Após semanas perdidos no Atlântico, Bjarni Herjólfsson e sua
tripulação desembarcaram na Groenlândia, aos trapos. Ele procurava pelos
pais, que haviam embarcado com Eric, o Vermelho, para colonizar a ilha.
Entre reclamações dos infortúnios da viagem, na qual ficaram perdidos
em meio a nevoeiros e foram jogados para cima e para baixo por
tempestades, Bjarni tinha uma revelação: havia descoberto a América.
Para
além de pilhagens e conquistas, perder-se no mar era um dos esportes
favoritos dos vikings. A própria Groenlândia havia sido descoberta
algumas décadas antes por outro viking perdido no Atlântico e explorada
por Eric, o Vermelho, enquanto curtia um exílio de três anos por
assassinato. Eric então batizou a ilha de "Terra Verde" (Groenland) para
atrair colonos. A publicidade não era tão enganosa: no verão, nasce
musgo e capim nos fiordes (braços de mar). E havia peixes, renas,
morsas, focas e ursos polares por perto, que era o que interessava aos
vikings.
Bjarni não desceu à terra em nenhum ponto da viagem e não
fazia ideia da importância da descoberta. Tampouco os outros vikings:
nem então, nem pelos séculos que viriam, eles entenderam que aquelas
terras eram um continente desconhecido do resto do mundo. De tudo o que
Bjarni falou, só uma palavra chamou a atenção: "árvores". Ele avistou
árvores nas terras a sudoeste da Groenlândia. Os navios dependiam de
madeira e os vikings dependiam dos navios. Não havia árvores na
Groenlândia - e foi como se ele houvesse encontrado petróleo. Assim, o
filho mais velho de Eric, Leif, comprou o navio do explorador acidental e
partiu para o sudoeste com 35 homens. Era o ano de 999, e começava a
primeira tentativa europeia de colonização da América.
Morte e vida americana
O
primeiro local avistado, a Ilha de Baffin, no Canadá, não pareceu muito
promissor. Só havia gelo e pedras. Leif desceu do navio, só para
garantir que fosse o primeiro a pôr os pés no local, e batizou a ilha de
Hellulland, "terra da pedra chata". Continuando a viagem, chegou à
península de Labrador, onde achou as prometidas árvores, e batizou o
lugar de Markland, "terra da floresta". Na Ilha de Newfoundland (Terra
Nova), fizeram um acampamento permanente, com casas grandes de pedra e
madeira, e continuaram a exploração. Um dia, um escravo de Eric apareceu
com um achado surpreendente: uvas, coisa que os vikings só conheciam de
países do sul da Europa. Eram da espécie Vitis labrusca (as conhecidas
uvas niágara), ruins para vinho, boas para comer. Leif batizou o lugar
de Vinland - terra da uva - e, na volta, carregou seu navio com as
frutas. Em sua primeira viagem à América, os vikings acharam uvas,
árvores, salmões, clima temperado e belas paisagens canadenses. Era um
começo promissor.
O resgate
Em
1492, Colombo chegou ao Caribe pelo meio do Atlântico, uma rota que os
escandinavos não seriam capazes de fazer. Oito anos depois, o português
Gaspar Corte Real chegou à Groenlândia pelo Atlântico Sul, batizando uma
ilha de Terra Nova (daí o inglês "Newfoundland"). Um mapa português de
dois anos depois já mostrava a Groenlândia como possessão portuguesa,
pois ficava a leste da Linha de Tordesilhas. Isso ficou só no papel.
Em
1604, o rei Cristiano IV da Dinamarca enviou uma "expedição de resgate"
- ele acreditava que ainda havia nórdicos morando na Groenlândia. Foi
um fracasso, com os navios bloqueados pelo gelo. Em 1721, com Hans
Egede, os dinamarqueses conseguiram tomar posse do país novamente, mas
só encontraram inuítes, que mostraram a eles as ruínas nórdicas. Hoje,
89% dos 59 mil groenlandeses são inuítes. Desde 2009, a Groenlândia é um
país semiautônomo. A maioria da população apoia a independência total
da Dinamarca. Um plebiscito vai resolver a questão em 2017.
Quando
Leif retornou à Groenlândia, seu irmão, Thorvald, preparou a segunda
viagem, que começou em 1004. Após dois anos sem incidentes, Thorvald
explorava um fiorde quando topou com uma visão inesperada: três botes de
pele, cada um com três homens, se aproximando do navio. Era o primeiro
contato entre europeus e nativos da América, e não acabou melhor que os
posteriores: os vikings capturaram oito dos nove homens e os mataram
(sem explicar o motivo). O sobrevivente fugiu. Os europeus continuaram a
exploração e toparam com o que pareciam habitações. Não tiveram tempo
de se certificar. Dezenas de botes surgiram no fiorde e começaram a
disparar flechas contra eles.
