A ideia que a maioria dos brasileiros tem da independência continua marcada pelo cenário pacífico da tela O Grito do Ipiranga, de Pedro Américo,
em que a separação de Portugal parece ter sido conquistada por um gesto
quase minimalista de dom Pedro em um cenário pitoresco e plácido às
margens do riacho paulista. Não há, em todo o quadro, sequer uma gota de
sangue, qualquer vestígio de uma guerra, como a que foi travada na
Bahia pela independência do Brasil. Mas a independência do Brasil não se deu numa simples negociação de gabinete.
No lugar das margens plácidas do Ipiranga, as batalhas na Bahia pela separação de Portugal foram travadas em águas mais profundas, no oceano Atlântico ou às margens do rio Paraguaçu, que apesar dos seus 600 quilômetros continua ofuscado pelo córrego em que dom Pedro parou para se aliviar antes de proclamar a independência. É que, à época, o gesto de dom Pedro pouco mudou a situação de várias províncias do país, que continuavam comandadas por Portugal.
A situação havia se agravado em dezembro de 1821, quando em um decreto das cortes, reproduzido no Correio Braziliense, Portugal nomeou 11 portugueses para governar as províncias brasileiras. "Uma nomeação de todos os Governadores das Armas ao mesmo tempo: nenhum brasileiro", advertiu o jornal, antevendo como a medida seria recebida.
Início da Guerra
Não deu outra. Quando os soldados baianos, enfim, souberam no dia 19 de fevereiro (as notícias chegavam à velocidade de vela) que seriam governados pelo general português Ignácio Luiz Madeira de Melo - e não mais pelo brasileiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães - se aquartelaram no Forte São Pedro dispostos a saírem de lá apenas quando a medida fosse revogada. Ignácio Madeira mandou bombardear o forte.
O resto da história é o início da Guerra da Independência da Bahia. Em meio ao conflito inicial, que se estendeu pelas ruas da cidade, estima-se que cerca de 240 pessoas morreram, levando os brasileiros a fugirem de Salvador para cidades próximas no Recôncavo Baiano. A primeira a aderir à causa foi Santo Amaro da Purificação. Mas foi na margem esquerda do rio Paraguaçu, na cidade de Cachoeira, onde ocorreram as primeiras batalhas contra os portugueses.
Quando a Câmara da cidade aderiu à causa de dom Pedro no dia 24 de junho, os portugueses usaram uma canhoneira contra os brasileiros que comemoravam em praça pública, matando na hora um soldado que tocava tambor. Enquanto a canhoneira disparava, portugueses entrincheirados atiravam contra os baianos, que revidaram com espingardas de caça e um velho canhão fora de uso.
Após três dias de confronto, os brasileiros conseguiram cercar a canhoneira com canoas e pequenos barcos, obrigando os portugueses a se render, sem comida e munição, no dia 28 de junho. Apesar de vitórias assim, as tropas baianas pareciam ter quase nenhuma chance, formadas por gente faminta, descalça e exposta a doenças.
Somente após a criação de um Conselho Superior para organizar a arrecadação e alistamento de voluntários - e o envio do Rio de Janeiro do general francês Pierre Labatut com reforços - a estratégia da guerra começou a ser definida: cercar as tropas portuguesas em Salvador, impedindo que recebessem provisões e reforços, mas evitar confrontos diretos.
Por duas vezes, os portugueses tentaram romper o cerco. A primeira, no dia 8 de novembro de 1822, resultou na maior batalha da independência, a de Pirajá, a cerca de 10 quilômetros do centro de Salvador.
"A batalha movimentou 4 mil homens, constituindo-se desde então na mais alta demonstração de resistência brasileira ao longo da cansativa e morosa campanha pela independência", conta o historiador baiano Luís Henrique Tavares em seu livro História da Bahia. A segunda tentativa portuguesa se deu com um ataque à ilha de Itaparica em 7 de janeiro de 1823, quando terminaram novamente derrotados após três dias de confrontos.
