sexta-feira, 14 de setembro de 2018

ÍNDIOS KIRIRI.

Os Kiriri, também chamados de Kariris, compõem uma etnia indígena brasileira que habita o estado da Bahia e sua população é composta por 2.571 indivíduos de acordo com o senso (Siasi/Sesai, 2014).
Kiriri é um vocábulo tupi que significa povo "calado", "taciturno". Essa designação teria sido atribuída pelos Tupi da costa aos índios habitantes do sertão. O povo kiriri constitui hoje um grande exemplo de luta para outros povos indígenas localizados na região Nordeste do país. No espaço de quinze anos, eles se estruturaram politicamente e promoveram, em fins dos anos noventa do século passado, a extrusão de cerca de 1.200 não-índios incidentes na Terra Indígena Kiriri, homologada desde 1990.
Os Kiriri praticam, de modo geral, uma agricultura voltada para a subsistência, comercializando, de forma esporádica e em pequena quantidade, excedentes das suas roças de cultivos temporários - compostas basicamente de mandioca, feijão e milho - e algumas verduras cultivadas nas exíguas hortas, localizadas preferencialmente nos quintais das casas de moradia. Do montante da produção, parte é aprovisionada para consumo doméstico durante o ano, parte reinvestida imediatamente em insumos e em outros artigos necessários à reprodução da unidade familiar. Outra estratégia freqüentemente utilizada é a constituição de uma pequena reserva destinada tanto à aquisição gradual de bens, quanto de sementes para o próximo plantio.
As atividades econômicas dos Kiriri se encontram, de certa forma, orientadas para o mercado regional, haja vista que a especialização dos bens produzidos, assim como a natureza da agricultura praticada, restringem as possibilidades de existência de uma economia semi-autárquica, determinando uma ativa comunicação com os centros comerciais mais próximos, aos quais os Kiriri se dirigem freqüentemente para comercializar seus produtos a fim de adquirir gêneros de primeira necessidade não produzidos localmente, tais como carne, café, óleo, açúcar, sal, além de diversos outros artigos de consumo menos imediato.
Ao mercado também se destina, com certa periodicidade, o produto da coleta de frutos silvestres, como caju, umbu e pinha, além de, mais esporadicamente, um artesanato trabalhado em cerâmica e trançados. Supõe-se, com base em informações coletadas por Bandeira em fins da década de 1970, que historicamente este artesanato tenha chegado a alcançar um peso significativo na economia kiriri, constituindo-se ainda, por outro lado, em um dos fatores de diferenciação e de discriminação étnica. Nos últimos anos, fruto da intensificação do contato entre povos indígenas, os Kiriri passaram a produzir, embora em pequena expressão, colares e outros adereços semelhantes àqueles comercializados pelos Pataxó, em Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália.
Em 1974, líderes kiriri organizaram uma caravana com cerca de cem índios à Terra Indígena Tuxá, localizada em Rodelas, norte da Bahia, em princípio para realizar um jogo de futebol entre os dois povos, mas já com a clara intenção de assistir ao ritual Toré realizado por aqueles índios e aprendê-lo. O Toré é parte de um conjunto mais amplo de crenças - no centro do qual se encontra a jurema - que, muito provavelmente, podem vir a ser agrupadas em um complexo ritual comum aos povos do sertão (Cf. Nascimento, 1994). Entre os índios no Nordeste, o Toré representa um símbolo de união e de etnicidade, fornecedor de elementos ideológicos de unidade e de diferenciação e, portanto, fonte de legitimação de objetivos políticos.
O processo de adoção do Toré é melhor viabilizado no plano simbólico, por um lado, pela sua relação com certas práticas xamanísticas então vigentes entre os Kiriri, selecionadas com atenção ao critério de representatividade étnica. Com a entrada em cena do Toré, essas práticas foram progressivamente deslegitimadas e os que não se adaptaram aos procedimentos utilizados no ritual, que não "aliam seus guias aos guias do Toré", foram marginalizados, impedidos de "trabalhar".
