domingo, 9 de setembro de 2018

ÍNDIOS KALANKÓ.

Os Kalankó ou Calancó compõem uma etnia indígena brasileira. Habitam o estado de Alagoas e sua população é composta de 329 indivíduos de acordo com o senso (Siasi/Sesai, 2014).
Os Kalankó são descendentes de um dos povos indígenas que viveram, durante o século XIX, no aldeamento Brejo dos Padres, em Pernambuco. O impacto que a colonização teve sobre as populações nativas no Nordeste brasileiro foi brutal e uma das principais conseqüências desse processo, além da escravização e do extermínio de vários povos, foi o aldeamento dos indígenas. Na região do rio São Francisco não foi diferente e os Kalankó, assim como outros grupos, foram distanciados de seus antepassados, de suas tradições e suas terras. Foi a partir de 1980 que esta população passou a lutar de forma expressiva pelo reconhecimento oficial de sua indianidade. Suas festas e rituais, muitos dos quais eram reprimidos na época dos aldeamentos, passaram a ocupar novos espaços, dando visibilidade à trajetória dos Kalankó.
A partir de 1998, com o seu “re-aparecimento”, os Kalankó passaram a estabelecer relações constantes com agências do Estado como a Funai (Fundação Nacional do Índio) e a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), com organizações da Igreja Católica, como o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e organizações não-governamentais.
Aos poucos foram re-elaborando a forma de arregimentação de seus líderes, que passou a ser o voto direto, geralmente pautado pelas relações genealógicas e pelo prestígio na vida cerimonial.
Atualmente a comunidade é organizada por dois líderes, o pajé e o cacique. O pajé comanda os rituais, incentiva os valores tradicionais e media conflitos. Além disso, fica bastante atento ao cumprimento das “obrigações” de cada pessoa, especialmente àquelas ligadas às práticas rituais. O cacique, por sua vez, leva as reivindicações da comunidade para fora, representando-a junto ao Estado e à sociedade nacional.
As decisões de ambos são legitimadas por quatro conselhos. O primeiro é chamado de Conselho Tribal e foca nas relações da comunidade com o exterior. O segundo se chama Conselho Local e diz respeito à resolução dos conflitos internos. É interessante notar como os integrantes dos conselhos, com raras exceções, são sempre os principais cantadores e dançadores. Desde 1999, existe o Conselho da Saúde que trata de assuntos relativos à Funasa. O quarto é o Conselho das Crianças, cujas atividades estão voltadas para o aprendizado dos valores kalankó. Este conselho organiza todo mês a “Festa das Crianças” no terreiro de Lageiro do Couro. Nesta festa, realiza-se um Toré no qual somente as crianças participam. É bastante comum a realização de apresentações infantis fora da aldeia.
Os Kalankó também estão envolvidos em atividades relacionadas à questão indígena brasileira e nordestina: visitam outras comunidades; compartilham sua experiência de luta por reconhecimento; e participam de eventos e conferências.
Há entre os Kalankó três rituais diferentes: o Toré, o Praiá e o Serviço de Chão. Todos eles ocorrem preferencialmente à noite, mas também podem ser realizados durante o dia, e tem como figura central o pajé, que é líder e principal cantador das cerimônias. Em alguns casos, porém, o pajé pode transferir esta responsabilidade a uma outra pessoa de destaque da comunidade. As mulheres podem participar do Toré e do Serviço de Chão, mas não do Praiá. Entretanto, são elas as responsáveis pela preparação das comidas e das pinturas corporais usadas em todos os rituais.
Os cantadores são as pessoas de maior prestígio político entre os Kalankó, são eles que têm maior poder de decisão e mais obrigações no grupo.
Os Kalankó dizem que o canto nasce com a pessoa, mas é importante destacar que esta qualidade é transmitida de geração em geração, seguindo uma linha genealógica que remonta às famílias recém-chegadas do aldeamento de Brejo dos Padres (PE). A dança, ao contrário, é aprendida ao longo da vida.
O terreiro é um espaço de forma retangular que existe nas principais aldeias do alto sertão alagoano. É nele que são realizados os rituais Praiá e Toré. O terreiro é um dos lugares privilegiados para se receber os encantados.
Os Kalankó têm dois terreiros onde praticam seus rituais, um em Lageiro do Couro e o outro em Januária. Todo terreiro é chefiado por um indivíduo, que é denominado “pai de terreiro”, e pertence a um encantado, que é o “dono” do espaço.
O terreiro deve, preferencialmente, possuir um poró [casa sagrada onde as vestes cerimoniais são guardadas]. Além disso, em muitos terreiros da região há um espaço denominado oca, onde as pessoas se reúnem para realizar Conselhos ou Torés.
Durante o ritual, o terreiro se transforma em “mato”, espaço de ação dos encantados. Esta transformação acontece a partir de uma formação em cruz, o “encruzamento”, que abre o terreiro para receber a força dos encantados. O encruzamento se refere a um tipo de movimento coreográfico que traça o desenho de uma cruz em todo o terreiro.
O Toré é uma prática realizada desde o “tempo dos antepassados”. É geralmente oferecido a um encantado e às vezes é realizado em comemoração a uma data especial ou, como falam, só por brincadeira. Trata-se de um ritual que conta com a participação de toda comunidade e pode contar com a presença de não-índios.
O rito pode ser realizado em diversos espaços: no interior das casas ou fora da aldeia, em ambientes públicos, nos quais o Toré ganha uma forte conotação política. Este ritual acontece com muita frequência e se caracteriza por cantos e danças específicas, que cessam quando o cantador emite um grito.
No Toré, a voz é o elemento fundamental e a pisada no chão é seu complemento. Um bom cantador é aquele que canta por muito tempo e conhece um grande repertório de cantos.
No final do Toré, consome-se uma garapa – bebida feita a partir da mistura de água com algum tipo de doce, seja rapadura, mel ou mesmo açúcar. Mas antes disso a garapa deve ser “encruzada” (isto é, deve-se fazer o sinal da cruz) três vezes com o maracá e o campiô (cachimbo).
Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/povo/kalanko
Fotografia: Dona Joana Kalankó fumando o campiô, Gangorra, Alagoas. Autoria: Alexandre Ferraz Herbetta, 2003.

Nenhum comentário:

Postar um comentário