A LAPA - Boemia a cada esquina. Reduto de jornalistas, músicos,
malandros e prostitutas. Na Montmartre carioca até Carmen Miranda é
“safa”.
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APP: ANTES DE PEREIRA PASSOS - Antes do
bota-abaixo, iniciado em 1902, a Lapa ainda era um bairro habitado por
famílias abastadas. Sua formação se iniciou com a construção de casarões
a partir da chegada da Corte portuguesa ao Rio. E bem antes disso, a
Lapa era apenas uma imensidão de terras, um lugar inóspito, com
pouquíssimas edificações, cortado pela estrada do Mata-Cavalo (atual rua
Riachuelo).
DPP: DEPOIS DE PEREIRA PASSOS - Com a destruição dos
cortiços, do morro do Castelo e de inúmeras construções nas redondezas
do Centro, a Lapa se transformou em um bairro de pessoas em
situação-limite, muita prostituição e algumas casas superlotadas – ao
lado de antigos moradores. Em paralelo, uma boa parte do contingente de
pessoas abastadas migrava para a Zona Sul. Foi nessa época que
proliferaram os rendez-vous, as casas de jogo, as tabernas e os cabarés.
Enfim, solo perfeito para florescer a história da boemia. Um universo
cuja essência era de decadência, vício, luxúria e malandragem.
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A PORTUGUESA CARMEN NUNCA ABRIU UM LIVRO NA VIDA, MAS…
Apesar desse lado noturno da Lapa, durante o dia a vida era normal.
Pensões, barbearias, farmácias e até escolas. Inclusive era numa delas
que Carmen Miranda estudava. Vale aqui uma paradinha para a história da
Pequena Notável. Nascida em Portugal, filha de um barbeiro boêmio, foi
educada nesse fervilhante caldeirão chamado Lapa, e não é exagero dizer
que Maria do Carmo Miranda da Cunha se transformou em furacão graças às
suas raízes lapianas. Quem afirma isso é Ruy Castro, em Carmen: uma
biografia . Ele conta ainda que Carmen jamais abriu um livro na vida.
Tudo que aprendeu foi na melhor das universidades: a rua. Desde a
adolescência, suas gírias eram as aprendidas na Lapa.
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Pequeno dicionário delicioso de gírias lapianas de Carmen
- Uma coisa boa e diferente era “de matar”; um sucesso era “um chuá”;
dinheiro era “arame”; fugir ou desaparecer era “azular”; flertar ou
exibir-se era “fazer farol”. Além de muitos palavrões, que Carmen desde
muito cedo incorporou ao seu dia a dia. A Lapa dos anos 1920 era um
verdadeiro Montmartre carioca. Reduto de jornalistas, artistas, músicos e
pintores. E foi nesse ambiente, que misturava Villa-Lobos e Di
Cavalcanti com malandros e lendários cafetões como Camisa Preta e
Mete-Braço, que Carmen aprendeu a ser “safa”. Esse riquíssimo universo
certamente influenciou a construção da sua estética, tão peculiar e
criativa. Onde tudo-junto-e-misturado se transformava em um visual
fascinante. Uma mulher-farol, que iluminava à distância!
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PARAÍSO DE MALANDROS E CAFETÕES
No reino da malandragem e dos cafetões, era comum o uso de navalha no
bolso de trás. Foi nessa época que surgiu a brincadeira “Tem pente aí?”.
Naquele território, quando as tribos se encontravam, era comum passar a
mão na bunda do amigo. Não de viadagem, mas uma busca sutil para checar
se o outro escondia alguma navalha no bolso. Rapidamente, virou uma
febre nas ruas. O pente se abria em formato de navalha, em homenagem ao
hábito das armas escondidas. (Dando o merecido crédito, essa história é
de um jornalista chamado José Milbs, que contribui com a memória carioca
através de suas recordações pessoais do Rio antigo no jornal que edita
na web, O Rebate.)
E, para fechar com chave de ouro, um trecho da
música “História da Lapa”, composta por Wilson Batista e Jorge de
Castro e cantada por Nelson Gonçalves, que era assíduo frequentador do
bairro onde os nobres eram as putas, malandros e cafetões (e dizem até
que ele tinha a maior moral em cima do mulherio):
Lapa dos capoeiras
Miguelzinho, Camisa Preta
Meia-Noite e Edgar
Lapa, minha Lapa Boêmia
A lua só vai pra casa
Depois do sol raiar.
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FONTE: "Carmen, uma biografia" - por Ruy Castro.
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