Bem,
não é exatamente uma imagem, mas sim um documento, ou melhor, a imagem
de um documento. Ah, não importa! O que interessa é que estamos diante
de uma legítima carta de alforria (emancipação) concedida a uma escrava,
através da qual a mesma passava a ser considerada uma liberta (imagem
acima). A carta data de 1º de janeiro de 1871 e está selada. Sabemos
apenas que a mulher atendia pelo nome de Matildes e que os seus pais
prestaram ao Seminário do Caraça (localizado no município de Catas
Altas, Minas Gerais) relevantes serviços, o que contribuiu para que a
alforria lhe fosse concedida. Sabe-se que naquela instituição eram
poucos os escravos, mas o documento comprova que existiam. Também é
sabido que a construção da igreja em estilo neogótico (tida como a
primeira do Brasil nesse padrão arquitetônico) a partir de 1876, contou
com trabalhadores livres (portugueses, espanhóis e brasileiros), pois
nessa época, os escravos do Caraça haviam sido libertados. A carta de
alforria acima parece indicar isso.
Por
outro lado, conhecemos bem mais a respeito de quem assinou a referida
carta concedendo liberdade a Matildes. Trata-se de Antônio Ferreira
Viçoso, nascido em Portugal no ano de 1787. Em 1811, ingressou na
Congregação da Missão, ordem religiosa de padres missionários fundada
por São Vicente de Paulo, na França, no início do século XVII. Os padres
que faziam parte da instituição ficaram conhecidos como "vicentinos" ou
"lazaristas", uma vez que a Casa da Congregação chamava-se Casa de São
Lázaro (situada em Paris).
Junto
com outro padre lazarista, Leandro Rebelo Peixoto, Antônio Viçoso veio
ao Brasil em 1819 e recebeu do próprio rei de Portugal, Dom João VI, a
missão de encaminhar e organizar o Santuário do Caraça (foto acima),
praticamente abandonado após a morte de seu fundador, o Irmão Lourenço.
Coube aos dois padres a implantação de um Colégio naquele local, que
ficou conhecido no século XIX pela qualidade do ensino ministrado e
também na formação de sacerdotes.
Mais
tarde, em 1844, pelo dispositivo previsto na Constituição do Império,
conhecido como Padroado (direito de conferir benefícios eclesiásticos), o
imperador do Brasil Dom Pedro II, indicou Antônio Ferreira Viçoso para
ser bispo da diocese de Mariana (MG). Dom Viçoso, como passou a ser
conhecido, reestruturou o Seminário (escola para a formação de
sacerdotes) de Mariana, o qual, por algum tempo, foi transferido para o
Caraça em função de uma epidemia de varíola. Dom
Viçoso foi também um dos primeiros representantes do movimento
ultramontano (palavra que significa "além das montanhas") no Brasil, que
visava recuperar a autoridade papal e a primazia de Roma em assuntos
relacionados à fé. Em termos concretos, uma resposta da Igreja Católica
ao avanço das doutrinas liberais e ao nacionalismo europeu, na segunda
metade do século XIX. A família imperial brasileira esteve muito
vinculada a essa corrente, como por exemplo, a Princesa Isabel.
Em
1868, Dom Pedro II concedeu a Dom Viçoso o título de Conde de
Conceição, que aliás aparece no documento acima, após a sua assinatura.
Além disso, recebeu também do imperador duas outras comendas
(honrarias), a Imperial Ordem de Cristo e a Imperial Ordem da Rosa. Dom
Viçoso faleceu em 1875 e seu nome foi encaminhado, um século depois,
para o processo de beatificação e canonização. Uma etapa importante para
o mesmo foi obtida em 1986, quando Dom Viçoso passou a ser considerado
pela Igreja Católica, "Servo de Deus".
Uma última curiosidade. Duas cidades mineiras tem os seus nomes relacionados ao do bispo: Dom Viçoso e Viçosa.
Crédito das imagens:
Carta
de alforria e foto do Caraça: Guia do Arquivo Histórico do Caraça de
Leandro Araújo Nunes (coordenador). Belo Horizonte: Lastro, 2008,
páginas 45 e 27 respectivamente.
Foto de Dom Viçoso: https://patrimonioespiritual.org/2016/03/19/santuario-de-nossa-senhora-mae-dos-homens-caraca-catas-altas-mg/
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