Aos portugueses, só restava o mar como acesso a provisões e reforços. Mas essa via logo iria ser fechada com a atuação do almirante Lord Cochrane. Cochrane não apenas comandou com sucesso o bloqueio naval na Bahia, como ordenou uma humilhante caça naval aos navios portugueses até as proximidades de Lisboa.
A heroína da independência
Quando a inglesa Maria Graham, mais conhecida pelos britânicos como Lady Callcott, autora de livros infantis, esteve no Brasil durante os anos da independência para ser preceptora de Maria da Glória, filha de dom Pedro, fez questão de conhecer a baiana Maria Quitéria de Jesus, voluntária das tropas brasileiras na Guerra da Independência. "Nada se observa de masculino nos seus modos, antes os possui gentis e amáveis", registrou a britânica em seu diário.
Ainda que não tenha perdido sua feminilidade, Maria Quitéria teve que se disfarçar de homem meses antes para poder lutar contra os portugueses nas batalhas travadas na Bahia, tal como na lenda da chinesa Mulan, que virou desenho animado da Disney. Nascida em 1798 nas proximidades de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, Maria Quitéria deixou a fazenda do pai assim que soube dos confrontos no dia 25 de junho na cidade de Cachoeira.
Com roupa masculina fornecida por um cunhado, apresentou-se ao batalhão Voluntários do Príncipe, mais conhecido como Batalhão dos Periquitos, pela cor verde da farda. Ela teria participado de vários confrontos diretos, tendo se destacado nas batalhas de Pirajá e em Itaparica, quando os portugueses tentavam romper o cerco a Salvador.
Na manhã do dia 2 de julho de 1823, quase dez meses depois do Grito do Ipiranga, os baianos finalmente puderam comemorar a independência. Ao contrário de todo o resto do país, a independência é comemorada na Bahia no dia 2 de julho, que marca a reconquista da capital - de longe, a mais animada festa cívica brasileira.
Tão logo entrou na cidade com as tropas, Maria Quitéria tornou-se o símbolo da resistência baiana e chegou a ir ao Rio de Janeiro para ser apresentada pessoalmente ao imperador, ocasião em que a inglesa Maria Graham a conheceu. Apesar da fama conquistada, Maria Quitéria levou uma vida pacata ao voltar à Bahia. Casou e teve filhos. Morreu aos 56 anos de idade, em 1853. Fonte: Aventuras na História.
No lugar das margens plácidas do Ipiranga, as batalhas na Bahia pela separação de Portugal foram travadas em águas mais profundas, no oceano Atlântico ou às margens do rio Paraguaçu, que apesar dos seus 600 quilômetros continua ofuscado pelo córrego em que dom Pedro parou para se aliviar antes de proclamar a independência. É que, à época, o gesto de dom Pedro pouco mudou a situação de várias províncias do país, que continuavam comandadas por Portugal.
A situação havia se agravado em dezembro de 1821, quando em um decreto das cortes, reproduzido no Correio Braziliense, Portugal nomeou 11 portugueses para governar as províncias brasileiras. "Uma nomeação de todos os Governadores das Armas ao mesmo tempo: nenhum brasileiro", advertiu o jornal, antevendo como a medida seria recebida.
Início da Guerra
Não deu outra. Quando os soldados baianos, enfim, souberam no dia 19 de fevereiro (as notícias chegavam à velocidade de vela) que seriam governados pelo general português Ignácio Luiz Madeira de Melo - e não mais pelo brasileiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães - se aquartelaram no Forte São Pedro dispostos a saírem de lá apenas quando a medida fosse revogada. Ignácio Madeira mandou bombardear o forte.
O resto da história é o início da Guerra da Independência da Bahia. Em meio ao conflito inicial, que se estendeu pelas ruas da cidade, estima-se que cerca de 240 pessoas morreram, levando os brasileiros a fugirem de Salvador para cidades próximas no Recôncavo Baiano. A primeira a aderir à causa foi Santo Amaro da Purificação. Mas foi na margem esquerda do rio Paraguaçu, na cidade de Cachoeira, onde ocorreram as primeiras batalhas contra os portugueses.
