Você conhece o "Pantera Negra" mas nunca ouviu falar de "Besouro"?
A vida de Besouro de Mangangá, o maior capoeirista brasileiro de todos os tempos.
Rodeada de misticismo e feitos notáveis, a trajetória de Besouro foi
passada de geração em geração, de forma oral, nas rodas de capoeira do
Brasil. O capoeirista viveu o período de exclusão do negro
pós-escravidão e a maior parte de suas histórias se configuram como um
alter ego da resistência negra à opressão da polícia, política e Estado
brasileiro aos homens e mulheres de sua cor.
A toda situação de
injustiça vivida, uma história sobre Besouro era criada. No Estado da
Bahia, a Wakanda brasileira, Besouro foi o Pantera Negra que todo
brasileiro deveria conhecer.
Pouco se sabe sobre Manuel Henrique
Pereira. Registros oficiais mostram que ele nasceu em 1897 e foi a
primeira geração da família a não estar preso por grilhões de ferro.
Manuel aprendeu os primeiros passos da capoeira na rua Trapiche de
Baixo, sob a orientação de mestre Alípio, um ex-escravizado muito
conhecido nas imediações do município de Santo Amaro.
Dizem que
aos quatro anos, Pereira já era conhecido em rodas de capoeira. No
período, o jogo foi criminalizado no país, sob a pecha de ser passatempo
de "vadios" e "malandros". Mas, na verdade, a ideia do Estado era tirar
as formas de resistência dos negros à opressão.
E foi dentro desse
contexto que diferentes versões e inúmeras histórias envolvendo Manuel
Henrique foram criadas e passadas de boca em boca, de geração em
geração.
O apelido Besouro de Mangangá veio, segundo uma das
versões, após uma briga entre o famoso capoeirista e membros da polícia.
Manuel era exímio jogador de Capoeira "Santa Maria", a qual se jogava
com navalhas amarradas aos pés. Em uma dessas rodas, a polícia chegou
para prender os jogadores.
Foi quando Manuel, ao invés de fugir,
ficou e encarou os oficiais. Cercado por oito homens armados, Besouro
deu alguns golpes, derrubou três guardas e sumiu, como em um passe de
mágica. O chefe dos policiais, ao acordar da pancada, disse: “Onde está
aquele homem?” e um dos guardas respondeu: “Fugiu, como um besouro”.
Então, naquele momento, Manuel passa a ser conhecido como "Besouro de Mangangá", um animal ágil e venenoso.
Com a constituição do codinome assentada nesse grande feito, pois os
policiais eram os principais responsáveis pela repressão legal à rituais
da cultura africana, Besouro passou a ser um símbolo da resistência
negra. E as histórias que ele protagonizou ganharam um contorno sempre
de heroísmo frente à opressão.
Seu primo, mestre Cobrinha Verde,
único membro de sua família, oficialmente comprovado em cartório, contou
que o parente ilustre presenteava amigos próximos e mulheres que
cortejava com penas de pavão furtadas, com o uso da impressionante
agilidade, de chapéus de marajás brancos das cidades do Recôncavo
Baiano.
Outra história bastante conhecida fazia referência a um
patrão que não pagava os funcionários negros de uma usina. Os homens
eram contratados para trabalhar e, geralmente, o patrão não pagava o
primeiro mês. Ele sempre dizia aos novos funcionários: “Hoje não tem o
dinheiro, quebrou pra São Caetano". Besouro, então, ao saber da prática
do empresário, conseguiu emprego na usina, trabalhou durante um mês e,
ao final, pegou todo o dinheiro das economias do homem branco,
distribuiu parte do dinheiro e gastou o resto. E disse ao patrão: “Fique
tranquilo, quebrou pra São Caetano".
Essa é apenas uma das
histórias de um herói nacional, esquecido por muitos, por representar
uma classe oprimida, que não conseguia registrar a própria história por
falta de oportunidades, já que mais de 98% dos ex-escravizados eram
analfabetos. E foi o analfabetismo que fez Besouro cair na cilada que
custou sua vida.
Certa vez, Mangangá arrumou um serviço em uma
fazenda na qual o filho do proprietário tinha fama de valentão, surrava
homens e mulheres negras, como se ainda fossem escravizados.
Besouro, então, se envolveu em uma briga com o filho do proprietário e
ameaçou matá-lo. O "valentão", assustado com a fama de Besouro, pediu ao
pai que usasse o dinheiro para proteger sua vida.
O fazendeiro
preparou premeditadamente uma cilada ao herói. Ele deu uma carta a
Besouro dizendo para levar a uma fazenda, no interior do Recôncavo
Baiano. Segundo o fazendeiro, ali estava escrito uma recomendação para
Besouro ganhar mais. Besouro portou a carta até a nova propriedade,
porém, por ser analfabeto, não conseguiu ler que nela continha os
seguintes dizeres: "Matar o perigoso portador da carta."
O feitor,
ao ler o documento, juntou cerca quarenta homens armados e alvejaram
Besouro mais de 200 vezes. Ao escapar de boa parte dos tiros, ele caiu
no chão, mas se levantando-se logo em seguida. Ele foi morto por um
outro homem negro, que era conhecido por entender as mandingas dos
capoeiristas. Este homem enfiou uma faca nas costas de Besouro. Segundo
relatos, o instrumento cortante foi feito do tronco de uma árvore
mágica.
Terminava ali, aos 27 anos, a história de uma lenda da
Capoeira. Muito mais próximos de nós, brasileiros, do que o famoso
Pantera Negra da Marvel, Besouro virou um mito, um símbolo da
resistência negra a toda violência que a sociedade impôs aos homens e
mulheres que construíram o país com grilhões em suas pernas e braços.
No estado da Bahia, a Wakanda brasileira, Besouro ainda é bem vivo nas rodas de conversa entre mestres e alunos da capoeira.
Esse símbolo merece um capítulo na nossa página e o compartilhamento de vocês.
Se chegou até aqui, faça como nós, passe a história de Besouro para a frente. É importante.
Foto - captada do filme "Besouro" de João Daniel Tikhomiroff, 2009.
Texto - Joel Paviotti
Referências - Iconografia da História.
Nenhum comentário:
Postar um comentário