(Emory University)
Mas
por que os escravos eram sempre africanos? Uma possível resposta
baseia-se nos diferentes valores das sociedades do mundo atlântico e,
mais particularmente, no modo como os grupos de pessoas envolvidas na
criação de uma comunidade transatlântica viam a si próprios em relação
aos outros — em suma, como eles definiam a sua identidade. A tecnologia
de navegação marítima dos europeus colocou-os em contato próximo e
constantes com povos que diferiam mais deles, cultural e fisicamente, do
que qualquer outro povo com o qual eles tinham interagido no milênio
anterior. Inicialmente — excetuando-se, em parte, a Angola ocidental —
os europeus não conseguiam controlar territórios nem na África nem na
Ásia. Como os africanos tinham capacidade de resistir aos europeus, as
plantations de açúcar foram estabelecidas nas Américas e não na África.
Mas se os africanos, com a ajuda de agentes patogênicos tropicais, eram
capazes de resistir aos invasores potenciais, alguns deles estavam
dispostos a vender escravos para os europeus utilizarem nas Américas. A
dominação europeia dos ameríndios havia sido completa — aliás, do ponto
de vista europeu, completa até demais. O impacto epidemiológico do Velho
Mundo destruiu não só as sociedades nativas americanas como também toda
uma fonte potencial de mão de obra.
Todas
as sociedades humanas até o ano de 1900 tinham ao menos uma resposta
pronta para a questão de quais grupos devem ser considerados elegíveis
para a escravização, e elas não costumavam recrutar em massa membros de
sua própria comunidade. A revolução na tecnologia de navegação deu aos
europeus a capacidade de ter acesso contínuo a povos remotos, e a
transportá-los contra a sua vontade por distâncias muito longas.
Surpreendentemente, era muito mais barato obter escravos na Europa do
que enviar um navio até uma costa africana que poderia estar infectada,
desprovida de portos adequados e afastada das potências políticas,
financeiras e militares europeias. O fato de esta possibilidade nunca
ter sido levada a sério indica que os europeus eram incapazes de
escravizar outros europeus. Fora o caso de uns poucos indivíduos
socialmente desviantes, nem os africanos nem os europeus escravizavam
membros de suas próprias sociedades, mas no início do período moderno os
africanos tinham uma concepção de quem era elegível para a escravização
que era um tanto mais estreita do que a dos europeus. Essa diferença
explica a explosão do tráfico de escravos transatlântico. A escravidão,
desaparecida há muito do noroeste da Europa, intensificou-se
rapidamente, assumindo uma importância e intensidade inéditas na
história da humanidade. A principal causa foi um descompasso entre as
concepções africana e europeia a respeito da elegibilidade para a
escravização, em cujas raízes encontram-se a cultura, as normas sociais,
que não estão claramente ligadas à economia. Sem esse descompasso, não
teria havido escravidão africana nas Américas. O tráfico de escravos
foi, portanto, consequência de construções diferentes de identidade
social e da tecnologia de navegação que colocou as sociedades atlânticas
em contato súbito umas com as outras.
Portanto, o tráfico de
escravos transatlântico cresceu a partir de uma forte demanda de mão de
obra nas Américas, impulsionada pelos consumidores — inicialmente
europeus — dos produtos de plantations e metais preciosos. Como os
ameríndios morriam em grande quantidade e era insuficiente o número de
europeus dispostos a cruzar o Atlântico, a forma que essa demanda
adquiriu foi moldada por concepções de identidade social em quatro
continentes, o que garantiu que o trabalho escravo fosse constituído
principalmente por escravos trazidos da África. Mas as perguntas
centrais — quais povos da África foram para uma determinada região nas
Américas, e que grupo de europeus ou de seus descendentes organizou um
movimento como esse — não podem ser respondidas sem uma compreensão dos
ventos e correntes marítimas do Atlântico Norte e do Atlântico Sul. Há
dois sistemas de ventos e correntes marítimas nos Atlânticos Norte e Sul
que são como rodas gigantes —
um está ao norte do equador e gira no sentido horário; o outro, ao sul,
gira no sentido anti-horário. A roda norte moldou em grande parte o
tráfico de escravos do norte da Europa, e foi dominada pelo tráfico
inglês. A roda sul moldou o enorme tráfico para o Brasil, que durante
três séculos foi quase exclusivo dos maiores traficantes de escravos de
todos, os portugueses. (1) Apesar de arvorarem a bandeira portuguesa, os
traficantes de escravos que navegavam pela roda sul administravam seus
negócios em portos brasileiros, e não em Portugal. Os ventos e as
correntes asseguraram, portanto, duas grandes rotas de escravos — a
primeira com raízes na Europa, e a segunda no Brasil. Os ventos e as
correntes também determinaram que os africanos transportados para o
Brasil viessem predominantemente de Angola, enquanto o sudeste da África
e o golfo do Benim desempenhavam papéis secundários; e que os africanos
levados para a América do Norte, o Caribe incluído, viessem
principalmente da África Ocidental, em sua maioria dos golfos de Biafra e
Benim e da Costa do Ouro. Mas, assim como o Brasil cruzava a fronteira
entre os sistemas traficando no golfo do Benim, ingleses, franceses e
holandeses também trouxeram alguns escravos do norte de Angola para o
Caribe.Fonte:
(Emory University)
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