Sobre a estrutura do Toré aprendido, os Kiriri introduziram novos elementos: seus "encantados" (seres sobrenaturais), acrescentados àqueles tomados de empréstimo dos Tuxá, progressivamente assumiram lugar de destaque; ao repertório melódico original, os Kiriri adicionaram seus próprios toantes e mesmo as bases coreográfica e de vestuário têm passado por inovações (Martins, 1985).
O Toré é geralmente realizado aos sábados à noite - com uma interrupção apenas nos períodos da quaresma - em amplos terreiros junto aos quais há sempre algum recinto fechado, onde se deposita o pote com a "jurema" e se desdobram as seqüências privadas do ritual. A cerimônia tem início com a concentração de pessoas nas imediações do terreiro e no recinto fechado onde principia a defumação que, em seguida, se estenderá ao terreiro, através de grandes cachimbos de madeira de formato cônico, com desenhos em relevo. Inicia-se também aí a ingestão da "jurema", que se intensificará durante a dança, distribuída sempre pelo conselheiro local ou por outra figura de relevo na hierarquia ritual e política. Passando-se ao terreiro, prosseguem os trabalhos de "limpeza", comandados pelo pajé, quando então, através do uso de apitos, os "encantados" são convidados a participar. Começam os cantos e as danças, inicialmente em fila indiana, com o pajé à frente, seguido pelos homens, mulheres e crianças, nesta ordem. A fila serpenteia pelo terreiro em movimentos progressivamente elaborados à medida em que os toantes se sucedem, intensificando o envolvimento dos participantes, até o clímax que sobrevém com a "chegada" dos "encantos", perceptível nos evidentes sinais de incorporação apresentados pelas "mestras".
A esta altura, as disposições se alteram e a hierarquia horizontal da fila indiana cede lugar a movimentos em torno dos encantos, que ocupam posição central no terreiro e pouco se deslocam, enquanto principiam a falar numa língua pretensamente indígena, ritual que consiste numa seqüência de sons bastante recorrentes e incompreensíveis para os Kiriri de hoje. São, em seguida, conduzidos ao recinto - a "camarinha" - onde serão consultados com relação aos mais diversos temas, fornecendo conselhos de caráter genérico, que, via de regra, reproduzem os ideais de unidade do grupo. Os interlocutores e intérpretes principais das suas mensagens são as lideranças políticas dos Kiriri e, em especial, os pajés (Rocha Jr., 1983).
Falam hoje apenas o Português, embora utilizem esporadicamente alguns fragmentos do dialeto kipeá, da família lingüísticaKariri.
No final da década de 1980, os Kiriri duplicaram a sua estrutura política, passando a se organizar em dois segmentos faccionais - atualmente as unidades mais efetivas da ação política formalizada no grupo - lideradas por seus respectivos caciques, pajés e conselheiros. Cada cacique é auxiliado por seus conselheiros, "chefes locais" responsáveis pela administração dos núcleos, que compreendem a menor unidade política kiriri. Historicamente, esses núcleos são as áreas nas quais esses índios foram se fixando, enquanto iam sendo rechaçados, desde o fim do aldeamento missionário, de seu centro, em Mirandela. Cada um desses núcleos, num total de seis, submete-se à autoridade de um conselheiro, secundado por um "ajudante". Os povoados, extrusados recentemente, submetem-se à autoridade dos conselheiros dos núcleos a eles adjacentes.
Entre a população kiriri, há uma migração de caráter mais ou menos permanente resultante de conflitos políticos e da fragmentação por herança. Os Kiriri realizam ainda, com relativa freqüência, migrações sazonais, verificando-se o retorno invariavelmente nas épocas de plantio e colheita. Dirigem-se principalmente a São Paulo e Rio de Janeiro, ou para regiões mais próximas, como Sergipe, ou mesmo para fazendas nas vizinhanças. Nesses locais, submetem-se a longas jornadas de trabalho, por um tempo que lhes permita a acumulação de um capital mínimo, que deverá ser reinvestido na área de origem, viabilizando assim a própria reprodução da condição camponesa.
Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/povo/kiriri
Fotografia: Kiriri durante ritual do Toré. Autoria: Léo Martins, década de 80.

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