domingo, 15 de março de 2020

As primeiras greves e a luta por melhores condições de trabalho.

O Rio de Janeiro registrou as primeiras manifestações do movimento operário brasileiro. De fins do século XIX até os anos 1920, a capital republicana liderou o processo de industrialização, sendo posteriormente superada por São Paulo. A existência de trabalhadores em numerosas fábricas de tecidos, calçados, chapéus, cerâmicas e vidros, aliada ao próspero artesanato autônomo, como o de alfaiates e sapateiros, e a milhares de pequenos funcionários públicos abriu caminho, no meio urbano carioca, para a aceitação das novas ideias políticas. O Centro do Partido Operário, criado para disputar a eleição para a Constituinte de 1891, foi exemplo desta mudança. A plataforma por ele defendida, através do jornal Echo Popular, apresentava um conjunto de reivindicações modestas, havendo até condenação às greves. Além de aumentos salariais, defendiam-se
direitos que hoje consideramos básicos – embora só tenham sido alcançados à custa de muita luta e perseguições –, tais como: proibição do trabalho infantil, jornada de trabalho de oito horas, direito a um dia de descanso semanal, aposentadoria para os idosos e inválidos, e também a criação de tribunais para arbitrar conflitos entre patrões e empregados.
Apesar de defender causas de grande aceitação popular, o Centro do Partido Operário não sobreviveu muitos anos. Em 1893, por ter aderido à Revolta da Armada, a agremiação política foi extinta. No entanto, as bandeiras levantadas pelo movimento tiveram continuação; exemplos disto são o Partido Democrata Socialista, criado na capital paulista em 1896, e o Partido Operário Socialista, organizado em 1898 na cidade portuária de Santos. Os sindicatos foram outra criação da época. No Rio de Janeiro e em São Paulo, as ligas operárias começaram a se formar nos anos 1870-80, mas só se tornaram numerosas após o
advento da República. Aos poucos, acompanhando a industrialização, esse tipo de instituição espalhou-se por outras regiões brasileiras. A arma de luta sindical tinha um nome: grève; palavra escrita em francês até mesmo em jornais populares, sugerindo tratar-se de uma experiência social nova no Brasil, o que, de fato, era.
Antes da década de 1890, a não ser em casos isolados de gráficos e cocheiros, não tinham sido registrados movimentos grevistas importantes no Brasil. Durante os primeiros anos republicanos, o quadro tornou-se bem diferente: na capital federal ocorreram, entre 1891 e 1894, 17 paralisações em defesa de aumento salarial ou pela jornada de oito horas, e no estado de São
Paulo, 24 movimentos similares sucederam-se até 1900. Apesar de combativos, os sindicatos surgidos nesse período não conquistaram melhorias substantivas para a classe trabalhadora. Talvez por isso, no início do século XX, outra tendência política, bem mais radical, ganhou terreno no movimento operário. Tratava-se dos anarquistas. Assim, paralelamente aos grupos moderados, que continuaram a formar partidos, aliás de curta duração e sem expressão eleitoral – como o Partido Operário Brasileiro, de 1906, ou o Partido Operário Socialista, fundado três anos mais tarde –, havia agora aqueles que defendiam uma reorganização completa da sociedade, ou melhor, defendiam a revolução.
Ao contrário dos socialistas, os anarquistas não se organizavam em partidos, recusando-se a participar em parlamentos ou a aceitar cargos públicos. A teoria política que os orientava preconizava que o Estado, independentemente da classe social que estivesse no poder, era uma instituição repressiva, daí a defesa intransigente de sua substituição por associações espontâneas, tais como federações de comunas ou cooperativas de trabalhadores. As ligas operárias, obviamente, eram a
forma de organização que mais se aproximava desse modelo de sociedade do futuro. Talvez por esse motivo, a época de difusão das ideias anarquistas coincida com a de expansão do movimento sindical brasileiro. Entre 1900 e 1914, por exemplo, o número de sindicatos na capital paulista aumentou de 7 para 41, e a média anual de greves semultiplicou por três.
No Rio de Janeiro, os anarquistas também dão sinal de força. Em 1906, organizam um congresso e, no ano seguinte, criam a
Federação Operária, congregando vários sindicatos, e levando o mérito de manterem os jornais operários de mais longa duração – como A Terra Livre – e, em 1918, de liderarem na capital republicana uma insurreição da qual participaram trabalhadores e militares. No entanto, após esse período de expansão, o movimento anarquista entra em declínio. A primeira razão, foram os estragos causados pela repressão, e a suspeita não é infundada. Paralelamente às correntes pacifistas, havia, entre os anarquistas, os defensores da ação direta, em outras palavras, do emprego da violência contra as classes dominantes,
como ficou registrado, no início do século XX, em panfletos anexados aos processos contra militantes cariocas, nos quais consta a defesa do assassinato sistemático de burgueses através do envenenamento do leite com biclorato de mercúrio. Tratava-se de uma situação aterradora, embora também seja curioso observar, por meio desse exemplo, a existência de um darwinismo social de origem popular, não voltado para a eliminação “das raças inferiores”, mas sim para a extinção das “classes parasitárias”, identificadas às elites. Embora minoritários entre os anarquistas, os partidários da ação direta deram margem para a organização de um eficiente sistema repressivo.
Até 1920, os resultados das lutas sindicais brasileiras foram diminutos. Os ganhos salariais alcançados não acompanharam o
aumento de preço dos alimentos e do aluguel de casas. A incipiente legislação trabalhista da época restringia-se, por sua vez, a indenizações por acidentes e à restrição ao trabalho feminino ou infantil; leis tímidas e alvos de reformas retrógradas, como o decreto estadual paulista de 1911, que proibiu o trabalho de menores de 10 anos em fábricas e oficinas, abreviando em dois anos o limite determinado na legislação de 1894. Outras leis não saíram do papel, como aquela aprovada em 1917 que definia a jornada de trabalho infantil, limitando-a a cinco horas e estabelecendo a exigência de certificado médico e de atestado de
frequência escolar na admissão dos pequenos operários.
A exploração desenfreada de homens, mulheres e crianças que, por vezes, tinham de suportar jornadas de trabalho superiores a doze horas, multiplicava os casos de rebeldia individual e, principalmente, de comportamentos autodestrutivos entre os operários. Em São Paulo, durante as duas primeiras décadas republicanas, as prisões por desordens aumentaram em 40%, enquanto as por embriaguez cresceram quase 400%. Paralelamente a isso, a exclusão dos egressos do cativeiro no mercado de trabalho livre acentuava a prática de furtos. Em cidades como a Campinas do início do século XX, negros e pardos
representavam apenas 20% da população total, mas respondiam por cerca de metade da população carcerária. Os dados cariocas mostram, por sua vez, que imigrantes europeus nem sempre desfrutaram de melhores condições. Em 1903, cerca de uma centena de portugueses residentes na capital federal foram expulsos do Brasil sob a acusação de vadiagem e roubo. Entre 1915-18, esse segmento respondeu por 32% dos processos criminais, apesar de constituir apenas 15% da população
masculina adulta do Rio de Janeiro.

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