Por mais de quatro décadas, o alemão que se naturalizou brasileiro realizou trabalhos de imersão em comunidades de todo o território nacional. Há exatos 100 dias, completados nesta terça-feira 11, seu pequeno tesouro foi destruído no incêndio que atingiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
“Nimuendajú é o pai fundador da etnologia brasileira, com obra mais alentada e relevante que a de todos nós que o sucedemos.” A definição do famoso antropólogo Darcy Ribeiro sinaliza a importância da contribuição do pesquisador de origem alemã para o estudo dos povos indígenas no Brasil.
Aos 20 anos de idade e sem formação acadêmica, Nimuendajú, que então ainda se chamava Kurt Unckel, deixou um próspero emprego na fábrica de lentes da Zeiss, na Alemanha, onde havia recebido treinamento de mecânica ótica. Com dinheiro emprestado pela irmã, ele rumou para o Brasil.
De acordo com informações encontradas pela antropóloga Elena Welper, que estudou intensamente a vida e a obra do pesquisador, a motivação mais forte para a viagem do jovem ao Brasil foi a realização de um sonho de infância.
Em depoimentos, amigos e familiares relatam que, desde muito cedo, ele demonstrou interesse “exclusivo” por índios e mapas. Além de passar horas na sala de leitura de Jena, sua cidade natal, estudando intensamente revistas e mapas, ele liderava “brincadeiras de índios” que incluíam expedições de caça e acampamentos.
Pouco se sabe sobre o que o jovem fez nos dois primeiros anos de sua estadia, embora haja indícios de que tenha trabalhado em uma loja de ferragens de um alemão e participado de uma expedição ao sertão paulista.Em 1905, ele finalmente se juntou aos apapocuva, povo guarani do estado de São Paulo que hoje é conhecido por nhandeva. Em sua primeira imersão, que durou dois anos, o pesquisador produziu uma monografia cujo valor é reconhecido até hoje, A lenda da criação e destruição do mundo na religião dos apopokuva-guarani, publicada em 1915.
Após passar por um ritual de batismo nessa comunidade, recebeu o nome indígena que adotou oficialmente, Nimuendajú – “aquele que fez sua morada”. O primeiro nome foi “abrasileirado” para Curt, e, em 1922, ele se naturalizou brasileiro, tendo abandonado o sobrenome original.
A profundidade do contato com as comunidades estudadas se tornou a principal marca de seu trabalho, como destaca o antropólogo João Pacheco de Oliveira, professor e pesquisador do Museu Nacional.
“Nimuendajú foi bastante inovador em relação ao modo de realizar etnografias. Ele foi um investigador de campo absolutamente dedicado aos índios, tinha uma relação de imersão muito forte, e vivia com eles dentro de um processo de adaptação quase absoluta aos modos de ser dos indígenas”, afirma.
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“Não é um pesquisador que vem e observa as coisas da varanda para o centro da aldeia, mas alguém que cria uma relação muito densa e forte com essas populações. Curt realizou uma etnografia radical, solidária, comprometida com os índios e a defesa de seus interesses”, acrescenta.
Embora não tivesse formação específica em sua área de atuação e atuasse de forma independente, sem vínculos com instituições científicas, não tardou para que o pesquisador despertasse interesse pelo seu trabalho no exterior. A principal fonte de renda de Curt vinha justamente da venda de coleções de objetos culturais indígenas para instituições de outros países, em especial para o Museu de Gotemburgo, na Suécia.
Suas expedições também foram apoiadas por instituições brasileiras, como o Serviço de Proteção aos Índios, órgão que deu lugar à atual Fundação Nacional do Índio (Funai), o Museu Nacional e o Museu Paraense Emílio Goeldi.
Entre os apoios internacionais, o mais importante para a afirmação e reconhecimento de sua obra veio de Robert Lowie, um dos grandes nomes da antropologia americana. Os dois trocaram cartas durante anos, sem nunca terem se conhecido. Graças a essa aproximação, Nimuendajú pôde publicar nos Estados Unidos suas monografias sobre os povos Apinayé, Xerente, Canela e Tikuna.
O mapa de Nimuendajú
Por onde passava, o pesquisador se esforçava para aprender a falar e documentar a língua falada pelo grupo estudado. Dessa forma, deu o pontapé inicial nos estudos linguísticos no Brasil e começou a construir a obra que é considerada um de seus maiores legados: o Mapa Etno-Histórico do Brasil e Regiões Adjacentes, cuja versão final data de 1944 e se encontrava no Museu Nacional.
O trabalho foi publicado apenas em 1981 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por empenho do antropólogo George Zarur, que escreveu a seguinte descrição sobre a obra:
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