O grande problema da caça às bruxas, e o que acabou gerando numero
tão grande de inocentes condenados à fogueira, foi a tortura. Ela entrou
nos processos judiciais de feitiçaria graças a uma autorização papal de
1252. Foi quando o pontífice de sugestivo nome Inocêncio IV permitiu
que inquisidores usassem a tortura em casos de heresia, o tipo de
transgressão mais grave contra os preceitos da lgreja Católica.
Como nessa nova versão da bruxaria as feiticeiras eram unha e carne com o
Diabo, elas se tornaram ameaça imensa contra o catolicismo. Ou seja,
podiam ser condenadas por heresia. Aos olhos do clero, aliás, eram as
maiores hereges possíveis. E, como tais, estavam sujeitas a serem
torturadas.
Os métodos eram os piores imagináveis, mas havia
regras. Teoricamente, era proibido supliciar alguém mais de uma vez,
assim como era vetado torturar mulheres grávidas e crianças. Havia
também um método mais indicado: a suspensão, no qual uma pessoa era
erguida pelos braços amarrados atrás das costas e depois puxada para
baixo com pesos nos pés. Na prática, no entanto, nada disso acontecia.
Todas as regras eram desrespeitadas. Principalmente a primeira delas, a
proibição da repetição, era convenientemente ignorada, e as bruxas
acabavam torturadas diversas vezes, repetidamente.
Os martírios
eram inúmeros e diversificados. Primeiro, as acusadas eram despidas e
tinham os pelos raspados. Em seguida, os torturadores vasculhavam o
corpo em busca de algum sinal do Diabo - acreditava-se que o demônio
deixava uma marca em seus aliados, na qual eles não sentiriam dor nem
sangrassem.
Por consequência, as acusadas acabavam sendo
espetadas por toda parte. Só então começava a tortura. Esmagavam-se os
dedos, os membros eram estraçalhados, os olhos furados, as orelhas
arrancadas, as pessoas impedidas de dormir ou de comer, jogava-se ácido
sobre elas e furava-se a coluna com pontas de faca. Para aumentar a
"eficiência", os algozes continuavam as maldades pelo tempo que fosse
necessário, até que a vítima confessasse tudo e qualquer coisa - e ainda
indicasse nomes de supostos cúmplices.
O resultado é que todo
mundo sucumbia e acabava citando nomes de conhecidos... Essas outras
pessoas, por sua vez, eram levadas a julgamento, torturadas e obrigadas a
entregar mais nomes, em uma interminável bola de neve da barbárie, Há
relatos de vilarejos em que apenas uma mulher sobreviveu para contar a
história. Todas as outras foram executadas por bruxaria.
O problema da tortura, além da óbvia questão moral, foi que ela alimentou a busca incessante por cada vez mais bruxas.
Cada vez que uma mulher inocente era torturada, acabava confessando
qualquer história inacreditável que o juiz sugerisse - de assar
bebezinhos a manusear o pênis gelado do Diabo. O juiz, satisfeito com
mais uma bruxa desmascarada, fazia anotações do que seria supostamente o
comportamento-padrão das bruxas e usava o mesmo roteiro na hora de
torturar a próxima vítima - que obviamente acabaria assumindo todos os
mesmos crimes.
Assim, foi-se criando um extenso imaginário dos
atos de bruxaria, que se confirmava a cada novo julgamento. De repente,
mulheres de toda a Europa estavam assumindo fazer sexo com um ser que
não existia e crimes que elas nem sequer podiam ter cometido, como voar
em vassouras.
Apenas a possibilidade de tortura já era suficiente
para espalhar a bruxaria, porque muitas acusadas preferiam confessar de
antemão crimes que não haviam cometido para evitar a dor e a
humilhaçăo: julgavam que era preferível morrer logo de uma vez a ficar
adiando o inevitável. As confissões espontâneas, por sua vez, só
confirmavam a crenca na magia. Uma coisa as bruxas da vida real tinham
em comum com as parceiras dos contos de fadas: assim como na literatura,
não havia final feliz para elas.
Ninguém resistia às torturas
intermináveis, principalmente se, como a maioria, elas não tinham o que
confessar. Na prática, os interrogatórios e a tortura viravam longas
sessões de crueldade nas quais as condenadas ficavam tentando adivinhar o
que os inquisidores queriam ouvir, com a esperança de que as deixassem
em paz. A maior prova disso é que nos países em que a tortura era
proibida, como na Inglaterra, o número de execucões era imensamente
menor.
Quando ela era utilizada, 95% das acusadas acabavam
condenadas à morte - mas, quando era proibida, a taxa de condenação caía
para menos de 50% como no Reino Unido. A diferença não estava no fato
de que as bruxas inglesas fossem menos cruéis, mas sim que suas colegas
continentais eram torturadas incansavelmente e, assim, não
consequiamevitar a confissão de crimes muito piores que poderiam levar à
pena de morte. De fato, na Inglaterra, a crença em pactos com o Diabo e
em satanismo nunca foi difundida como no resto do continente europeu.
.....
FONTE: "O Lado Sombrio dos Contos de Fadas - A Origem Sangrenta das Histórias Infantis", por Karin Hueck
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