oão Cândido Felisberto
alistou-se na Marinha do Brasil, em janeiro de 1895, com apenas 14 anos
de idade. Teve uma carreira extensa de viagens pelo Brasil e por vários
países do mundo nos 15 anos em que esteve na ativa da Marinha de
Guerra. De acordo com sua ficha, nos anos em que permaneceu na Marinha,
foi castigado em nove ocasiões, preso entre dois e quatro dias em celas
solitárias “a pão e água”, além de ter sido duas vezes rebaixado de cabo
a marinheiro. Revoltado com os castigos impostos aos negros pela
Marinha do Brasil, foi líder da “Revolta da Chibata”.
João nasceu em 24 de junho de 1880, na então província (hoje estado)
do Rio Grande do Sul, no município de Encruzilhada (hoje Encruzilhada do
Sul), na fazenda Coxilha Bonita, que ficava no vilarejo Dom Feliciano.
João era filho dos ex-escravos João Felisberto e Inácia Cândido
Felisberto.
O uso da chibata como castigo na Marinha brasileira já havia sido
abolido em um dos primeiros atos do regime republicano, o decreto número
3, de 16 de Novembro de 1889, assinado pelo então presidente marechal
Deodoro da Fonseca. Mas o castigo cruel continuava a ser aplicado, a
critério dos oficiais da Marinha de Guerra do Brasil. Num contingente de
90% de negros e mulatos, centenas de marujos continuavam a ter seus
corpos retalhados pela chibata, como no tempo da escravidão.
Entre os marinheiros insatisfeitos com a má alimentação e,
principalmente, com os degradantes castigos corporais, crescia o clima
de tensão.
Os marinheiros iniciaram um movimento conspiratório com vistas a
tomar uma atitude mais efetiva no sentido de acabar com a chibata na
Marinha de Guerra do Brasil.
Esgotadas as tentativas pacíficas e propositivas dos marinheiros,
incluindo uma audiência de João Cândido no Gabinete do presidente
anterior, Nilo Peçanha, e na presença do ministro da marinha,
Alexandrino de Alencar, sem qualquer providência efetiva para o fim dos
castigos físicos, os marinheiros decidiram que iriam fazer uma revolta
pelo fim do uso da chibata em 25 de novembro de 1910.
João Cândido assumiu por indicação dos demais líderes o comando geral
de toda a esquadra revoltada. Controlou o motim, fez cessarem as mortes
e enviou radiogramas pedindo a abolição dos castigos corporais na
Marinha. Foi chamado na época, pela imprensa, como Almirante Negro. No
ultimato dirigido ao Presidente Hermes da Fonseca, os revoltosos
declararam: “Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não
podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira”. A rebelião
terminou com o compromisso do governo federal em acabar com o emprego da
chibata na Marinha e de conceder anistia aos revoltosos.
Mas o governo não cumpriu o acordo e pediu a expulsão de marinheiros
que representassem risco, o que era uma quebra de palavra, uma traição
do texto da lei de anistia. Houve um segundo levante, fortemente
reprimido pelo governo, e João Cândido foi expulso da Marinha e preso,
em dezembro. No mesmo mês, ele foi enviado para uma masmorra na Ilha das
Cobras, onde vários companheiros dele morreram.
Em abril de 1911, João Cândido foi transferido para o Hospital dos
Alienados, como louco, mas recebeu alta e voltou para a Ilha das Cobras,
de onde foi solto em 1912, absolvido das acusações juntamente com nove
companheiros. Banido da Marinha, João Cândido sofreu grandes privações,
vivendo precariamente, trabalhando como estivador e descarregando peixes
na Praça XV, no centro do Rio de Janeiro.
Discriminado e perseguido pela Marinha até o final da sua vida,
recolheu-se no município de São João de Meriti. Morreu por causa de um
câncer, em 6 de dezembro de 1969, aos 89 anos de idade.
A sua memória foi resgatada jornalisticamente a partir de 1959, com o
lançamento do célebre livro ‘A Revolta da Chibata’, de Edmar Morel;
musicalmente, na década de 1970, pelos compositores João Bosco e Aldir
Blanc, e no samba ‘O mestre-sala dos mares’.
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