Em 1804, após mais de uma
década de luta intensa durante a Revolução Haitiana, o país aboliu a
escravidão e deixou de ser uma colônia da França
Texto / Nataly Simões | Edição / Pedro Borges
Há 216 anos, em 1º de janeiro de 1804, o Haiti conquistava sua
independência, fruto da luta intensa de africanos que nunca aceitaram a
condição de escravizados imposta pelos colonizadores franceses e que
culminou na Revolução Haitiana, a maior revolta bem-sucedida de
escravizados em nações coloniais.
A colonização do país, na época chamado de Ilha de São Domingos, em
1492, começou com um massacre que resultou na extinção das comunidades
originárias e impulsionou o tráfico atlântico de escravos do continente
africano. Estes povos da África foram submetidos a um cenário de extrema
violência. Semelhante aos negros escravizados no Brasil, eles
resistiram e formaram comunidades conhecidas como Maroons - termo
equivalente aos Quilombos.
Em 14 de agosto de 1791, o combatente Vicent Ogé convocou uma revolta
em uma cerimônia religiosa. O levante ficou conhecido como o estopim de
uma revolta contra os franceses. Em poucos dias, mais de 100 mil
escravos aderiram à revolta e tomaram a Província do Norte.
Com a captura e morte de Ogé, Toussaint Louverture assumiu a
liderança na luta dos africanos pela liberdade. Os haitianos derrotaram
os donos de escravos, mais de 60 mil soldados enviados pela Inglaterra
e, também, 43 mil soldados do exército de Napoleão Bonaparte, tido na
época como “o invencível”.
Em 1803, Louverture foi preso e assassinado pelos franceses e seu
guerrilheiro Jean Jacques Dessalines assumiu a liderança da revolução e
conduziu o país à independência no 1º de janeiro do ano seguinte. O país
declarou oficialmente o fim da escravidão e passou a se chamar Haiti,
em homenagem aos povos originários exterminados pelos europeus.
As haitianas da revolução
Apesar de a revolução do Haiti ter sido composta por homens e
mulheres, a história “apagou” a participação feminina, que exerceu um
papel fundamental na luta em conjunto com figuras como Louverture e
Dessalines.
É o caso de Suzanne Sanité Bélair, que participou ativamente na luta
contra a escravidão. Suzanne serviu ao exército de Louverture como
sargento e em razão de suas habilidades de persuasão se tornou uma
tenente à frente da maioria das batalhas em sua cidade natal L’artbonite
e responsável pela revolta de quase toda a população escravizada contra
seus proprietários. Ganhou ainda mais destaque ao participar do
confronto com o exército de Napoleão.
Descrita como “Tigreza da Revolução”, ela foi capturada pelos
franceses em outubro de 1802 e condenada à morte por decapitação. Mesmo
diante da morte, manteve sua bravura e em seu último ato gritou
“Liberdade. Não para a escravidão!”.
Outra figura feminina de importância na revolta dos haitianos, entre
várias, é Marie Claire Heureuse Felicité Bonheur. Ela atuou como
enfermeira e liderou uma procissão de mulheres e crianças com comida,
roupas e medicamentos para atender cidades situadas pelo exército
haitiano. Marie Claire também trabalhou no campo da educação, onde
aconselhou e ensinou o povo africano e da diáspora a ler e escrever. De
1804 a 1806, foi a imperatriz do Haiti ao lado do marido Dessalines.
Crise até os dias atuais
Com a sua independência, o Haiti possuía um grande potencial de
desenvolvimento, mas foi submetido a sanções bancárias por parte da
França. O país europeu exigiu uma série de reparações que se reverteram
em grandes dívidas condicionadas ao reconhecimento da independência do
Haiti. Essa condição destruiu a economia e a infraestrutura local e fez
com que o país seja até hoje o mais pobre da América Latina.
Desde julho de 2018, o país haitiano enfrenta um estado de
insurgência popular com picos de mobilização massiva e períodos de
estagnação. Uma das razões que levou cerca de 1 milhão e meio de pessoas
às ruas foi a tentativa do governo de aumentar o preço dos combustíveis
em 51%, com impacto no preço do transporte público, da alimentação e do
custo de vida em geral.
Outra crise vivenciada pelo país é a política, marcada por escândalos
de corrupção como o desvio de pelo menos 2 bilhões de dólares dos
acordos de cooperação energética da Petrocaribe por parte de diversos
integrantes da classe política, entre eles, o presidente Jovenel Moïse e
o Partido Haitiano Tèt Kale.
Mais recentemente, em setembro de 2019, o país saiu da Petrocaribe
devido ao bloqueio dos Estados Unidos sob a Venezuela. O bloqueio impede
a chegada de navios cargueiros de petróleo à costa haitiana. Neste ano,
o Haiti também retirou seu reconhecimento ao governo de Nicolás Maduro,
apoiou o movimento contra a Revolução Bolivariana e se alinhou a
geopolítica de guerra dos EUA, firmando uma posição inédita em sua
história.
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