No dia 23 de setembro de 1936, a judia alemã Olga Benário, mulher do
líder comunista Luís Carlos Prestes, deu adeus ao Brasil. Presa com o
marido em 5 de março do mesmo ano, ela foi deportada, embarcou no navio
La Coruña rumo à cidade de Hamburgo. Nem o fato de estar grávida
impedira o presidente Getúlio Vargas, que assinara decreto de expulsão
no dia 28 de agosto, de entregá-la à Alemanha Nazista de Adolf Hitler.
Olga ainda apelou para ter a filha no Brasil. Sem sucesso. Acabou
morrendo num campo de concentração, aos 34 anos, em abril de 1942.
- Só muitos anos depois de escrita, Prestes receberia a última carta
que Olga escrevera a ele e à filha, ainda em Ravensbrück, na noite da
viagem de ônibus para Bernburg, onde ela morreu na câmara de gás.
.....
"Queridos:
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade.
Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são
mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês
agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não
voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus
braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças - ah,
não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco
desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias
ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não
estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem.
Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu
fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês ? Já volto a sonhar,
como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora,
quando penso nisto de novo, a idéia de que nunca mais poderei estreitar
teu corpinho cálido é para mim como a morte.
Carlos, querido,
amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes?
Conformar-me-ia, mesmo se não pudesse ter-te muito próximo, que teus
olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a
ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver me
dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os
três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca
verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?
Querida
Anita, Meu querido marido, meu garoto: choro debaixo das mantas para que
ninguém me ouça pois parece que hoje as forças não conseguem
alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que
esforço-me para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo
nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este
futuro tão breve que me resta.
De ti aprendi, querido, o quanto
significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as
nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te
agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se
envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte
não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela
chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas...Até o
último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou
dormir para ser mais forte amanhã.
Beijos pela última vez.
Olga."
.....
Na montagem, o cartaz (acima, à direita) refere-se à peça da campanha
Internacional pela libertação de Olga Benário Prestes. Nos braços,
recém-nascida, Anita Leocádia Prestes (1937, França)
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