quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Artigo 5: Ninguém será submetido à tortura

Existe uma proibição absoluta na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que é universalmente aceita como inequívoca: a proibição de tortura do Artigo 5. Às vezes, os Estados podem contestar a definição do que é tortura, mas praticamente ninguém defende abertamente a prática, mesmo que alguns ainda a pratiquem em lugares descritos pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) como “os cantos mais obscuros do nosso planeta”.
A proibição da tortura é outro reflexo da repulsa contra os campos de concentração e os experimentos médicos nazistas em pessoas vivas que tanto motivaram os redatores da DUDH no final da década de 1940. É ainda mais elaborada na Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, de 1984, que deixa claro o caráter absoluto da proibição: “nenhuma circunstância excepcional, seja estado de guerra ou ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, pode ser invocado como justificativa para a tortura”.
Dada essa aversão universal, por que sociedades democráticas contemporâneas ainda toleram o uso da tortura? A justificativa adotada mais frequentemente para isso — particularmente na luta contra o terrorismo — é a de que ela salvaria a vida de pessoas inocentes.
Além de todas as falhas nesse argumento imaginário da “bomba-relógio” (como as forças de segurança sabem se estão com a pessoa certa? Como sabem se o suspeito não vai inventar coisas simplesmente para aliviar a dor?), trata-se apenas de uma desculpa para um comportamento desumano projetado para afirmar poder.
A proibição da tortura é tão absoluta que o órgão da ONU encarregado de monitorar sua prevenção recomendou que até os soldados em treinamento devem ser lembrados de que têm o dever de desobedecer ordens de oficiais superiores para cometer tortura. O fato de Estados terem ido tão longe para redefinir algumas de suas práticas, segundo alguns especialistas, mostra que eles realmente respeitam a proibição universal da tortura, mesmo quando tentam subvertê-la.
Após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, o governo do presidente norte-americano George W. Bush reinterpretou a palavra “tortura” de forma muito restrita, em um esforço para dar margem aos oficiais para maltratar suspeitos. Os memorandos posteriormente divulgados mostraram que o governo acreditava que as proibições contra a tortura eram “singulares” e “obsoletas”, não se aplicavam no que chamavam de “guerra ao terrorismo” e até mesmo que o presidente poderia “anular” a lei internacional.
Novos eufemismos foram inventados para encobrir as ações da administração norte-americana. Sob “rendição extraordinária”, os EUA levaram suspeitos para “locais obscuros” — centros de detenção em Abu Ghraib, no Iraque, prisão de Bagram, no Afeganistão, Baía de Guantánamo, em Cuba —, para serem submetidos a “técnicas aprimoradas de interrogatório”.
Essas práticas chocantes foram condenadas por uma longa lista de organizações e pessoas, incluindo vários generais reformados, almirantes, advogados militares e oficiais de inteligência. Mas qualquer discussão sobre direitos humanos tendia a ser submersa em discussões mais “práticas” — irrelevantes sob a lei internacional — sobre se a tortura era um meio eficaz e confiável de extrair informações úteis.
Finalmente, foi a onipresente câmera digital, em vez de argumentos morais, que viraram a maré contra a tortura. Fotos de prisioneiros iraquianos nus sendo humilhados enquanto soldados norte-americanos sorriam orgulhosamente para a câmera se tornaram emblemáticas dos abusos oficiais aos direitos humanos. Os EUA posteriormente repudiaram essas práticas.
Hoje, ativistas em todo o mundo arriscam suas vidas para documentar abusos e divulgar rapidamente as evidências nas redes sociais. Mas o que é feito com essas informações depende da vontade política. “O problema não é a falta de alerta precoce”, diz Pierre Sané, do Senegal, ex-chefe da Anistia Internacional, “mas falta de ação antecipada”.
Mesmo assim, a ONU considera que o monitoramento regular dos locais de detenção por mecanismos de supervisão independentes, internos e externos, é um dos métodos mais eficazes para prevenir a tortura. A elevação dos direitos humanos ao nível internacional significa que o comportamento não é mais governado apenas pelos padrões nacionais. Tratados internacionais e regionais contra a tortura (bem como contra o genocídio e os desaparecimentos forçados) superaram os argumentos de que certos indivíduos gozam de imunidade internacional contra processos judiciais. Sob o princípio conhecido como “jurisdição universal”, as pessoas suspeitas dos mais graves crimes internacionais — incluindo tortura — podem ser presas, julgadas e condenadas em outros países.
Como afirmou Navi Pillay, ex-chefe de direitos humanos da ONU, “ninguém deve ser isentado — nem os próprios torturadores, nem os formuladores de políticas e autoridades públicas que definem as políticas ou dão ordens”.
Como exemplo, “Chuckie” Taylor, filho do ex-presidente da Libéria, está preso na Flórida, nos EUA, cumprindo uma sentença de 97 anos por tortura e outras violações de direitos humanos cometidas em sua terra natal.
Quando o ex-ditador chileno Augusto Pinochet morreu em 2006, ele havia passado um ano e meio em prisão domiciliar em Londres e, após seu retorno ao Chile, foi acusado de vários dos mais de 300 crimes nos quais foi envolvido em relação a violações de direitos humanos durante a ditadura militar de 1973-1990. Embora mantido sob prisão domiciliar, ele ainda não havia sido julgado ou condenado no momento em que morreu.
Em 1975, uma jovem foi presa pela polícia política de Pinochet e interrogada no centro de tortura Villa Grimaldi, na capital do Chile, Santiago. Décadas mais tarde, depois que a democracia foi restaurada, Michelle Bachelet passou a servir dois mandatos como presidente do Chile. Hoje ela é a alta-comissária da ONU para os direitos humanos.


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