A morte e os
mortos estavam por trás das guerras que os diversos grupos realizavam
entre si e uns com os outros, na medida em que, mais do que conquistar
territórios, riquezas ou povos, elas objetivavam principalmente vingar
os antepassados mortos pelos inimigos. A vingança consistia, assim, no
elemento fundamental destas sociedades e tanto os mortos pretéritos como
os que ainda estariam por vir representavam o elo entre passado,
presente e futuro. O ritual antropofágico constituía-se em cerimônia
essencial, motivadora e ponto culminante das expedições guerreiras,
sendo através dele que se vingavam os antepassados mortos e buscava-se
fortalecer os membros do grupo que comia o inimigo. A religião
tupi-guarani girava em torno da crença em outra vida, na qual a morte, a
dor e a miséria encontravam-se banidas: a terra sem mal. Uma terra
partilhada pelos deuses e pelos antepassados, onde residiria a
felicidade e cujo ingresso se daria através da morte. Mas o acesso a
este “lugar” não era livre, visto depender do desempenho tido em vida.
Aos guerreiros que tivessem aprisionado e matado muitos inimigos ou às
mulheres que se dedicassem ao preparo da carne dos prisioneiros que
seriam mortos e à sua ingestão, era permitido o ingresso naquele “além”
desejado, passando a conviver com os antepassados e os deuses. Aos
considerados covardes e aos que nunca mataram nenhum inimigo, o destino
era a mortalidade da alma, o apodrecimento do corpo, a necrofagia por um
espírito maligno. Acreditava-se que, caso não encontrassem alimentos
sobre a sepultura, estes espíritos devorariam o defunto e atormentariam
sua “alma”. Tanto que, para aplacar a sua presença nas proximidades das
aldeias, mantinha-se um fogo aceso, oferendas eram feitas e objetos
especialmente confeccionados eram mantidos na entrada das aldeias, a
exemplo dos maracás – que, para os tupinambás, eram um receptáculo dos
espíritos dos antepassados, através dos quais estes últimos enviavam
mensagens aos vivos, tornando-se objetos cultuados, enquanto
materialização do espírito dos ancestrais.
Para saber Mais: KOK, Glória. Os vivos e os mortos na América portuguesa: da antropofagia à água do batismo. Campinas: Ed. da Unicamp, 2001.
Imagem: Antropofagia no Brasil em 1557, segundo a descrição de Hans Staden.
Para saber Mais: KOK, Glória. Os vivos e os mortos na América portuguesa: da antropofagia à água do batismo. Campinas: Ed. da Unicamp, 2001.
Imagem: Antropofagia no Brasil em 1557, segundo a descrição de Hans Staden.
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