Thorvald foi atingido embaixo do
braço e morreu pouco depois. Seu último pedido foi que marcassem sua
sepultura com duas cruzes, pois era cristão. Mesmo com a baixa, os
nórdicos chamaram os nativos de skraeling, algo como "fracotes". Sobre a
identidade dos skraeling, Hans Christian Gullov, do Museu Nacional da
Dinamarca, afirma que poderiam tanto ser índios beothuk quanto
paleo-esquimós da cultura Dorset, ambos extintos por outros povos
americanos.
Fora as matanças, as notícias não pareceram ruins
para o comerciante Thorfinn Karlsefni. Ele se casou com a viúva de
Thorvald, Gudrid, e organizou a terceira expedição. Karlsefni também
encontrou os skraeling, desta vez no acampamento em Vinland. Os nativos
espalharam objetos sobre o chão, dando a entender que queriam comércio.
As mulheres trouxeram queijo e manteiga, o negócio foi aceito, e os
grupos se separaram sem incidentes. Apesar da promessa de paz, Karlsefni
construiu paliçadas em volta do acampamento. Durante o inverno, chegou o
filho do casal, o primeiro descendente de europeus a nascer na América.
Na outra estação, os índios reapareceram. Um deles tentou roubar uma
arma de um servo de Karlsefni, que reagiu à moda viking, com a espada - o
incidente deu início a uma batalha, mas os vikings conseguiram expulsar
os nativos e se bandear de volta para a Groenlândia.
Houve uma
quarta e última expedição. Dessa vez, os vikings não precisaram de ajuda
dos skraeling para morrer. A filha de Eric, Freydis, se desentendeu com
os integrantes de uma equipe rival, dizendo que só ela podia usar os
prédios do acampamento, propriedade de seu irmão. Os rivais se
conformaram em fazer mais casas. Após outra discussão, Freydis resolveu
matar todo mundo - quando seus subalternos recusaram-se a executar as
mulheres, ela pediu um machado e resolveu a situação sozinha. Matar
índios não merecia comentário, mas, dessa vez, o relato não ignorou que o
ato foi visto como um grande mal na Groenlândia, uma mancha na
reputação dos descendentes de Freydis. Assim, entre serem mortos pelos
nativos ou por eles mesmos, os nórdicos deixaram a colonização do Novo
Mundo para outros europeus, séculos depois. Mas não foi o fim de sua
presença na América.
Das sagas para a História
Tudo o que você leu até agora vem da Saga dos Groenlandeses,
livro escrito na Islândia por volta de 1200. A mesma história é contada
na Saga de Eric, o Vermelho, com alguns detalhes distintos. Durante os
séculos 18 e 19, as sagas começaram a ser traduzidas para línguas
nórdicas modernas e depois para o inglês, francês e alemão, dando origem
a uma certa "vikingmania". Os feitos nórdicos foram saudados por gente
como o escritor norueguês Henrik Ibsen (Os Guerreiros em Helgeland,
1857) e o compositor alemão Richard Wagner (O Anel dos Nibelungos,
1874). Na época surgiu o estereótipo do viking de elmo chifrudo - que
existiu entre nórdicos na Antiguidade, mas já abandonado na Idade Média.
Em 1837, o historiador dinamarquês Carl Christian Rafn escreveu Antiquaes America,
primeiro trabalho acadêmico desbancando a primazia de Colombo. No
livro, Rafn apontava uma torre de pedra em Rhode Island (EUA) como uma
igreja de vikings cristãos. Em 1898, uma pedra rúnica foi encontrada no
Minnesota, a milhares de quilômetros do litoral canadense. A pedra era
uma fraude e a torre, depois de escavada, só rendeu artefatos do século
17. No início do século 20, a maioria dos historiadores estava cética em
relação às narrativas das sagas. Os amadores não desistiram. Em 1914, o
empresário William F. Munn, de Newfoundland, escreveu artigos apontando
o extremo norte da ilha como o local onde os vikings aportaram.
