A crise :No fim da Idade Média, o crescente desprestígio da Igreja do
Ocidente, mais interessada no próprio enriquecimento material do que na
orientação espiritual dos fiéis; a progressiva secularização da vida
social, imposta pelo humanismo renascentista; e a ignorância e o
relaxamento moral do baixo clero favoreceram o desenvolvimento do grande
cisma do Ocidente, registrado entre 1378 e 1417, e que teve entre suas
principais causas a transferência da sede papal para a cidade francesa
de Avignon e a eleição simultânea de dois e até de três pontífices.
Uma angústia coletiva dominou todas as camadas sociais da época,
inquietas com os abusos da Igreja, que exigia dos fiéis dízimos cada vez
maiores e se enriqueciam progressivamente com a venda de cargos
eclesiásticos. Bispos eram nomeados por razões políticas e os novos
clérigos cobravam altos preços pelos seus serviços (indulgências), e nem
sempre possuíam suficientes conhecimento de religião ou compreendiam os
textos que recitavam.
Com as rendas que auferiam, papas e bispos
levavam uma vida de magnificência, enquanto os padres mais humildes,
carentes de recursos, muitas vezes sustentavam suas paróquias com a
instalação de tavernas, casas de jogo ou outros estabelecimentos
lucrativos. Outros absurdos como a venda de objetos tidos como relíquias
sagradas – por exemplo, lascas de madeira como sendo da cruz de Jesus
Cristo – eram efetuados em profusão. Diante dessa situação alienante,
pequenos grupos compostos por membros do clero e mesmo por leigos
estudavam novas vias espirituais, preparando discretamente uma
verdadeira reforma religiosa.
O Luteranismo na Alemanha
Na
Alemanha, o frade agostiniano Martinho Lutero desenvolveu suas
reflexões, criando a doutrina da justificação pela fé como único ponto
de partida para aprofundar os ensinamentos que recebera. Segundo ele,
"Deus não nos julga pelos pecados e pelas obras, mas pela nossa fé".
Enquanto a concessão de indulgências como prática de devoção era
entendida pelos cristãos como absolvição, a justificação pela fé
defendida por Lutero não permitia atribuir valor às obras de caridade,
opondo-se à teoria da salvação pelos méritos. Em 1517, Lutero publicou
suas 95 teses, denunciando falsas seguranças dadas aos fiéis. Segundo
diziam essas teses, só Deus poderia perdoar, e não o papa, e a única
fonte de salvação da Igreja residia no Evangelho. Em torno dessa nova
posição, iniciou-se na Alemanha um conflito entre dominicanos e
agostinianos.
Em 1520 o papa Leão X promulgou uma bula em que dava
60 dias para a execução da retratação de Lutero, que então queimou
publicamente a bula papal, sendo excomungado. No entanto, Lutero
recebera grande apoio e conquistara inúmeros adeptos da sua doutrina,
como os humanistas, os nobres e os jovens estudantes. Consequentemente,
uma revolta individual transformou-se num cisma geral. Na Alemanha as
condições favoráveis à propagação do luteranismo se acentuaram devido à
fraqueza do poder imperial, às ambições dos príncipes em relação aos
bens da Igreja, às tensões sociais que opunham camponeses e senhores, e o
nacionalismo, hostil às influências religiosas de Roma.
O imperador
do Sacro Império Romano-Germânico, Carlos V, tentou um acordo para
tolerar o luteranismo onde já houvesse, mas pretendia impedir sua
propagação. Cinco principados protestaram contra esta sanção, o que
gerou o termo protestantismo. Sentindo a fragmentação cristã em seus
domínios, Carlos V convocou a Dieta de Augsburg, visando conciliar
protestantes e cristãos. Dada a impossibilidade de acordo, os príncipes
católicos e o imperador acataram as condenações, na tentativa de
eliminar o protestantismo luterano. Após anos de luta, em 1555, os
protestantes venceram, e foi assinada a paz, que concedeu liberdade de
religião no Santo Império. Lutero morreu em 1546, mas permaneceu como
grande inspirador da Reforma.
O movimento luterano abriu caminhos
para rebeliões políticas e sociais, não previstas por Lutero. Em 1524
eclodiu a Revolta dos Camponeses, composta em sua maioria por membros de
uma nova seita, os anabatistas. Extremamente agressivos e
individualistas, levaram às concepções de Lutero sobre a livre
interpretação da Bíblia e reclamavam a supressão da propriedade e a
partilha das riquezas da Igreja. Embora sustentando a idéia de liberdade
cristã, Lutero submetia-se a autoridades legítimas, recusando-se a
apoiar os revoltosos. Condenou então as revoltas e incitou os nobres à
repressão. Os camponeses foram vencidos e o protestantismo se expandiu
apenas para os países escandinavos (Suécia, Noruega e Dinamarca), sendo
instrumento de rebelião dos burgueses e comerciantes contra os senhores
de terra, que eram nobres católicos.
