Em 1986, o Terreiro Casa Branca ou Ilê Axé Iyá Nassô Oká foi o
primeiro terreiro de culto afro-brasileiro reconhecido como patrimônio
nacional. Localizado na Avenida Vasco da Gama, 463, no bairro do Engenho
Velho, Salvador, Bahia, o terreiro ocupa uma área de aproximadamente
6.800 m2, onde há edificações, árvores e objetos sagrados.
Segundo tradição oral e documentação existentes, o templo
afro-brasileiro mais antigo de Salvador — e talvez o mais antigo do País
em funcionamento — tem sua fundação na década de 1830. (SERRA, 2008, p.
1). De acordo com Serra (2008, p. 3) “as raízes místicas do Terreiro da
Casa Branca do Engenho Velho o ligam de maneira muito especial com as
antigas cidades africanas (iorubanas) de Oió e de Ketu”. O nome — Ilê
Axé Iyá Nassô Oká — faz referência à sua fundadora, conhecida como Iyá
Nassô, alcunha que, na verdade, não é um nome próprio, mas um importante
título de sacerdotisa do Império Africano de Óio. Além de Iyá Nassô,
diz a tradição que mais duas sacerdotisas colaboraram na fundação do
templo, Iyá Adetá e Iyá Acalá, além do sacerdote Bamboxé Obitikô, todos
vindos da cidade de Ketu. Já o nome Casa Branca deriva da construção
principal do terreiro que é uma casa desta cor.
Considerado
matriz de culto, uma vez que possivelmente muitos terreiros no país são
seus descendentes, ou seja, tiveram seus fundadores iniciados lá — entre
eles os terreiros do Gantois e do Axé Opô Afonjá —, o Ilê Axé Iyá Nassô
Oká foi chamado pelo poeta Francisco Alvim de “a mãe de todas as
casas”. (SERRA, 2008, p. 6)
Auto identificado como candomblé de
nação Ketu, em alusão ao lugar de origem dos principais fundadores, o
grupo de culto do Ilê Axé (que significa templo em Iorubá) também se
identifica como nagô, termo utilizado para denominar grupos de origem
Iorubá e seus descendentes.
De acordo com a comunidade religiosa,
o terreiro instalou-se primeiramente na Barroquinha, no Centro
Histórico de Salvador, tendo posteriormente mudado para onde hoje se
encontra, no bairro do Engenho Velho. Tal mudança, ocorrida também com
diversos outros terreiros, inclusive em outros estados, possivelmente
relaciona-se com o período de expansão da cidade, fazendo com que os
terreiros migrem para zonas periféricas.
Na entrada do Terreiro
Casa Branca está a Praça de Oxum, onde localiza-se o monumento Barco de
Oxum. Numa encosta está o prédio principal, dividido em
salão de
festas públicas, a clausura, a cozinha sagrada e alguns dos principais
sacrários, além de celas residenciais, uma sala-refeitório onde são
comungadas as oferendas alimentares, nas grandes festas públicas, um
vestuário onde os iniciados em transe se paramentam e outros anexos.
Este edifício é geralmente designado como barracão e compreende tanto
dependências dedicadas a usos prático-domésticos como a usos religiosos.
Além dos sacrários e nichos incluídos no interior do barracão, há
outros que constituem pequenos prédios independentes, chamados (também)
de ilê orixá. (SERRA, 2008, p. 10).
Há ainda, no terreno do
terreiro, casas onde moram alguns integrantes da comunidade, além de
árvores e arbustos considerados sagrados. Toda a área do terreiro é
considerada um templo, pois é carregada de significado simbólico para
seus membros.
O papel feminino é bastante forte no Terreiro Casa
Branca, uma vez que apenas mulheres podem encarnar orixás. A Ialorixá
(sacerdotisa principal) é a chefe de casa, com cargo vitalício. Após a
morte de uma Ialorixá, a Casa, que passa um período de luto, fica sob o
comando da segunda na hierarquia. Para a escolha da nova Ialorixá faz-se
um rito chamado de jogo de Ifá ou jogo de búzios. De acordo com Serra
(2008, p. 5), a ordem de sucessão das Ialorixás do Terreiro Casa Branca é
a seguinte:
•Iyá Nassô;
•Iyá Marcelina da Silva ou Obá Tossi;
•Iyá Maria Júlia Figueiredo ou Omoniquê;
•Iyá Ursulina Maria de Figueiredo, conhecida como Tia Sussu;
•Iyá Maximiana Maria da Conceição ou Oin Funquê, conhecida como Tia Massi;
•Iyá Maria Deolinda Gomes dos Santos ou Okê;
•Iyá Marieta Vitória Cardoso ou Oxum Niquê;
•Altamira Cecília dos Santos ou Oxum Tominwá.
