quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

“Borboletas Azuis”: movimento messiânico em Campina Grande/PB

Pouco lembrados no Brasil, os “Borboletas Azuis”, diferente dos célebres casos de Canudos e Contestado, constituíram um movimento messiânico-milenarista tipicamente urbano. Criado por Roldão Mangueira de Figueiredo, líder e guia espiritual, o movimento se organizou a partir do centro espírita Casa de Caridade Jesus no Horto, fundado no ano de 1961, e deixou sua marca na Paraíba.
Roldão Mangueira era um próspero comerciante de algodão que atuava em Campina Grande até que um incêndio atingiu os seus armazéns. De acordo com relatos orais, ele, desolado, cogitou se suicidar, mas mudou de ideia quando teve uma visão do padre Cícero. O padre teria ordenado que ele construísse um centro religioso e se dedicasse à caridade junto aos mais humildes.
Roldão Mangueira, líder do movimento conhecido como “Borboletas Azuis”
A partir de então, Roldão Mangueira seguiu os desígnios do padre Cícero, prestando auxílio aos necessitados e realizando sessões espíritas denominadas “Mesa Branca”, nas quais curas e milagres ocorriam. Misturando elementos do catolicismo tradicional e do espiritismo, o movimento apresentou-se como uma alternativa para as mazelas do dia a dia. Com a fama de milagreiro, Roldão atraiu inúmeros fiéis que passaram a frequentar o centro, localizado no bairro dos Quarenta. Em pouco tempo, centenas de pessoas tornaram-se adeptas do movimento, até mesmo de outras regiões.
Os “Borboletas Azuis”, como eram chamados pela população de Campina Grande e pela mídia, acreditavam na chegada de um reino de paz, alicerçado na humildade e na harmonia. Antes, porém, previam que um dilúvio ocorreria e renovaria o mundo, dando início a um novo tempo. Havia, inclusive, uma data específica para acontecer: 13 de maio de 1980. Os fiéis, identificados pela veste branca e azul, submetiam-se a um rígido código de conduta: proibidos de praticar atos mundanos, andavam sempre com os pés descalços. O princípio da humildade fez ainda com que vários adeptos vendessem seus bens em prol da caridade pregada.
Procissão
A recepção do movimento por parte da população de Campina Grande foi, em geral, negativa. Embora existissem aqueles que demonstravam temor diante das profecias de Roldão, muitos hostilizavam os “Borboletas Azuis” quando estes realizavam peregrinações pelas ruas, as vezes até fisicamente. A mídia, por sua vez, tratava o caso com certo sensacionalismo, em nada contribuindo paras as motivações dos fiéis. Havia, inclusive, o medo de que o movimento terminasse em uma tragédia semelhante ao suicídio coletivo provocado pelo pastor norte-americano Jim Jones, em 18 de novembro de 1979.
Na data anunciada, porém, não houve suicídio coletivo. Nem mesmo dilúvio. O dia 13 de maio de 1980 foi de sol, contrariando a expectativa dos “Borboletas Azuis”. Mas a profecia não cumprida teve grande impacto sobre os fiéis: vários deles, descrentes, deixaram de frequentar o centro religioso e voltaram à vida que tinham antes. Foi o ponto de virada do movimento.
Após a previsão malfadada, Roldão Mangueira não viveu por muito mais tempo. Em meio a um jejum forçado realizado como forma de penitência, o líder dos “Borboletas Azuis” morreu, apenas um mês depois do fim do mundo que não aconteceu. Um duro golpe para o movimento, que perdeu a maior parte dos fiéis, mas sobreviveu. o novo líder, Antônio de França, manteve os mesmos princípios de Roldão, mas isso não foi o suficiente para superar a decadência. Passados quinze anos daquele fatídico 13 de maio, a Folha de São Paulo noticiava que o centro ainda funcionava e contava somente com 11 adeptos. Frente ao avanço das igrejas neopentecostais nos anos 1990, foi uma questão de tempo para que as borboletas dessem o último vôo. Sem o alcance de outrora, a casa, que ainda existe até hoje, não atrai adeptos como antes.
O movimento iniciado por Roldão Mangueira se insere indubitavelmente no conjunto de movimentos messiânicos que agitaram o Brasil no século XX. Fruto de uma religiosidade popular embebida de misticismo e que combinava elementos de diferentes religiões, os “Borboletas Azuis” se valeram da fé para dar sentido ao mundo. Um mundo, a exemplo de qualquer núcleo urbano brasileiro, marcado pela pobreza, por dificuldades cotidianas e necessidades que inspiram tantos a almejarem um novo começo.
Luís Rafael Araújo Corrêa é professor do Colégio Pedro II e Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de artigos e livros sobre História, como a obra Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição.

Referências

ARAÚJO, Lidiane Cordeiro Rafael de; SILVA, Magnólia Gibson Cabral da. “Borboletas Azuis” de Campina Grande: crenças e lutas de um movimento milenarista. In: Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 14, p. 46–61, jun. 2009.
FERREIRA, F. S. O sagrado feminino e o papel da mulher no movimento religiosos “Borboletas azuis” de Campina Grande — PB (1970–2016). Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História), Campina Grande: Universidade Estadual da Paraíba, 2016.
NEGRÃO, L. N.; CONSORTE, J. G. Os “Borboletas Azuis” de Campina Grande: um movimento messiânico malogrado. In: NEGRÃO, L. N.; CONSORTE, J. G. (Org.) O messianismo no Brasil contemporâneo. São Paulo: FFLCH-USP/CER, 1984. p. 303–428.

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