Escravidão e Maternidade: a triste história das amas-de-leite no Brasil
- O aleitamento materno entre os índios tupinambás era a regra geral
até a chegada dos colonizadores europeus que não viam a amamentação em
sua cultura como uma atividade nobre à mulher branca. O amor materno era
deixado de lado, pois não tinha valor social e moral. Assim, a
amamentação era vista como “indigna” para estas damas, que recorriam as
amas-de-leite para alimentar seus filhos.
Essa cultura acabou
sendo difundida também para as classes mais pobres da sociedade
brasileira - e é aí que entram em atuação as “saloias” ou
“amas-de-leite”. Inicialmente, eram índias ou mulheres muito pobres que
amamentavam os filhos das damas, sendo estas as primeiras versões de
amas-de-leite no Brasil.
Porém, como as índias eram culturalmente
rejeitadas, um novo modelo de amas-de-leite entrou em atuação: as amas
africanas, que eram trazidas tanto para amamentar os filhos das damas
como para cuidar deles.
Uma vez o rebento chegado, a maternidade
não parecia interessar muito às classes dominantes brasileiras. O
principal papel das senhoras se reduzia a parir um grande número de
filhos e, em seguida, entregá-los para que uma ama de bom leite os
amamentasse e criasse e, assim que as crianças se tornam incomodas ao
conforto da senhora, são despachadas para a escola.
Fragilidade psicológica das mães muito jovens? Saúde precária da mãe, depressão pós-parto, desnutrição? Faltam respostas.
Quando as amas-de-leite africanas entravam em atuação para amamentar os
filhos de seu Senhor, o desmame de seus próprios filhos ocorria de
forma brusca e violenta.
Com o tempo a moda “escravas
amas-de-leite” se ampliou e virou um negócio que gerava muito lucro para
quem o praticava. Reduzidas, muitas vezes, a anúncios de compra e venda
nos jornais, as amas eram uma substituta afetuosa, ainda que
inferiorizada, responsabilizada pela educação de crianças brancas, dos
seus filhos e dos bastardos de seu senhor.
Escravas eram vendidas
como amas com ou sem seus filhos. A mulher escrava era comercializada
como mero objeto e seu bebê completamente ignorado. O negócio de
amas-de-leite era considerado algo mais rentável até mesmo do que
plantar café, como afirmaram alguns senhores de escravos (Ewbank, 1976).
As sessões de anúncios nos grandes periódicos da capital do Império,
como o Jornal do Commércio, em 14 de abril de 1835, exibiam propostas:
“Compra-se uma boa ama de leite parda, do primeiro ou segundo parto,
mucama recolhida, que saiba coser e engomar perfeitamente, sem vícios,
nem manchas nem moléstias.”
Ou...
“Vende-se uma preta, moça, com bom leite, com filho ou sem ele de dois meses” (1850)
Em famílias de poucas posses não era incomum que as mulheres livres se
oferecessem para amamentar ou “vender” seu leite. Era uma forma de
aumentar a renda, como se vê no anúncio do mesmo Jornal do Commércio de
04 de setembro de 1864:
“Uma família moradora num arrabalde desta cidade, tendo uma parda com muito e bom leite, toma uma criança para criar”.
Ou, nesse de 1º. de março de 1857:
“Uma senhora branca, parida há vinte e tantos dias, com muito e bom
leite, recebe uma criança para criar, na Rua da Carioca 103”.
Mulheres pobres, forras ou brancas presas às suas obrigações domésticas,
se ofereciam para amamentar ou criar crianças em domicílio.
Na
metade do século XIX, a opinião dos viajantes estrangeiros sobre tal
prática era divergente. Houve quem, como o escritor francês Charles
Expilly, destacasse o fato de que tais cativas recebiam roupas novas,
alimentação suplementar e mesmo ostentavam “luxo insolente”, pois
exprimiam a “prosperidade da casa”. Ou o viajante W. Heine que
sublinhava que tais amas sofriam em amamentar seus filhos e os filhos de
outrem.
Dramas não faltaram. Amas sob cujos cuidados perdiam-se crianças, eram acusadas, julgadas e muitas vezes presas e condenadas.
Por vezes, os menores tinham cada qual a sua babá, enquanto os mais
crescidos contavam com amas secas, mas, também, com a companhia de
“crias”, ou seja, crianças, filhos de escravos da casa e outros criados
domésticos. Mini acompanhantes também podiam ser alugados como se vê num
anúncio do mesmo Jornal do Commércio, em 21 de janeiro de 1835:
“Precisa-se de uma negrinha para andar com uma criança, que esta seja carinhosa, e não exceda o seu aluguel de 6$rs. Mensais”.
No final do século, a situação mudou. Médicos condenavam a presença da
escrava no ambiente do lar, fustigando a vaidade e a futilidade das mães
que não queriam estragar os seios, aleitando.
Em 1867, surgiu na
Europa a primeira fórmula industrializada de amamentação de
recém-nascidos. A novidade logo bateu aqui. Discutia-se também o emprego
de leite de jumenta ou de vaca, fervido ou não, servido em “vasos” para
nutrir o bebê. A ama de leite passou a ser indesejada e signo de atraso
aos olhos dos estudos “científicos”.
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FONTE:
1) “Histórias da Gente Brasileira: Império (vol.2)” – por Mary del Priore, Editora LeYa: 2016.
2) A triste história das amas-de-leite no Brasil - por Suelen Maistro
Texto completo disponível em https://maepop.com.br/historia-das-amas-de-leite/
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MONTAGEM:
Da esquerda para A direita:
1) João Ferreira Villela com a Ama-de-Leite Mônica, 1860;
2) Mãe preta - foto da coleção de Randolph Linsly Simpson - "Collection of African American History";
3) Ama de Leite - foto sem data (Serra da Mantiqueira);
4) Eugen Keller e sua Mãe Preta em Pernambuco, Brazil, ca. 1874 - foto de Alberto Henschel;
5) José Eugênio Moreira Alves e ama-de-leite, do estúdio de Alberto
Henschel, Recife (1866-1877). Cartão de visita (6,5 x 10 cm) - Coleção
Francisco Rodrigues. CFR 551. Fundação Joaquim Nabuco de Pesqusias
Sociais.
Boa tarde
ResponderExcluirestou editando meu 3º livro agora em Porto Alegre sobre a Arquitetura Barroca Colonial de Viamao. Gostei muito dessa foto sobre as mães pretas. Gostaria de posta-la c os devidos créditos. Pode me passar o autor da foto e/ou montagem?