O autor diz que, além do importante papel desempenhado na esfera
religiosa, as sacerdotisas destacavam-se “na vida civil da população
baiana negro-mestiça: damas muito empreendedoras, com presença dominante
no comércio de rua e com significativa influência no seu meio, onde
exerciam forte liderança.” (SERRA, 2008, p. 7).
O Terreiro da
Casa Branca tem filhos de diversas cores e origens, destacando-se no
cenário local e nacional. Goza de bom prestígio e mantém boas relações
com os seguidores de outras crenças. Referência no que diz respeito aos
estudos sobre candomblé, foi sujeito/objeto de várias pesquisas, entre
elas as realizadas por Edison Carneiro, Nina Rodrigues, Pierre Verger e
Roger Bastide.
Apesar de sua importância, no início da década de
1980, seu funcionamento foi ameaçado devido à especulação imobiliária. O
terreno onde está localizado foi posto à venda pelo seu proprietário, o
que poderia resultar na expulsão dos moradores e no fim dos cultos.
Iniciou-se, então, uma mobilização para sua preservação, que contou com o
apoio de grupos afros, personalidades (entre eles, Jorge Amado, Carybé,
Dorival Caymmi, Mãe Menininha do Gantois), políticos, instituições
(como a Associação Brasileira de Antropologia e a Universidade Federal
da Bahia) e da população em geral.
O resultado do movimento veio
em 1982 com o tombamento do terreiro pela Prefeitura Municipal de
Salvador, tornando-o área de preservação simples. Entretanto, tal medida
não era suficiente para garantir sua permanência. Assim, seu
representante solicitou o tombamento em nível federal, pedido acatado em
1984, mas apenas efetivado em 1986, após a desapropriação do terreno
pela Prefeitura (1985) e sua doação à Associação São Jorge do Engenho
Velho, representante civil do Terreiro Casa Branca. Ainda em 1985, o
terreiro foi incluído na categoria de área de proteção rigorosa do
município.
O reconhecimento de sua relevância para a história e a
cultura do País foi uma alternativa para sua continuidade, visto que,
conforme defendeu Peter Fry (IPHAN, 1982, p. 117),
o valor de um
terreiro de candomblé reside fundamentalmente na sua tradição oral, ou,
se quiser, no seu axé, seu segredo, que passa de geração a geração
através de ritos de iniciação. O local onde o candomblé é praticado, as
suas edificações, sua vegetação e seus objetos rituais representam a
materialidade desta tradição.
Assim, o tombamento garantiu a
posse do Terreiro à comunidade de culto e possibilitou a realização de
ações de preservação e de benfeitorias no espaço e nas edificações, com
cujos custos o egbé (comunidade de culto) não teria como arcar. Um posto
de gasolina localizado na área do terreiro foi desapropriado pelo
Governo do Estado, de modo a devolver uma parcela perdida do território à
comunidade do terreiro. O barracão sofreu reparos pelo Iphan. As
encostas foram contidas e a escadaria pavimentada pelo Instituto do
Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC/Bahia). A Prefeitura de Salvador
realizou obras de drenagem de águas pluviais e de infraestrutura.
Para Serra (2012, p. 53), por ser o primeiro monumento afro-brasileiro a
ter reconhecimento enquanto patrimônio do Brasil, “o tombamento da Casa
Branca foi uma vitória contra o preconceito, o elitismo, o racismo, o
etnocentrismo. Fez reconhecer a importância das criações culturais
afro-brasileiras”.
Recife, 20 de abril de 2014.
FONTES CONSULTADAS:
IPHAN. Processo de Tombamento n. 1.067–T-82 “Terreiro da Casa Branca”. Salvador, 1982. v. I.
SERRA, Ordep. Ilê axé Iyá Nassô Oká/Terreiro da Casa Branca do Engenho
Velho - Laudo Antropológico de autoria do professor doutor Ordep José
Trindade Serra da Universidade Federal da Bahia. 2008. Disponível em:
<http://ordepserra.files.wordpress.com/…/laudo-casa-branca.p…. Acesso em: 10 mar. 2014.
______. O tombamento do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho Ilê
Axé Iyá Nassô Oká. In: IPHAN. Políticas de Acautelamento do IPHAN para
Templos de Culto Afro-Brasileiros. Salvador, 2012. p. 37-53.
COMO CITAR ESTE TEXTO:
Fonte: MORIM, Júlia. Terreiro Casa Branca/Ilê Axé Iyá Nassô Oká.
Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em:
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/> . Acesso em: dia mês ano. Ex: 6 ago. 2009.
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