis edifícios de utilidade pública, em cidades, fábricas, fazendas e colégios. O ouro do Brasil serviu para fazer o país imenso que a monarquia portuguesa legou aos brasileiros.
Rafael Pinto Borges
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Porém, desvendado o que representou para o orçamento português o Brasil nos primeiros duzentos anos da sua existência, impõe-se um esclarecimento quanto ao tão falado, tão estudado, tão debatido ouro brasileiro. Se por volta de 1630 o Brasil era centro inquestionável da produção mundial de açúcar - estima-se que seria de produção brasileira 80% do produto chegado a Londres - e o Brasil representava nesse tempo 5% das receitas do Estado, é sabido que o Estado do Brasil ganhou rapidamente protagonismo económico ao longo do século XVIII. Foi esse protagonismo económico que acabou por ditar a sua autonomização política em 1815, com a elevação do Estado a Reino, e a independência em 1822. A rápida ascensão económica do Brasil ao longo das centúrias de XVII e XVIII é inseparável da exploração aurífera, e a verificação dessa evidente correlação bastaria, por si só, para desmentir a tese de esbulho. Embora muito regulamentada pela Coroa, a exploração do ouro e diamantes brasileiros era empreendimento essencialmente privado e cujos principais actores eram brasileiros - isto e, portugueses recém-chegados ou há muito residentes no Brasil. O Estado central, pois, limitava-se a cobrar impostos sobre o ouro extraído no Brasil por portugueses do Brasil. Essa taxa, o Quinto Real, correspondia a um quinto - ou 20% - do ouro extraído, pertencendo legalmente o restante a quem o encontrasse. A lei, contudo, foi sendo mais ignorada que escrupulosamente cumprida, estimando o historiador britânico Anthony Disney que nem um terço do ouro brasileiro acabou submetido ao Fisco. A fazer fé no cálculo minucioso, informado e geralmente aceite de Disney, teriam chegado aos cofres da Monarquia uns parcos 7% do ouro brasileiro. No final do século XVIII, Lisboa tentaria combater a evasão fiscal reduzindo o imposto cobrado, que era de apenas 10% à data da independência.
Entre 1720 e 1755, chegaram a Lisboa do Brasil, em média, 15 a 20 toneladas de ouro por ano. Dessas, três ou quatro eram propriedade do Rei, servindo para a defesa geral do Estado, sua manutenção e desenvolvimento. Grande parte desse ouro regressou ao Brasil em forma de novas cidades, de povoamento de terra então deserta, do apetrechamento de fortalezas, da edificação de estradas, hospitais, pontes e colégios. Outra parte, oitenta porcento, dessa fortuna arrancada à terra era privada, e chegou a Lisboa para pagar a importação de artigos metropolitanos pelo Brasil. A grande dinamização do comércio entre a Metrópole e o Estado do Brasil durante o século XVIII é prova da saúde da economia do império e, nele, da das suas parcelas europeia e americana. Onde está, portanto, o ouro brasileiro? Nas actuais fronteiras do Brasil, que se garantiram com as expedições e a sábia - mas cara - política externa que ajudou a custear; está nas fortalezas com que se defendeu o Brasil de predadores estrangeiros, em incontáveis edifícios de utilidade pública, em cidades, fábricas, fazendas e colégios. O ouro do Brasil serviu para fazer o país imenso que a monarquia portuguesa legou aos brasileiros.
Rafael Pinto Borges
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