Após
várias escavações que encontraram apenas vestígios indígenas, em 1960 o
casal de arqueólogos noruegueses Helge e Anne Ingstad acharam o que
parecia ser o contorno de prédios nórdicos sob a grama, em L¿Anse aux
Meadows, uma vila de pescadores. O anúncio da descoberta, no ano
seguinte, foi recebido com ceticismo - mas um estudo mais aprofun-dado
do local, nos anos 60 e 70, trouxe resultados surpreendentes. Em L¿Anse
aux Meadows havia, sim, uma vila nórdica, construída por volta do ano
1000, que foi habitada por não mais de 20 anos. O local não tinha os
elementos de um povoamento definitivo, como cemitério ou igreja. Em vez
disso foram encontrados forjas, serralherias e armazéns. A conclusão:
era o acampamento de Leif Ericsson. As sagas estavam certas. "As
histórias sobre as viagens são muito rea-listas e nunca foram
consideradas mitológicas", afirma o historiador Gísli Sigurdsson, da
Universidade da Islândia. "As sagas contêm memórias sobre personagens e
eventos reais, apesar de que isso pode não ter ocorrido exatamente como
contado."
Cristianismo
A
Saga de Eric, o Vermelho, deixa claro que a razão do abandono do
acampamento eram os skraelings hostis. Mas isso não quer dizer que eles
abandonaram a América completamente. "Temos indícios que os nórdicos da
Groenlândia mantiveram contato com a América. Encontramos no povoamento
ocidental fibras de pelo de bisão e urso marrom, provavelmente da
América, datados de depois de 1200", diz a arqueóloga Jette Arneborg, do
Museu Nacional da Dinamarca. A colonização da América ocorreu no mesmo
período em que os vikings deixavam de ser vikings. Um dos primeiros
prédios construídos na Groenlândia foi uma igreja - pela mulher cristã
de Eric. Antes de ir ao Canadá, Leif Ericsson havia se convertido e
recebido a missão de converter a Groenlândia. Os nórdicos foram
absorvidos na diplomacia, política e cultura europeia - houve até sagas
em latim.
Se os nórdicos fugiram dos skraeling ao sul, logo
tiveram de se entender com eles na Groenlândia - que, vale lembrar, é
parte da América. Os esquimós modernos, ou inuítes, começaram a se
expandir a partir do Alasca perto do ano 1000. Por volta de 1200,
estavam na Ilha de Ellesmere, e logo depois montaram acampamento na
Groenlândia, ao norte de áreas habitadas por vikings. A relação deve ter
ido bem, ao menos no começo: mais de 200 artefatos nórdicos foram
encontrados em ruínas inuítes, além de esculturas que parecem
representar europeus. "Os dois grupos tiveram contato por séculos. Mas
viviam suas próprias vidas e se encontravam apenas em locais de
comércio", diz Gullov. O número de artefatos inuítes em ruínas nórdicas é
muito menor, o que parece mostrar que os nórdicos exportavam tudo o que
compravam dos inuítes - marfim de morsa e peles.
Os nórdicos
continuaram na Groenlândia até o século da descoberta de Colombo. Se
Markland e Vinland eram terras mais habitáveis, havia razões econômicas
para permanecerem naquele ambiente hostil: o comércio de marfim de morsa
e peles de foca e rena (ou caribu). Quando chegaram, a região era 1º C
mais quente que hoje, já que vivia-se o Período Quente Medieval. Eles
trouxeram gado, cavalos, ovelhas e cabras, que alimentavam com a grama
da tundra, no verão, ou feno, estocado para o inverno. Em anos bons, era
possível plantar cevada e trigo, o que não durou muito. Em 1250, o
livro norueguês O Espelho Real descrevia a Groenlândia como "o lugar onde ninguém nunca viu pão".
O
clima começou a esfriar no século 13, na Pequena Era do Gelo, que
duraria até o começo do atual aquecimento, no século 19. O legista Niels
Lynnerup, da Universidade de Copenhague, estudou esqueletos nórdicos
encontrados na Groenlândia: "No começo, eles tinham uma dieta
diversificada, de gado e ovelhas. Mais tarde, dependiam de foca". O frio
não era o único problema. Após a Primeira Cruzada, em 1096, foram
abertos caminhos para a Ásia e a África, que permitiram a entrada de
marfim de elefante na Europa. O marfim de morsa, bem menor, foi se
tornando cada vez menos interessante. Em 1361, o bispo Ivar Bardson
visitou as ruínas do povoamento ocidental, que chegou a abrigar 20% da
população da Groenlândia (no auge, 5 mil pessoas). Ele culpou os
skraeling - os inuítes, neste caso - pela destruição. No fim, ninguém
mais ouviu falar de nórdicos na ilha.
