Buenos Aires – Aos noventa anos, a brasileira Rita Ribera entrou
para a história como a primeira mulher da América do Sul a exercer o
direito ao voto. Mas foi em um plebiscito, em julho de 1927, no Uruguai –
primeiro país latino-americano a aprovar o voto feminino.
A
Constituição de 1917 outorgou às mulheres uruguaias o direito ao
sufrágio - mesmo ano em que as mulheres canadenses começaram a votar e
três anos antes que as estadunidenses. O voto feminino no Uruguai só foi
regulamentado em 1932, e as mulheres votaram na primeira eleição
nacional em 1938. Mas, antes disso, o governo tinha convocado um
plebiscito na localidade de Cerro Chato, que permitia a participação de
"qualquer pessoa”. Rita Ribera, imigrante brasileira, e outras mulheres
aproveitaram a oportunidade para fazer valer seus direitos.
Comparada a países vizinhos, a Argentina chegou tarde. O voto feminino,
reivindicado desde 1919, só foi aprovado em 1947 – depois do Equador
(1929), do Brasil (1932), do Chile (1934), da Bolívia (1938) e da
Venezuela (1946). Mas a presidenta da Fundação para o Estudo e a
Investigação para a Mulher (Feim), Mabel Bianco, considera que – talvez
tão importante como o direito ao voto – tenha sido a aprovação da Lei de
Cotas, que, em 2011, completou duas décadas.
“Essa lei nos permitiu
aumentar a participação política da mulher argentina”, explicou Mabel,
em entrevista à Agência Brasil. A legislação, proposta por parlamentares
argentinas e aprovada durante o governo de Carlos Menem, estabelece que
as mulheres ocupem, no mínimo, 30% das vagas na Câmara dos Deputados e
no Senado. Em termos de participação feminina no Congresso, a Argentina
está entre os primeiros países da América Latina, segundo estatísticas
apresentadas este mês pela Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres –
entidade das Nações Unidas, dirigida pela ex-presidenta do Chile,
Michelle Bachelet.
Na Argentina, as mulheres ocupam 96 das 257
cadeiras na Câmara dos Deputados (37,4%) e 28 das 72 vagas no Senado
(38,9%). Perdem para a Nicarágua (com 40% de mulheres no Congresso) e
empatam com a Costa Rica (38%). Na Bolívia, as mulheres representam
25,4% da Câmara dos Deputados e 47,2% do Senado – mas presidem as duas
casas.
O Brasil, segundo as estatísticas da ONU, fica bem atrás: as
mulheres representam apenas 8,6% da Câmara dos Deputados (44 deputadas
dos 513) e 16% do Senado (26 senadoras dos 81).
Mas, segundo Mabel,
apesar de ter tido duas presidentas – a ultima delas, Cristina Kirchner,
reeleita em dezembro com 54% dos votos – a participação feminina no
gabinete argentino é pequena. Dos 17 ministros, apenas três são
mulheres: Nilda Garre (Segurança Nacional), Debora Giorgi (Indústria e
Comercio) e Alicia Castro (Desenvolvimento Social).
Em termos de
participação feminina no Executivo, Nicarágua, Bolívia, Equador e
Venezuela lideram com quase a metade de seus ministérios ocupados por
mulheres. O Brasil tem quase um terço (dez dos 37 ministros são
mulheres). “Conquistamos o voto, mas a verdade é que, sem uma legislação
que estipule cotas, é difícil garantir uma participação política
feminina”, disse Bianco. “Agora o que precisamos melhorar, na América
Latina, é a consciência das mulheres para exercer a cidadania. Não basta
votar e ser eleita. A mulher precisa batalhar pela igualdade em outros
setores da sociedade: na Justiça, nas organizações sociais e nos
sindicatos, por exemplo.”
A senadora argentina Norma Morandini
(indicada à vice nas últimas eleições presidenciais) diz que, há 20
anos, criticou a lei de cotas por achar que abria as portas para
mulheres que, muitas vezes, ocupavam cargos não por mérito próprio, mas
por serem mulheres ou parentes de políticos. “Mas o tempo provou que eu
estava errada. É verdade que muitas mulheres chegam aos cargos políticos
graças aos maridos, pais ou irmãos. Mas também é verdade que muitas
delas desenvolveram carreiras políticas próprias e muitas outras
chegaram a ocupar cargos sem contar com parentes.”
A Argentina é
conhecida por mulheres poderosas. A começar por Eva Perón. Segunda
mulher do general Juan Domingo Perón (fundador do Partido Justicialista,
ou Peronista, e três vezes presidente da Argentina), ela nunca chegou a
ocupar um cargo político. Morreu de câncer aos 33 anos de idade. Mas,
em sete anos de vida publica, transformou-se em um mito para as mulheres
da política argentina e no imaginário internacional.
Foi Evita,
como ficou conhecida, que conseguiu a aprovação do voto feminino, em
1947. Nunca foi eleita a um cargo, mas como primeira-dama virou emblema
da luta pelos direitos das minorias e exemplo para as mulheres. “Não se
pode entender a presença da mulher argentina na política sem falar na
liderança de Evita”, diz Elisa Carrio, várias vezes candidata à
Presidência argentina.
O túmulo de Eva Peron, que morreu em 1952,
fica no Cemitério da Recoleta e é ponto turístico de Buenos Aires. A
vida dela inspirou novelas, livros, obras de teatro e o musical Evita,
dos ingleses Andrew Lloyd Weber e Tim Rice, transformado em filme,
protagonizado por Madonna.
Evita abriu o caminho para a primeira
mulher a presidir a Argentina, Isabelita. Dançarina de cabaré e terceira
mulher de Perón, ela foi eleita vice só por causa dele. E assumiu o
comando do país quando ele morreu, levando a Argentina à bancarrota e ao
confronto político. Foi derrotada no golpe de 1976 e continua exilada
na Espanha, como um capítulo que as mulheres argentinas querem esquecer.
Quase 30 anos depois, outra mulher, Cristina Kirchner, tornou-se
presidenta da Argentina. Foi a primeira mulher eleita e reeleita para o
cargo. Como Evita e Isabelita, teve um marido presidente e foi
primeira-dama.
Foi deputada e senadora. Era mais conhecida na
Argentina que o marido, Néstor Kirchner, governador da longínqua
província de Santa Cruz. Quando Néstor foi eleito presidente (no meio de
uma crise política) mudou o titulo de primeira-dama para
primera-cidadã. Mas segundo Mabel, “na Argentina as fortes figuras
femininas têm horror de serem consideradas feministas.”
Edição: Andréa Quintiere
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