terça-feira, 4 de setembro de 2018

. O fóssil de Luzia .

Lagoa Santa, Minas Gerais. Fujo da Copa. O fóssil de Luzia é mais inspirador. Estou em 12.500 a.C.. A primeira brasileira tem vinte e poucos anos, 1,50 metro de altura, olhos arredondados, queixo e lábios salientes e nariz largo. Não tem residência fixa. Perambula pelos arredores do futuro Aeroporto de Confins. O nosso país ainda não tem políticos corruptos, racismo, homofobia e crime organizado, mas já é muito perigoso. Tem preguiça-gigante e tigre-dente-de-sabre. Luzia é frugal. Alimenta-se de frutinhas, coquinhos das palmeiras e folhagens. De vez em quando, alguém encontra um osso de mastodonte com um resto de carne e rola um churras. Luzia morreu jovem. O seu crânio ficou 12 séculos enterrado numa gruta. Foi encontrado em 1975. Ficou mais 20 anos esquecido nos arquivos de um museu no Rio de Janeiro. O Brasil não está nem aí para a ciência. O fóssil vai para a Inglaterra para reconstrução facial. Na volta, barraco na Alfândega: a reconstrução é classificada como obra de arte, ao invés de peça científica. Então, Luzia conhece os corredores da burocracia nacional. O jornalista Fritz Utzeri publica no Jornal do Brasil um diálogo imaginário entre Luzia e um burocrata da repartição: “Eu? Obra de arte? O senhor bebeu. Não deve estar bem da cabeça. Já olhou pra mim? E eu tenho cara de obra de arte? Eu sou o passado. Se eu não tivesse vindo para cá, enfrentando mares, geleiras, serras e florestas, vocês talvez nem estivessem. Se eu não tivesse vindo, não haveria índios, ninguém aqui para receber o Cabral. Não haveria miscigenação, Ceci, Peri, tupi, guarani e guaraná, nada! Vocês comemoram o desembarque do Cabral, enquanto eu, que cheguei há muito mais tempo, sou barrada e tenho que pagar para voltar ao meu país?” Este post é uma homenagem de Devaneios Históricos à comunidade científica do Brasil. Nota: ontem, o Brasil assassinou Luzia.

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