Pouco
lembrados no Brasil, os “Borboletas Azuis”, diferente dos célebres casos
de Canudos e Contestado, constituíram um movimento
messiânico-milenarista tipicamente urbano. Criado por Roldão Mangueira
de Figueiredo, líder e guia espiritual, o movimento se organizou a
partir do centro espírita Casa de Caridade Jesus no Horto, fundado no
ano de 1961, e deixou sua marca na Paraíba.
Roldão
Mangueira era um próspero comerciante de algodão que atuava em Campina
Grande até que um incêndio atingiu os seus armazéns. De acordo com
relatos orais, ele, desolado, cogitou se suicidar, mas mudou de ideia
quando teve uma visão do padre Cícero. O padre teria ordenado que ele
construísse um centro religioso e se dedicasse à caridade junto aos mais
humildes.
A
partir de então, Roldão Mangueira seguiu os desígnios do padre Cícero,
prestando auxílio aos necessitados e realizando sessões espíritas
denominadas “Mesa Branca”, nas quais curas e milagres ocorriam.
Misturando elementos do catolicismo tradicional e do espiritismo, o
movimento apresentou-se como uma alternativa para as mazelas do dia a
dia. Com a fama de milagreiro, Roldão atraiu inúmeros fiéis que passaram
a frequentar o centro, localizado no bairro dos Quarenta. Em pouco
tempo, centenas de pessoas tornaram-se adeptas do movimento, até mesmo
de outras regiões.
Os
“Borboletas Azuis”, como eram chamados pela população de Campina Grande
e pela mídia, acreditavam na chegada de um reino de paz, alicerçado na
humildade e na harmonia. Antes, porém, previam que um dilúvio ocorreria e
renovaria o mundo, dando início a um novo tempo. Havia, inclusive, uma
data específica para acontecer: 13 de maio de 1980. Os fiéis,
identificados pela veste branca e azul, submetiam-se a um rígido código
de conduta: proibidos de praticar atos mundanos, andavam sempre com os
pés descalços. O princípio da humildade fez ainda com que vários adeptos
vendessem seus bens em prol da caridade pregada.
A
recepção do movimento por parte da população de Campina Grande foi, em
geral, negativa. Embora existissem aqueles que demonstravam temor diante
das profecias de Roldão, muitos hostilizavam os “Borboletas Azuis”
quando estes realizavam peregrinações pelas ruas, as vezes até
fisicamente. A mídia, por sua vez, tratava o caso com certo
sensacionalismo, em nada contribuindo paras as motivações dos fiéis.
Havia, inclusive, o medo de que o movimento terminasse em uma tragédia
semelhante ao suicídio coletivo provocado pelo pastor norte-americano
Jim Jones, em 18 de novembro de 1979.
Na
data anunciada, porém, não houve suicídio coletivo. Nem mesmo dilúvio. O
dia 13 de maio de 1980 foi de sol, contrariando a expectativa dos
“Borboletas Azuis”. Mas a profecia não cumprida teve grande impacto
sobre os fiéis: vários deles, descrentes, deixaram de frequentar o
centro religioso e voltaram à vida que tinham antes. Foi o ponto de
virada do movimento.
Após
a previsão malfadada, Roldão Mangueira não viveu por muito mais tempo.
Em meio a um jejum forçado realizado como forma de penitência, o líder
dos “Borboletas Azuis” morreu, apenas um mês depois do fim do mundo que
não aconteceu. Um duro golpe para o movimento, que perdeu a maior parte
dos fiéis, mas sobreviveu. o novo líder, Antônio de França, manteve os
mesmos princípios de Roldão, mas isso não foi o suficiente para superar a
decadência. Passados quinze anos daquele fatídico 13 de maio, a Folha
de São Paulo noticiava que o centro ainda funcionava e contava somente
com 11 adeptos. Frente ao avanço das igrejas neopentecostais nos anos
1990, foi uma questão de tempo para que as borboletas dessem o último
vôo. Sem o alcance de outrora, a casa, que ainda existe até hoje, não
atrai adeptos como antes.
O
movimento iniciado por Roldão Mangueira se insere indubitavelmente no
conjunto de movimentos messiânicos que agitaram o Brasil no século XX.
Fruto de uma religiosidade popular embebida de misticismo e que
combinava elementos de diferentes religiões, os “Borboletas Azuis” se
valeram da fé para dar sentido ao mundo. Um mundo, a exemplo de qualquer
núcleo urbano brasileiro, marcado pela pobreza, por dificuldades
cotidianas e necessidades que inspiram tantos a almejarem um novo
começo.
Luís Rafael Araújo Corrêa
é professor do Colégio Pedro II e Doutor em História Social pela
Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de artigos e livros sobre
História, como a obra Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição.
Referências
ARAÚJO,
Lidiane Cordeiro Rafael de; SILVA, Magnólia Gibson Cabral da.
“Borboletas Azuis” de Campina Grande: crenças e lutas de um movimento
milenarista. In: Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 14, p. 46–61, jun.
2009.
FERREIRA,
F. S. O sagrado feminino e o papel da mulher no movimento religiosos
“Borboletas azuis” de Campina Grande — PB (1970–2016). Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação em História), Campina Grande: Universidade
Estadual da Paraíba, 2016.
NEGRÃO,
L. N.; CONSORTE, J. G. Os “Borboletas Azuis” de Campina Grande: um
movimento messiânico malogrado. In: NEGRÃO, L. N.; CONSORTE, J. G.
(Org.) O messianismo no Brasil contemporâneo. São Paulo: FFLCH-USP/CER,
1984. p. 303–428.
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