terça-feira, 14 de março de 2017

A vida íntima de Karl Marx Infidelidade, alcoolismo, miséria - e paixão: o real homem por trás da lenda

Cristo, os fragmentos dos ossos de São Pedro estão guardados nos porões do Vaticano, com direito à vigilância severa da renomada Guarda Suíça. No entanto, os restos mortais do primeiro papa encontram-se quase desprotegidos se comparados ao tratamento dispensado aos documentos de Karl Marx no Arquivo Nacional da Rússia: uma câmara à prova de bombas protege suas cartas e manuscritos. Trata-se de um exemplo do desafio diante de qualquer tentativa de compreender um pouco mais sobre a vida do intelectual alemão. Embora não tenha fundado formalmente uma religião ou existam registros de milagres e afins, Marx foi catapultado ao posto de Messias em cujo nome se lutaram guerras e se construíram impérios num espaço de tempo bem menor que o usado pelo cristianismo – e os inevitáveis deslizes do pai do comunismo não estão disponíveis facilmente. Para os guardiões da antiga União Soviética, homem e regime se confundiam.Mito e realidade
Passados 134 anos de sua morte, Marx permanece uma figura mitológica. Se o desmoronamento dos regimes socialistas da Europa Oriental causou abalos em sua reputação, o filósofo que misturava pensamento e ação e criou o conceito de ditadura do proletariado tampouco foi esquecido: em 2005, quase 20 anos depois da queda do Muro de Berlim, foi ele quem venceu uma enquete da BBC para eleger o maior filósofo de todos os tempos. Isso mesmo, no Reino Unido, em que o Partido Trabalhista precisou varrer o viés socialista de seus estatutos e de suas políticas para retomar o poder com Tony Blair, em 1997, o criador do comunismo ainda conserva sua popularidade.
Na década passada, Marx já tinha levado safanões em sua auréola vermelha. Na primeira biografia de destaque publicada após o fim da Guerra Fria, o jornalista britânico Francis Wheen expôs um Karl Marx que estava bem longe da figura magnânima imortalizada em estátuas e estandartes em Moscou, Pequim ou Havana. Ele foi apresentado como bêbado, parasita e adúltero.
Wheen abriu as portas para um releitura de Marx que não se concentra apenas no debate ideológico. Sua missão era desvendar seu lado humano, ao contrário das milhares de leituras sobre dialética a respeito de sua produção filosófica. Em 2011, a jornalista norte-americana Mary Gabriel encontrou um ângulo ainda mais original: uma narrativa focada na vida familiar de Marx, sobretudo em seu turbulento relacionamento com a esposa, Jenny. Tanto Wheen quanto Gabriel tiveram acesso a documentos ligados ao filósofo, incluindo sua correspondência pessoal. Ambos revelam que Marx nunca foi santo – nem de longe. Mas também não pode ser demonizado. “Esse é o grande problema quando o assunto é Marx. Por causa de seu impacto histórico, a polarização é constante. No Ocidente ele volta é meia é ridicularizado, enquanto Rússia e China ainda o apresentam como uma figura religiosa. Os dois lados erram ao passar ao largo do aspecto humano”, afirma Mary Gabriel.
Na verdade, a idealização ou demonização de Marx não nasceram com a Guerra Fria ou após a derrocada do socialismo. Ela tem origem em 1883, ano em que Marx, aos 64 anos, não resistiu aos efeitos de uma infecção pulmonar e da tristeza pela morte da mulher, dois anos antes. Mal seu corpo baixou à sepultura no Cemitério de Highgate, no norte de Londres – o enterro, segundo relatos de amigos e parentes, foi acompanhado por menos de 15 pessoas – e uma operação de endeusamento começou. Como sugere a audiência do funeral, Marx estava longe, muito longe de ser uma celebridade quando deixou este mundo. Mas entre os presentes à cerimônia estava Wilhelm Liebknecht, um dos fundadores do Partido Social-Democrata alemão e um dos principais responsáveis pela divulgação de suas ideias – nas eleições parlamentares de 1890, por exemplo, a legenda, de inspiração marxista, obteve 20% dos votos na Alemanha.
Filho bastardo
Foi a partir de esforços de personagens como Liebknecht que a mitificação de Marx teve início, ainda que a explosão tenha vindo com a Revolução Russa de 1917, o primeiro experimento marxista em larga escala, com direito à aplicação de seus modelos de sociedade e a implementação da “ditadura do proletariado” pelos bolcheviques seguidores de Vladimir Lenin. A glorificação de Marx e a omissão de sua humanidade viraram regra, por mais que um estudo minucioso da correspondência particular da família do filósofo mostre uma oposição ferrenha a qualquer tipo de censura ou embelezamento. Mesmo depois de Eleanor, uma de suas filhas, descobrir em 1895 um terrível segredo do pai: Marx não apenas tivera um caso com Helene Demuth, a governanta da família, mas engravidou a serviçal durante uma viagem da mulher.


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