O Calvinismo na França
Na
França, o teólogo João Calvino posicionou-se com as obras protestantes e
as idéias evangelistas, partindo da necessidade de dar à Reforma um
corpo doutrinário lógico, eliminando todas as primeiras afirmações
fundamentais de Lutero: a incapacidade do homem, a graça da salvação e o
valor absoluto da fé. Calvino julgava Deus todo poderoso, estando a
razão humana corrompida, incapaz de atingir a verdade. Segundo ele, o
arrependimento não levaria o homem à salvação, pois este tinha natureza
irremediavelmente pecadora. Formulou então a Teoria da Predestinação:
Deus concedia a salvação a poucos eleitos, escolhidos por toda a
eternidade. Nenhum homem poderia dizer com certeza se pertencia a este
grupo, mas alguns fatores, entre os quais a obediência virtuosa,
dar-lhe-iam esperança.
Os protestantes franceses seguidores da
doutrina calvinista eram chamados huguenotes, e se propagaram
rapidamente pelo país. O calvinismo atingiu a Europa Central e Oriental.
Calvino considerou o cristão livre de todas as proibições inexistentes
em sua Escritura, o que tornava lícitas as práticas do capitalismo,
determinando uma certa liberdade em relação à usura, enquanto Lutero,
muito hostil ao capitalismo, considerava-o obra do demônio. Segundo
Calvino, "Deus dispôs todas as coisas de modo a determinarem a sua
própria vontade, chamando cada pessoa para sua vocação particular".
Calvino morreu em Genebra, em 1564. Porém, mesmo após sua morte, as
igrejas reformadas mantiveram-se em contínua expansão.
O Anglicanismo na Inglaterra
Na Inglaterra, o principal fato que desencadeou a Reforma religiosa foi
a negação do papa Clemente VII a consentir a anulação do casamento do
rei Henrique VIII com Catarina de Aragão, impedindo a consolidação da
monarquia Tudor. Manipulando o clero, Henrique VIII atingiu seu
objetivo: tornou-se chefe supremo da Igreja inglesa, anulou seu
casamento e casou-se com Ana Bolena. A reação do papa foi imediata:
excomungou o soberano e, em consequência, o Parlamento rompeu com Roma,
dando ao rei o direito de governar a Igreja, de lutar contra as heresias
e de excomungar. Consolidada a ruptura, Henrique VIII, através de seus
conselheiros, organizou a Igreja na Inglaterra.
Entretanto, a
reforma de Henrique VIII constituiu mais uma alteração política do que
doutrinária. As reais alterações teológicas surgiram no reinado de seu
filho, Eduardo VI, que introduziu algumas modificações fortemente
influenciadas pelo calvinismo. Foi no reinado de Elizabeth I, porém, que
consolidou-se a Igreja Anglicana. A supremacia do Estado sobre a Igreja
foi afirmada e Elizabeth I tornou-se chefe da Igreja Anglicana
independente. A Reforma na Inglaterra representou uma necessidade de
fortalecimento do Estado, na medida em que o rei transformou a religião
numa via de dominação sobre seus súditos.
A Contra-Reforma
A
reação oficial da Igreja contra a expansão do protestantismo ficou
conhecida como Contra-Reforma. Em 1542, o papa Paulo III introduziu a
Inquisição Romana, confiando aos dominicanos a função de impô-las aos
Estados italianos. A nova instituição perseguiu todos aqueles que,
através do humanismo ou das teologias luterana e calvinista,
contrariavam o ortodoxia católica ou cometiam heresias. A Inquisição
também foi aplicada em outros países, como Portugal e Espanha. Em 1545, a
Igreja Católica tomou outra medida: uma comissão de reforma convocou o
Concílio de Trento, desenvolvido em três fases principais, entre 1545 e
1563, fixou definitivamente o conteúdo da fé católica, praticamente
reafirmando suas antigas doutrinas. Confirmou-se também o celibato
clerical e sua hierarquia. Em 1559 criou-se ainda o Índice de Livros
Proibidos, composto de uma lista de livros cuja leitura era proibida aos
cristãos, por comprometer a fé e os costumes católicos.
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