Os livros
didáticos costumam dedicar pouco espaço à Comuna de Paris. Talvez porque esse
seja apenas mais um dos tantos episódios revolucionários da história da França.
Ou porque tenha sido um movimento popular, que não deixou uns poucos heróis, e
sim muitos pequenos grandes homens. Mas os ideais socialistas pregados pelo
povo parisiense em 1871 influenciaram revoltas ao redor do mundo – incluindo a
Revolução Russa de 1917. De Londres, o próprio Karl Marx, alemão que se tornou
o principal teórico do comunismo, acompanhou a Comuna, exaltando os feitos dos
operários, soldados, artistas, prostitutas e malandros. Eram pessoas simples,
cansadas da profunda desigualdade social e saudosas dos velhos ideais de
“liberdade, igualdade, fraternidade”.
A Paris da segunda
metade do século 19, já era conhecida como a
“cidade-luz”. Havia passado por uma renovação urbanística que dera origem a
grandes avenidas (chamadas de bulevares), bosques suntuosos e luxuosos
palácios. Mas, para as camadas populares, a situação era bem diferente. A
miséria das periferias contrastava com a riqueza da elite. Enquanto os pobres
moravam em cortiços, os parisienses mais abastados viviam em Versalhes,
subúrbio que no século anterior havia abrigado a realeza derrubada pela
Revolução Francesa.
Versalhes não era
apenas um refúgio contra a miséria. Servia também para os ricos se protegerem
contra uma eventual invasão inimiga, já que a França estava no meio de um
confronto. Em 1870, o imperador Napoleão III havia declarado guerra contra a
Prússia, nação que liderava a tumultuada unificação política da Alemanha. O
soberano francês esperava se aproveitar da confusão para abocanhar alguns
territórios germânicos.
Mas o tiro de
Napoleão III saiu pela culatra. Após ser derrotado numa importante batalha, ele
foi preso e destituído pelos franceses. Os mesmos políticos e militares que
antes apoiavam o imperador acabaram com a monarquia e criaram uma república.
Comandado pelo general Louis-Adolph Thiers, eleito presidente do Conselho de
Estado, o novo governo logo rendeu-se ao exército germânico de Otto von
Bismarck. Era fevereiro de 1871. A França estava desarmada e vulnerável: a
única força oficial ainda em operação era a Guarda Nacional, frágil demais para
conter o exército prussiano.
Mas na capital
francesa o clima não era de medo. Entre a população, predominava a revolta
contra a submissão dos políticos, outrora nacionalistas, às forças inimigas.
Quando os prussianos chegaram às portas de Paris, o povo tomou conta dos
canhões e, heroicamente, conseguiu ajudar a Guarda Nacional a repelir a
invasão. Em março, em vez de serem recompensados pela bravura, os parisienses
foram surpreendidos por um aumento de impostos e aluguéis.
A França contra
Paris
Além de ser
espremida financeiramente, a população foi destituída de suas armas. A pretexto
de restaurar a ordem, o governo retomou a posse sobre os canhões das regiões
parisienses de Montmartre, Chaumont e Belleville. Em 18 de março, uma
manifestação de protesto saiu às ruas. A ordem dada à Guarda Nacional foi
sufocar o movimento com violência. Mas os soldados se recusaram a cumpri-la.
Percebendo que eram tão humildes quanto os manifestantes, eles se uniram aos
revoltosos.
Os generais
Lecomte e Clément Thomas, comandantes da Guarda Nacional, foram aprisionados e
fuzilados por seus ex-subordinados. Percebendo a extensão do levante, os
defensores do governo fugiram para o isolamento de Versalhes. Os batalhões da
Guarda Nacional, então, se posicionaram em pontos estratégicos nos limites de
Paris, enquanto barricadas eram erguidas nas ruas. Dessa vez, não era apenas
para defender a cidade de ataques estrangeiros, mas para dar segurança a um
novo governo. O poder agora era do povo. Nascia a Comuna de Paris.