Historiadores apontam o
fim da colonização viking por volta de 1450 - se eles foram mortos ou
incorporados pelos inuítes, ou simplesmente partiram, ainda é um
mistério. Segundo o historiador Thomas McGovern, da Universidade da
Cidade de Nova York, eles desperdiçaram uma chance ao não copiar o
estilo de vida dos inuítes, com tecnologias adequadas para o inverno e a
neve. "Os groenlandeses decidiram evitar a inovação, enfatizar suas
tradições e morrer pelo que consideravam seus valores", escreveu
McGovern, em The Demise of Norse Greenland (O Fim da Groenlândia Nórdica).
A vida dos vikings
As sagas
Sagas
são relatos épicos em prosa, presentes nas culturas nórdica e
germânica, sobre as viagens dos vikings. A maioria foi escrita depois da
conversão ao cristianismo, com base na tradição oral pagã.
Objetos do cotidiano
Os
vikings não usavam chapéu com chifres nem bebiam em canecas feitas de
caveira - mas canecas de chifre eram comuns. Seu drinque favorito era a
cerveja - o vinho era visto como um produto de luxo vindo do sul. Eles
usavam roupas de lã, adornadas com abotoaduras e joias decoradas com
motivos animais. Entre seus passatempos favoritos estavam dados e
xadrez, com peças de marfim de morsa. Do mesmo material, ou de osso,
faziam instrumentos musicais, como flautas.
As mulheres
As
mulheres vikings desfrutavam de muito mais liberdade em relação a
outros povos europeus do período. Podiam ser donas de propriedade, como
navios, e tinham a alternativa de pedir divórcio.
Homens do mar
As
embarcações vikings tinham por volta de 20 m e uma tripulação de 40
pessoas, mas podiam ser maiores, com até 32 m em alguns navios de
propriedade real. Com vento de popa, podiam chegar a 15 nós (27 km/h) de
velocidade - o dobro da velocidade de uma caravela da época de Colombo.
Sua construção simples deixava um bom espaço para carga. As
desvantagens ficavam por conta da precária navegação: eles não tinham
mapas ou bússolas, usavam apenas o Sol, estrelas e pontos de referência
para se guiar. Bastava um nevoeiro para ficarem perdidos - o que, como
vimos, às vezes se transformava em vantagem. Os barcos vikings usavam
cascos trincados - cada tábua era presa às tábuas adjacentes, diferente
de uma caravela, em que as tábuas são paralelas e presas ao esqueleto.
Elas, assim, se tornavam parte da estrutura de sustentação, dispensando
um esqueleto pesado - era a razão de sua grande velocidade e maior
capacidade de carga. Antes do uso do velame triangular das caravelas,
remar era a única solução quando o vento era contrário. Os remadores
costumavam ser poupados se o plano era atacar - não adiantaria nada ter
um exército exausto. Como os demais europeus medievais, os nórdicos
achavam que o mundo era um círculo com centro em Jerusalém, cercado por
oceanos cheios de monstros. Sem aceitar que havia um novo continente,
acreditavam que a Groenlândia era uma península da Europa, e Vinland,
uma península saída da África.
Os inuítes
Também
conhecidos como esquimós pelos americanos, os inuítes são uma tribo da
região Ártica, com ramificações no Canadá, Estados Unidos, Sibéria
(Rússia) e Groenlândia.
Colombo na Islândia
Segundo
a biografia de Cristóvão Colombo escrita por seu filho Ferdinando, o
pai visitou a Islândia em 1477. Nem a biografia ou qualquer coisa que
ele tenha dito indicam que ouviu falar das sagas, mas Ferdinando informa
que Colombo ficou intrigado com a localização da região, mais a oeste
do que os antigos mapas baseados em Ptolomeu sugeriam. O historiador
Paolo Taviani (1912-2001) acreditava que Colombo ouviu histórias da
colonização. De qualquer forma, morreu dizendo que havia chegado à Ásia -
foi outro italiano, Américo Vespúcio, quem primeiro afirmou que se
tratava de outro continente, após visitar a região com portugueses e
espanhóis. O cartógrafo alemão Martin Waldseemüller trocou tudo e achou
que Vespúcio era o descobridor - batizando a América em homenagem ao
navegador errado. De qualquer forma, Vespúcio merece o crédito por ter
sido o primeiro a entender o contexto das terras americanas - um
continente, um Novo Mundo.
Saiba mais
Vikings, the North Atlantic Saga, vários autores, 2000, Smithsonian Books
The Vinland Sagas, autor desconhecido, 2008, Penguin Books
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