terça-feira, 17 de março de 2020

Zeferina viveu na primeira metade do século XIX e ficou conhecida por ser uma liderança e guerreira do Quilombo do Urubu, na Bahia.

Por: Mariana Lima
Rainha, chefe, quilombola e guerreira. Foram esses os títulos que Zeferina, líder do Quilombo do Urubu, recebeu ao longo de sua vida.
De acordo com Maria Inês Côrtes, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Zeferina chegou ao Brasil na condição de escravizada, junto com a mãe, Amália, ainda na primeira metade no século XIX.
De origem angolense, Zeferina tornou-se uma liderança no Quilombo do Urubu – hoje correspondente à região do bairro Pirajá e do Parque São Bartolomeu, em Salvador, na Bahia.
Ela chegou ao quilombo fugindo dos abusos e da violência de seus senhores, e foi acolhida por outros quilombolas que já residiam na região.
Em 17 de dezembro de 1826, utilizando apenas arco e flecha, Zeferina liderou a população local em um levante contra o ataque de tropas policiais ao quilombo.
O fato ocorreu quando um grupo de escravizados fugidos do Urubu levava alimento para um outro quilombo, na periferia da cidade. Os policiais alegaram a suspeita de planejamento de uma revolução.
Assim, Zeferina liderou 50 homens e algumas mulheres – todos negros – contra mais de 200 homens com armas de fogo e cavalos, que, no final, conseguiram prender apenas um homem e uma mulher, a própria Zeferina, segundo a pesquisadora Silvia Maria Barbosa Silva.
É importante salientar que o Quilombo do Urubu tinha, ainda naquele período, uma forte ligação com o Candomblé, sendo a perseguição religiosa uma das possíveis razões para potencializar o ataque ao local.
A postura de liderança de Zeferina foi observada pelo comandante das tropas, responsável pela documentação sobre o levante. Durante a luta, Zeferina animava os guerreiros quilombolas, instruía-os para que não se dispersassem ou recuassem.
Ela foi a última a desistir, e ao final acabou sendo presa por vários soldados. O título de “rainha” lhe foi dado pelo presidente da província, a maior autoridade da época na Bahia, após a sua prisão.
Zeferina não retornou ao Quilombo do Urubu. As condições de sua morte nunca foram devidamente esclarecidas, e a localização de seus restos mortais não foi informada.
Para a pesquisadora e coordenadora-geral da Associação de Mulheres Negras – Quilombo Zeferina, Silvia Maria Barbosa Silva, a história desta quilombola é um achado.
“Zeferina é uma referência de resistência. Ela fez uma escolha por seu povo, lutou e deixou um legado a ser seguido”.
A Associação que Silvia coordena atua na mesma região em que outrora ficava o Quilombo do Urubu. Resgatar a figura de Zeferina foi uma maneira de empoderar a população local.
“Não trabalho com aquela figura do herói. A comunidade é o herói/heroína. Zeferina não atuou sozinha, toda a comunidade a seguiu na luta. A historiografia tem essa tendência para delimitar a história a um só indivíduo quando a luta sempre é coletiva”.
Revoltas, motins e rebeliões eram comuns naquele período, devido à ocupação portuguesa na Bahia, tanto que o levante do Urubu ocorreu dentro do contexto das revoltas baianas – de 1807 a 1835, segundo Silvia.
A resistência desta população possibilitou a preservação de suas tradições, crenças e cultura, permitindo que a história de Zeferina continuasse a ser transmitida através da oralidade.
Silvia é autora da dissertação de mestrado e do livro ‘O poder de Zeferina no Quilombo do Urubu: uma reconstrução histórica político-social’, e precisou recorrer à oralidade dos moradores da região para escrever.
“Cada pessoa contava um pedaço, então eu tinha que ir reunindo esses retalhos. Não foi possível explorar muito os registros oficiais, pois era uma época em que o negro não tinha nome nem sobrenome”.
Na produção de sua dissertação, Silvia optou por trabalhar com uma metodologia de reconstrução feminista.
“Meu objetivo era mostrar a luta das mulheres negras no quilombo. A historiografia ainda tem um olhar patriarcal. O negro nunca pode ser o protagonista, mas se tiver de ser, é melhor ser um homem. É isso que ainda se reproduz”, esclarece.
A oralidade conquista um legado
Apesar de não estar presente em muitos dos livros escolares brasileiros, Zeferina é conhecida no estado em que defendeu seu direito por uma existência livre.
Por sua bravura e resistência, é homenageada frequentemente na região, como ocorreu na comunidade outrora conhecida como Cidade de Plástico, onde viviam pessoas em barracos improvisados.
Devido a uma intervenção promovida pela prefeitura de Salvador, o local transformou-se no Conjunto Habitacional Guerreira Zeferina.
Como forma de divulgação da ação, a prefeitura produziu um minidocumentário em que conta a história de Zeferina de forma intercalada com a de cinco mulheres que viviam na Cidade de Plástico, em situação de vulnerabilidade, e que hoje residem no Conjunto.

Referências:

BARBOSA, Silvia Maria Silva. O poder de Zeferina no Quilombo do Urubu: uma reconstrução histórica político-social. Novas Edições Acadêmicas. 2015.
_______________________. O poder de Zeferina no Quilombo do Urubu. X Simpósio Baiano de Pesquisadoras de “Gênero, Idades e Gerações. Bahia. 2003.
SANTANA, Telma Maria Gualberto de. A necessidade de recriar a luz do espetáculo: “Zeferina, rainha do urubu”, visando através desta delimitar uma nova ocupação espacial. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Bahia. Salvador; 2012.

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