Enquanto durou, a comunidade criada pelos
parisienses promoveu mudanças radicais, em nome do
comunismo e anarquismo, que então ainda andavam de mãos juntas. A separação entre
Igreja e Estado foi instituída e os religiosos, encarcerados – alguns deles,
fuzilados. A cobrança de aluguéis foi abolida. Os palácios dos considerados traidores
da pátria, exilados em Versalhes, foram saqueados. Monumentos que simbolizavam
o poder de Napoleão Bonaparte e Napoleão III foram destruídos, como a coluna
imperial da praça Vendôme.
Enquanto isso, o
governo francês estabelecido em Versalhes pensava em como sufocar a Comuna.
Segundo o armistício assinado com os alemães, a França não podia reunir mais de
40 mil soldados de uma vez. Mas Thiers conseguiu fechar um acordo com Bismarck,
que permitiu a mobilização de 170 mil soldados franceses para a retomada de
Paris – boa parte deles eram prisioneiros de guerra que a Alemanha aceitou
libertar.
Em 21 de maio, as
tropas francesas invadiram Paris, dando início à Semana Sangrenta, em
que
nenhum dos lados fazia prisioneiros – inimigos eram assassinados a
sangue frio.
Ao final, os homens de Thiers saíram vitoriosos. A Comuna de Paris seria
liquidada em 28 de maio, tendo durado 72 dias e deixando um saldo de 35
mil presos, cerca de 20 mil mortos e uma
capital arrasada. No fim da revolta, para rechaçar o exército francês
que se
aproximava, os próprios revolucionários acabaram ateando fogo em
diversos
edifícios, como o Hotel de Ville, onde os membros da Comuna tinham se
reunido
em assembléia.
Karl Marx, um dos inspiradores ideológicos da
coluna, também sairia inspirado por ela. Diria que foi o primeiro
exemplo da "ditadura do proletariado". Mas achou que não foi dura o
suficiente. Ele acreditava que a Coluna poderia vencer se a ação dos
revolucionários tivesse sido mais fulminante contra os opositores,
estabelecido imediatamente o recrutamento em massa e centralizado as
decisões num comitê revolucionário. Enfim, criado um Estado como Lênin
criaria 46 anos depois. Não por acaso, levando muito a sério as lições
de Paris e a análise de Marx. O caos e indecisão da liderança de 1871
inspiraria seu estilo autoritário e fulminante, que se mostraria
vencedor.
Os anarquistas eram contra a ideia desse Estado
provisório dos comunistas. Queriam o fim do Estado aqui e agora, não
após a criação do novo homem comunista pela ditadura do proletariado.
Por isso, no ano seguinte, a Primeira Internacional, organização mundial
de comunistas e anarquistas, racharia entre os dois.
Cidade
sitiadaAcompanhe
momentos cruciais dos 72 dias da Comuna
➽ 17 de
março: A revolta começa
quando o general Lecomte exige que a Guarda Nacional tome do povo os canhões
usados contra os invasores alemães.
➽ 18 de março: As tropas da
Guarda Nacional se aliam à população armada. Os rebeldes fuzilam Lecomte e o
general Clement Thomas.
➽ 19 de março: Louis-Adolph
Thiers, líder do governo francês, se refugia em Versalhes, nos arredores de
Paris, de onde articulará a retomada da cidade.
➽ 26 de março: O novo regime é
oficializado na capital, com eleições para a Comuna feitas no Hôtel de Ville.
Cada distrito da cidade tem um representante.
➽ 7 de abril: A Comuna elege seu
símbolo: substitui o tradicional pavilhão tricolor francês por uma bandeira
vermelha.
➽ 17 de abril: As fábricas e
oficinas abandonadas são expropriadas por decreto e seu controle é deixado nas
mãos de sociedades de operários.
➽ 10 de maio: A Comuna decreta o
sequestro dos bens de Thiers e a destruição de sua casa.
➽ 16 de maio: Na praça Vendôme,
é derrubada a coluna imperial, inaugurada em 1810 para homenagear o exército
napoleônico.
➽ 26 de maio: As forças
contrárias à Comuna invadem Paris. Dois dias depois, tomam a região estratégica
de Montmartre, no norte da cidade.
➽ 28 de maio: Após massacres, a Comuna é
derrotada. Paris fica destruída.
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