A corrupção só existe em governos civis? Ouvindo os que defendem uma
intervenção militar, fica a impressão de que no período da ditadura não
teriam existido situações de desvio de recursos públicos ou
enriquecimento ilícito. Na verdade, dois motivos principais explicam a
sensação de que naquele tempo não havia irregularidades.
Em primeiro lugar, a censura impedia que denúncias contra integrantes
do regime viessem a público. Se a população não sabia da existência de
falcatruas, era pelo simples motivo de que a imprensa não tinha a
liberdade hoje existente para investigar e denunciar. O outro motivo é
que, como a sociedade civil estava impedida de se organizar
democraticamente, não existiam instrumentos de controle nem órgãos de
fiscalização efetiva sobre as ações do governo.
A Comissão Geral de Investigações (CGI) foi um organismo criado pela
ditadura, após o AI-5, com o objetivo oficial de combater a corrupção.
Foi a responsável por cerca de 3 mil processos, mas seus procedimentos
eram secretos. Além disso, se houvesse suspeitas contra militares, seus
casos não iam para a CGI – eram remetidos a comissões de investigação
próprias das Forças Armadas, e não se tem conhecimento sobre o andamento
dos processos ou suas conclusões.
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Casos notórios
Com todas essas limitações, ainda assim houve muitas denúncias contra
os militares – que, como se sabe, deram o golpe tendo como um dos
pretextos o combate à corrupção. Foram notórios casos como a operação
Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares), empresa dirigida por militares
que foi beneficiada na concorrência para explorar madeira no Pará – pelo
menos 10 milhões de dólares teriam sido desviados em benefício de
agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência
do regime. O fato foi investigado numa Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) na década de 1980.
Outro caso emblemático envolveu o grupo Coroa Brastel, conglomerado
empresarial conhecido principalmente por sua rede de eletrodomésticos
nos anos 1970. Em dificuldades financeiras, a empresa solicitou um
empréstimo à Caixa Econômica Federal, em uma operação em que integrantes
do regime foram acusados de desviar recursos do banco.
Além disso, são bem conhecidos os casos de superfaturamento na
construção da Ferrovia do Aço e os desvios de dinheiro público na
construção de grandes obras, como a rodovia Transamazônica, que nunca
foi concluída.
Empreiteiras beneficiadas
Várias empreiteiras nacionais estão no centro de escândalos políticos
ocorridos nos últimos anos. A prática de favorecer governantes para
obter vantagens, no entanto, era comum também no regime militar, e mesmo
antes. O historiador Pedro Henrique Pedreira Campos estudou o assunto e
publicou um livro a respeito, chamado Estranhas Catedrais – As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar.
Uma das diferenças em relação ao quadro atual, de acordo com o
estudioso, é o fato de que no período do regime militar as empreiteiras
tinham acesso direto ao Estado e seus governantes, sem precisar recorrer
a mecanismos como financiamento de campanha, já que não havia eleições
para presidente ou para governadores.
Se antes as empreiteiras se dedicavam basicamente a obras
rodoviárias, passaram a diversificar suas atividades para outros campos e
também a atuar no exterior. A forte vinculação da Odebrecht com a
Petrobras, por exemplo, vem da década de 1950, mas se consolidou no
período da ditadura. O crescimento da Odebrecht, que passou de 19ª
empresa de maior faturamento em 1971 para a 3ª colocação, em 1973, foi
impulsionado nesses anos do “milagre econômico”. O mesmo ocorreu com
outras empreiteiras, como Andrade e Gutierrez, Mendes Júnior e Camargo
Corrêa. A forte vinculação com o Estado, que as encarregava de tocar as
grandes obras de infraestrutura da época, possibilitou essa ascensão.
>> Veja também: 10 mitos sobre a ditadura militar no Brasil
Situação atual
Com todos os instrumentos de controle hoje existentes, militares são
muitas vezes investigados por casos de propinas e má utilização de
recursos públicos. Os dados a respeito não são de amplo conhecimento por
causa da tramitação secreta que costuma acompanhar esses processos.
Vieram a público, em outubro de 2017, informações sobre registros da
Procuradoria Geral de Justiça Militar com algumas dessas denúncias. De
acordo com reportagem da revista Época, somente em casos que
teriam causado prejuízos superiores a R$ 100 mil aos cofres do Estado,
havia 255 processos por peculato (desvio de dinheiro público, realizado
por servidor, em proveito próprio) e 60 por corrupção ativa ou passiva,
abertos nos cinco anos anteriores. Os casos foram enviados ao Tribunal
de Contas da União (TCU). Estima-se que o prejuízo causado tenha sido de
pelo menos 30 milhões de reais.
Em alguns processos, já há decisões. O Superior Tribunal Militar
condenou um tenente-coronel e sete civis por terem desviado recursos em
obras da BR-163, no Pará, o que causou prejuízo de 7,6 milhões de reais.
A mesma corte condenou um tenente-coronel do Exército à perda do
emprego e da patente, depois de ter sido condenado a seis anos de
reclusão por desvios de recursos que somaram 538 mil reais. São casos
que mostram como as Forças Armadas não estão dissociadas das mazelas que
afligem a nossa sociedade.
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