Esperança Garcia, infelizmente, é um nome pouco conhecido no Brasil.
Mas sua história fez diferença. Esperança entrou para a história como a
primeira mulher a escrever uma petição no Piauí. Esperança escreveu na
condição de escrava para o governador do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho
de Castro, denunciando os maus-tratos que sofria.
Esperança nasceu em uma fazenda de propriedade dos jesuítas, onde
hoje fica o município de Nazaré do Piauí. E pelos jesuítas foi
alfabetizada, em uma época em que era proibida a leitura para escravo e
quem fosse flagrado ensinando escravo a ler era preso e/ou processado.
Quando os jesuítas foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal,
Esperança foi levada como escrava para a fazenda do capitão Antônio
Vieira de Couto.
Na nova moradia, ela era constantemente espancada e humilhada
juntamente com seu filho. Castigos severos eram impostos aos dois sem
motivo. Cansada das surras, no dia 6 de setembro de 1770, Esperança escreveu uma carta
denunciando os maus-tratos físicos de que ela e um de seus filhos eram
vítimas, por parte do feitor da Fazenda Algodões. Um tipo de texto que,
no dicionário da advocacia, poderia ser sinônimo de petição.
Quando Esperança escreveu a carta, tinha apenas 19 anos. Aos 16 anos,
parira o primeiro filho. Na carta, além de relatar os abusos sofridos,
Esperança pede para voltar para a fazenda de origem e ter o direito de
batizar a filha.
Depois de 247 anos, Esperança recebeu
do Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PI) o título
simbólico de primeira mulher advogada do Piauí, a pedido da Comissão da
Verdade da Escravidão Negra da OAB-PI. Sua carta foi considerada a
primeira petição escrita por uma mulher no Piauí. Abaixo a carta de
Esperança:
“Eu sou uma escrava de V.S.a administração de Capitão Antonio
Vieira de Couto, casada. Desde que o Capitão lá foi administrar, que me
tirou da Fazenda dos Algodões, aonde vivia com meu marido, para ser
cozinheira de sua casa, onde nela passo tão mal. A primeira é que há
grandes trovoadas de pancadas em um filho nem, sendo uma criança que lhe
fez extrair sangue pela boca; em mim não poço explicar que sou um
colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo, peada, por
misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas
parceiras por confessar a três anos. E uma criança minha e duas mais por
batizar. Pelo que peço a V.S. pelo amor de Deus e do seu valimento,
ponha aos olhos em mim, ordenando ao Procurador que mande para a fazenda
aonde ele me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha.
De V.Sa. sua escrava, Esperança Garcia”
Com a falta de resposta do governador, Esperança Garcia fugiu da
fazenda e oito anos depois seu nome foi mencionado em uma relação de
trabalhadores de Algodões. Entre os escravizados foi mencionado um casal
Ignácio e Esperança. Ele, um negro de Angola, de 57 anos; ela, crioula,
com 27 anos. Esperança nunca se separou dos filhos. Na relação,
aparecem também sete crianças.
Dica de leitura:
Livro ‘Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis‘, de Jarid Arraes. Editora Pólen.
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