sábado, 1 de dezembro de 2018

Corrupção: a vassourinha de Jânio Quadros.

A corrupção tem dado o tom dos debates entre os candidatos à presidência da República: a presidente Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) têm focado sua campanha na troca de acusações, e o eleitor tem sido bombardeado com escândalos de todos os lados. Infelizmente, este cenário não é novo – já discutimos neste blog as raízes históricas deste mal. Ao longo de nossa história, vários políticos foram eleitos com a bandeira do combate à corrupção. Muitos governos também foram derrubados com a mesma justificativa.
Vamos falar de um dos personagens mais pitorescos de nosso passado recente. Jânio Quadros foi eleito “para varrer a corrupção e a bandalheira para longe do Brasil”. Com sua fala rebuscada, discurso anticomunista, estilo teatral e tendo uma vassoura como símbolo de campanha, ele obteve uma votação impressionante. Jânio renunciou após seis meses de governo. Após uma tumultuada presidência do vice João Goulart, viria o golpe militar que duraria 21 anos. Uma das promessas dos militares? Acabar com a corrupção. O teor dos debates de hoje nos mostra que eles também não foram bem sucedidos…
O país enfrentava um período de calmaria, com a presidência de Juscelino Kubitschek (1955-1960). A economia atingia taxas de crescimento de 7%, 8% e até 10% ao ano. Isso permitiu que um ambicioso Plano de Metas alcançasse um estrondoso sucesso. Brasília foi inaugurada. Diante de tais feitos, a oposição abandonou provisoriamente o discurso anticomunista em prol de críticas à má gestão dos negócios públicos, à corrupção e à inflação que se intensificou no período. Apesar disso, respirava-se certa tranquilidade política, pois o crescimento econômico também permitiu o aumento dos salários reforçando o apoio dos trabalhadores ao PTB, base aliada do governo juscelinista.
Surgiram vários partidos políticos que, na maior parte do tempo, não chegavam a ameaçar as agremiações dominantes. Vez por outra, porém, a fragmentação partidária permitia a ascensão de políticos não vinculados às organizações tradicionais. Um exemplo bem-sucedido dessa trajetória foi o de Jânio Quadros, eleito sucessivamente, a partir de 1947, vereador, deputado estadual, prefeito e governador pelo Partido Democrata Cristão.
O anticomunismo e a retórica moralista de Jânio em muito agradava a UDN. Misturando o discurso conservador com práticas populistas, Jânio conseguiu o impossível: ser de direita e conquistar o apoio das massas. Não é de se estranhar a aproximação da UDN, selando uma aliança para as eleições presidenciais de 1960. Do outro lado do espectro das forças políticas, reproduziu-se a aliança PSD-PTB, com a indicação do general Lott, da ala nacionalista do Exército; pela segunda vez, também era candidato à presidência Ademar de Barros,
líder populista paulista, concorrendo pelo Partido Social Progressista. A vitória janista foi esmagadora: o candidato conseguiu 50% de votos a mais do que o general Lott, e mais que o dobro de Ademar de Barros.A UDN finalmente chegava ao poder, mas tratava-se de uma vitória ambígua.
O novo presidente governou sem consultar a coligação de partidos que o elegeu e seu ministério incluiu inimigos dos udenistas, assim como pessoas escolhidas pelo critério de amizade. No Exército, Jânio promoveu grupos antinacionalistas e, em relação ao Congresso, teve uma postura agressiva, declarando publicamente tratar-se de um “clube de ociosos”.
Visando combater os altos índices de inflação herdados do governo anterior, Jânio implementou uma política econômica austera, seguindo as regras do FMI à risca. No plano internacional, optou por uma política de não alinhamento aos Estados Unidos, valorizando acordos comerciais com países do bloco comunista. A política econômica coerente e a inovadora política diplomática conviviam com medidas sem nenhuma importância, mas com grande repercussão nos meios de comunicação, como as proibições do uso de biquínis em desfile de misses, do hipnotismo em lugares públicos, de corridas de cavalos em dias de semana, de brigas de galo… Jânio também condecorou Che Guevara, em uma aproximação com Cuba, talvez tentando repetir a política internacional ambígua de Getúlio Vargas, responsável por acordos vantajosos com os Estados Unidos.
Apesar do tom autoritário, quando não carnavalesco, de seu governo, o risco de instabilidade política parecia diminuir. Segundo a legislação da época, votava-se para vice-presidente separadamente do cabeça de chapa. Na eleição de Jânio, João Goulart havia sido novamente eleito ao cargo. Após pouco mais de seis meses no governo, o presidente procura explorar a delicada situação renunciando.
Conforme o presidente, no livro “História do povo brasileiro”, seu objetivo era forçar uma intervenção militar: “primeiro, operar-se-ia a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório – visto que a João Goulart […] não permitiriam as forças militares a posse, e, destarte, ficaria o país acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula, em consequência da qual ele mesmo emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro do novo regime institucional, ou bem, sem ele, as forças armadas se encarregariam de montar esse novo regime […]”. O aprendiz de ditador fracassou devido à vacilação dos chefes militares. Instalava-se,então, uma grave crise política, cujo desfecho tem uma data marcada: 31 de março de 1964, com o golpe militar.
Márcia Pinna Raspanti

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