A corrupção tem dado o tom dos debates entre os candidatos à
presidência da República: a presidente Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves
(PSDB) têm focado sua campanha na troca de acusações, e o eleitor tem
sido bombardeado com escândalos de todos os lados. Infelizmente, este
cenário não é novo – já discutimos neste blog as raízes históricas deste
mal. Ao longo de nossa história, vários políticos foram eleitos com a
bandeira do combate à corrupção. Muitos governos também foram derrubados
com a mesma justificativa.
Vamos falar de um dos personagens mais pitorescos de nosso
passado recente. Jânio Quadros foi eleito “para varrer a corrupção e a
bandalheira para longe do Brasil”. Com sua fala rebuscada, discurso
anticomunista, estilo teatral e tendo uma vassoura como símbolo de
campanha, ele obteve uma votação impressionante. Jânio renunciou após
seis meses de governo. Após uma tumultuada presidência do vice João
Goulart, viria o golpe militar que duraria 21 anos. Uma das promessas
dos militares? Acabar com a corrupção. O teor dos debates de hoje nos
mostra que eles também não foram bem sucedidos…
O país enfrentava um período de calmaria, com a presidência de
Juscelino Kubitschek (1955-1960). A economia atingia taxas de
crescimento de 7%, 8% e até 10% ao ano. Isso permitiu que um ambicioso
Plano de Metas alcançasse um estrondoso sucesso. Brasília foi
inaugurada. Diante de tais feitos, a oposição abandonou provisoriamente
o discurso anticomunista em prol de críticas à má gestão dos
negócios públicos, à corrupção e à inflação que se intensificou no
período. Apesar disso, respirava-se certa tranquilidade política, pois o
crescimento econômico também permitiu o aumento dos salários reforçando
o apoio dos trabalhadores ao PTB, base aliada do governo juscelinista.
Surgiram vários partidos políticos que, na maior parte do tempo,
não chegavam a ameaçar as agremiações dominantes. Vez por outra, porém,
a fragmentação partidária permitia a ascensão de políticos não
vinculados às organizações tradicionais. Um exemplo bem-sucedido dessa
trajetória foi o de Jânio Quadros, eleito sucessivamente, a partir de
1947, vereador, deputado estadual, prefeito e governador pelo
Partido Democrata Cristão.
O anticomunismo e a retórica moralista de Jânio em muito agradava a
UDN. Misturando o discurso conservador com práticas populistas, Jânio
conseguiu o impossível: ser de direita e conquistar o apoio das massas.
Não é de se estranhar a aproximação da UDN, selando uma aliança para as
eleições presidenciais de 1960. Do outro lado do espectro das forças
políticas, reproduziu-se a aliança PSD-PTB, com a indicação do general
Lott, da ala nacionalista do Exército; pela segunda vez, também era
candidato à presidência Ademar de Barros,
líder populista paulista, concorrendo pelo Partido Social
Progressista. A vitória janista foi esmagadora: o candidato conseguiu
50% de votos a mais do que o general Lott, e mais que o dobro de Ademar
de Barros.A UDN finalmente chegava ao poder, mas tratava-se de uma
vitória ambígua.
O novo presidente governou sem consultar a coligação de partidos que
o elegeu e seu ministério incluiu inimigos dos udenistas, assim
como pessoas escolhidas pelo critério de amizade. No Exército, Jânio
promoveu grupos antinacionalistas e, em relação ao Congresso, teve uma
postura agressiva, declarando publicamente tratar-se de um “clube de
ociosos”.
Visando combater os altos índices de inflação herdados do
governo anterior, Jânio implementou uma política econômica austera,
seguindo as regras do FMI à risca. No plano internacional, optou por uma
política de não alinhamento aos Estados Unidos, valorizando acordos
comerciais com países do bloco comunista. A política econômica coerente e
a inovadora política diplomática conviviam com medidas sem nenhuma
importância, mas com grande repercussão nos meios de comunicação, como
as proibições do uso de biquínis em desfile de misses, do hipnotismo
em lugares públicos, de corridas de cavalos em dias de semana, de
brigas de galo… Jânio também condecorou Che Guevara, em uma
aproximação com Cuba, talvez tentando repetir a política internacional
ambígua de Getúlio Vargas, responsável por acordos vantajosos com os
Estados Unidos.
Apesar do tom autoritário, quando não carnavalesco, de seu governo, o
risco de instabilidade política parecia diminuir. Segundo a legislação
da época, votava-se para vice-presidente separadamente do cabeça de
chapa. Na eleição de Jânio, João Goulart havia sido novamente eleito ao
cargo. Após pouco mais de seis meses no governo, o presidente
procura explorar a delicada situação renunciando.
Conforme o presidente, no livro “História do povo brasileiro”,
seu objetivo era forçar uma intervenção militar: “primeiro, operar-se-ia
a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório – visto que a
João Goulart […] não permitiriam as forças militares a posse, e,
destarte, ficaria o país acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma
fórmula, em consequência da qual ele mesmo emergisse como primeiro
mandatário, mas já dentro do novo regime institucional, ou bem, sem ele,
as forças armadas se encarregariam de montar esse novo regime […]”. O
aprendiz de ditador fracassou devido à vacilação dos chefes militares.
Instalava-se,então, uma grave crise política, cujo desfecho tem uma data
marcada: 31 de março de 1964, com o golpe militar.
Márcia Pinna Raspanti
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