ÍNDIOS KALANKÓ.
Os Kalankó ou Calancó compõem uma etnia indígena
brasileira. Habitam o estado de Alagoas e sua população é composta de
329 indivíduos de acordo com o senso (Siasi/Sesai, 2014).
Os Kalankó são descendentes de um dos povos indígenas que viveram,
durante o século XIX, no aldeamento Brejo dos Padres, em Pernambuco. O
impacto que a colonização teve sobre as populações nativas no Nordeste
brasileiro foi brutal e uma das principais conseqüências desse processo,
além da escravização e do extermínio de vários povos, foi o aldeamento
dos indígenas. Na região do rio São Francisco não foi diferente e os
Kalankó, assim como outros grupos, foram distanciados de seus
antepassados, de suas tradições e suas terras. Foi a partir de 1980 que
esta população passou a lutar de forma expressiva pelo reconhecimento
oficial de sua indianidade. Suas festas e rituais, muitos dos quais eram
reprimidos na época dos aldeamentos, passaram a ocupar novos espaços,
dando visibilidade à trajetória dos Kalankó.
A partir de 1998, com o
seu “re-aparecimento”, os Kalankó passaram a estabelecer relações
constantes com agências do Estado como a Funai (Fundação Nacional do
Índio) e a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), com organizações da
Igreja Católica, como o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e
organizações não-governamentais.
Aos poucos foram re-elaborando a
forma de arregimentação de seus líderes, que passou a ser o voto direto,
geralmente pautado pelas relações genealógicas e pelo prestígio na vida
cerimonial.
Atualmente a comunidade é organizada por dois líderes, o
pajé e o cacique. O pajé comanda os rituais, incentiva os valores
tradicionais e media conflitos. Além disso, fica bastante atento ao
cumprimento das “obrigações” de cada pessoa, especialmente àquelas
ligadas às práticas rituais. O cacique, por sua vez, leva as
reivindicações da comunidade para fora, representando-a junto ao Estado e
à sociedade nacional.
As decisões de ambos são legitimadas por
quatro conselhos. O primeiro é chamado de Conselho Tribal e foca nas
relações da comunidade com o exterior. O segundo se chama Conselho Local
e diz respeito à resolução dos conflitos internos. É interessante notar
como os integrantes dos conselhos, com raras exceções, são sempre os
principais cantadores e dançadores. Desde 1999, existe o Conselho da
Saúde que trata de assuntos relativos à Funasa. O quarto é o Conselho
das Crianças, cujas atividades estão voltadas para o aprendizado dos
valores kalankó. Este conselho organiza todo mês a “Festa das Crianças”
no terreiro de Lageiro do Couro. Nesta festa, realiza-se um Toré no qual
somente as crianças participam. É bastante comum a realização de
apresentações infantis fora da aldeia.
Os Kalankó também estão
envolvidos em atividades relacionadas à questão indígena brasileira e
nordestina: visitam outras comunidades; compartilham sua experiência de
luta por reconhecimento; e participam de eventos e conferências.
Há
entre os Kalankó três rituais diferentes: o Toré, o Praiá e o Serviço
de Chão. Todos eles ocorrem preferencialmente à noite, mas também podem
ser realizados durante o dia, e tem como figura central o pajé, que é
líder e principal cantador das cerimônias. Em alguns casos, porém, o
pajé pode transferir esta responsabilidade a uma outra pessoa de
destaque da comunidade. As mulheres podem participar do Toré e do
Serviço de Chão, mas não do Praiá. Entretanto, são elas as responsáveis
pela preparação das comidas e das pinturas corporais usadas em todos os
rituais.
Os cantadores são as pessoas de maior prestígio político
entre os Kalankó, são eles que têm maior poder de decisão e mais
obrigações no grupo.
Os Kalankó dizem que o canto nasce com a
pessoa, mas é importante destacar que esta qualidade é transmitida de
geração em geração, seguindo uma linha genealógica que remonta às
famílias recém-chegadas do aldeamento de Brejo dos Padres (PE). A dança,
ao contrário, é aprendida ao longo da vida.
O terreiro é um espaço
de forma retangular que existe nas principais aldeias do alto sertão
alagoano. É nele que são realizados os rituais Praiá e Toré. O terreiro é
um dos lugares privilegiados para se receber os encantados.
Os
Kalankó têm dois terreiros onde praticam seus rituais, um em Lageiro do
Couro e o outro em Januária. Todo terreiro é chefiado por um indivíduo,
que é denominado “pai de terreiro”, e pertence a um encantado, que é o
“dono” do espaço.
O terreiro deve, preferencialmente, possuir um
poró [casa sagrada onde as vestes cerimoniais são guardadas]. Além
disso, em muitos terreiros da região há um espaço denominado oca, onde
as pessoas se reúnem para realizar Conselhos ou Torés.
Durante o
ritual, o terreiro se transforma em “mato”, espaço de ação dos
encantados. Esta transformação acontece a partir de uma formação em
cruz, o “encruzamento”, que abre o terreiro para receber a força dos
encantados. O encruzamento se refere a um tipo de movimento coreográfico
que traça o desenho de uma cruz em todo o terreiro.
O Toré é uma
prática realizada desde o “tempo dos antepassados”. É geralmente
oferecido a um encantado e às vezes é realizado em comemoração a uma
data especial ou, como falam, só por brincadeira. Trata-se de um ritual
que conta com a participação de toda comunidade e pode contar com a
presença de não-índios.
O rito pode ser realizado em diversos
espaços: no interior das casas ou fora da aldeia, em ambientes públicos,
nos quais o Toré ganha uma forte conotação política. Este ritual
acontece com muita frequência e se caracteriza por cantos e danças
específicas, que cessam quando o cantador emite um grito.
No Toré, a
voz é o elemento fundamental e a pisada no chão é seu complemento. Um
bom cantador é aquele que canta por muito tempo e conhece um grande
repertório de cantos.
No final do Toré, consome-se uma garapa –
bebida feita a partir da mistura de água com algum tipo de doce, seja
rapadura, mel ou mesmo açúcar. Mas antes disso a garapa deve ser
“encruzada” (isto é, deve-se fazer o sinal da cruz) três vezes com o
maracá e o campiô (cachimbo).
Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/povo/kalanko
Fotografia: Dona Joana Kalankó fumando o campiô, Gangorra, Alagoas. Autoria: Alexandre Ferraz Herbetta, 2003.
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