Quando a Câmara da cidade aderiu à causa de dom Pedro no dia 24 de junho, os portugueses usaram uma canhoneira contra os brasileiros que comemoravam em praça pública, matando na hora um soldado que tocava tambor. Enquanto a canhoneira disparava, portugueses entrincheirados atiravam contra os baianos, que revidaram com espingardas de caça e um velho canhão fora de uso.
Após três dias de confronto, os brasileiros conseguiram cercar a canhoneira com canoas e pequenos barcos, obrigando os portugueses a se render, sem comida e munição, no dia 28 de junho. Apesar de vitórias assim, as tropas baianas pareciam ter quase nenhuma chance, formadas por gente faminta, descalça e exposta a doenças.
Somente após a criação de um Conselho Superior para organizar a arrecadação e alistamento de voluntários - e o envio do Rio de Janeiro do general francês Pierre Labatut com reforços - a estratégia da guerra começou a ser definida: cercar as tropas portuguesas em Salvador, impedindo que recebessem provisões e reforços, mas evitar confrontos diretos.
Por duas vezes, os portugueses tentaram romper o cerco. A primeira, no dia 8 de novembro de 1822, resultou na maior batalha da independência, a de Pirajá, a cerca de 10 quilômetros do centro de Salvador.
"A batalha movimentou 4 mil homens, constituindo-se desde então na mais alta demonstração de resistência brasileira ao longo da cansativa e morosa campanha pela independência", conta o historiador baiano Luís Henrique Tavares em seu livro História da Bahia. A segunda tentativa portuguesa se deu com um ataque à ilha de Itaparica em 7 de janeiro de 1823, quando terminaram novamente derrotados após três dias de confrontos.
Aos portugueses, só restava o mar como acesso a provisões e reforços. Mas essa via logo iria ser fechada com a atuação do almirante Lord Cochrane. Cochrane não apenas comandou com sucesso o bloqueio naval na Bahia, como ordenou uma humilhante caça naval aos navios portugueses até as proximidades de Lisboa.
A heroína da independência
Quando a inglesa Maria Graham, mais conhecida pelos britânicos como Lady Callcott, autora de livros infantis, esteve no Brasil durante os anos da independência para ser preceptora de Maria da Glória, filha de dom Pedro, fez questão de conhecer a baiana Maria Quitéria de Jesus, voluntária das tropas brasileiras na Guerra da Independência. "Nada se observa de masculino nos seus modos, antes os possui gentis e amáveis", registrou a britânica em seu diário.
Ainda que não tenha perdido sua feminilidade, Maria Quitéria teve que se disfarçar de homem meses antes para poder lutar contra os portugueses nas batalhas travadas na Bahia, tal como na lenda da chinesa Mulan, que virou desenho animado da Disney. Nascida em 1798 nas proximidades de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, Maria Quitéria deixou a fazenda do pai assim que soube dos confrontos no dia 25 de junho na cidade de Cachoeira.
Com roupa masculina fornecida por um cunhado, apresentou-se ao batalhão Voluntários do Príncipe, mais conhecido como Batalhão dos Periquitos, pela cor verde da farda. Ela teria participado de vários confrontos diretos, tendo se destacado nas batalhas de Pirajá e em Itaparica, quando os portugueses tentavam romper o cerco a Salvador.
Na manhã do dia 2 de julho de 1823, quase dez meses depois do Grito do Ipiranga, os baianos finalmente puderam comemorar a independência. Ao contrário de todo o resto do país, a independência é comemorada na Bahia no dia 2 de julho, que marca a reconquista da capital - de longe, a mais animada festa cívica brasileira.
Tão logo entrou na cidade com as tropas, Maria Quitéria tornou-se o símbolo da resistência baiana e chegou a ir ao Rio de Janeiro para ser apresentada pessoalmente ao imperador, ocasião em que a inglesa Maria Graham a conheceu. Apesar da fama conquistada, Maria Quitéria levou uma vida pacata ao voltar à Bahia. Casou e teve filhos. Morreu aos 56 anos de idade, em 1853. Fonte: Aventuras na História.
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