Em anos atribulados, surgem os grupos escolares e ganham força os ideais escolanovistas.
Com a Proclamação da República, o Brasil adotou o federalismo e o
poder, até então centralizado no imperador, foi dividido entre o
presidente e os governos estaduais (leia os capítulos anteriores desta
série). O período foi marcado pelo desenvolvimento da indústria, pela
reestruturação da força de trabalho - não mais escrava -, pelas greves
operárias e pela Semana de Arte Moderna. No mundo, aconteceu a Revolução
Russa, a Primeira Guerra Mundial e a queda da bolsa de Nova York. Essas
transformações tiveram ecos na Educação. A ideia do ensino como direito
público se fortaleceu e surgiram modelos que se perpetuaram.
No
Brasil, com a Constituição de 1891, a União ficou responsável apenas
pela Educação no Distrito Federal (então, o Rio de Janeiro). "Os estados
mais ricos assumem diretamente a responsabilidade pela oferta de ensino
e os mais pobres repassam-na para seus municípios, ainda mais pobres",
comenta Romualdo Portela no livro Educação e Federalismo no Brasil:
Combater as Desigualdades e Garantir a Diversidade.
Diante da
fragmentação organizativa e da falta de uma orientação nacional,
surgiram diversas propostas de reforma. Elas eram calcadas em diferentes
ideais que passaram a disputar espaço. Os embates principais foram
entre o positivismo e o escolanovismo, mas também estavam presentes os
ideais católicos e o anarquismo.
Diferentes concepções de ensino
As ideias positivistas ganharam força com a reforma de 1890, organizada
por Benjamin Constant (1833-1891). Adepto das teses do filósofo francês
Auguste Comte (1798-1857), ele foi nomeado chefe do Ministério da
Instrução Pública, Correios e Telégrafos - primeiro órgão desse nível a
se ocupar da Educação. Propôs mudanças nos ensinos primário (de 7 a 13
anos) e secundário (de 13 a 15 anos) do Distrito Federal, priorizando
disciplinas científicas como Matemática e Física, em detrimentos das
humanas - que eram o foco das escolas de primeiras letras, criadas no
Império.
A resistência da elite e da Igreja católica impediram
que o projeto de Constant avançasse, mas ele abriu espaço para outras
propostas. A que alcançou maior êxito foi a reforma paulista,
implementada de 1892 a 1896. Ela tinha como base a criação dos grupos
escolares. Como relata Dermeval Saviani no livro História das Ideias
Pedagógicas no Brasil (489 págs., Ed. Autores Associados, tel.
19/3289-5930, 89 reais), esse modelo - que foi replicado na maioria dos
estados - reunia em um mesmo espaço as antigas escolas de primeiras
letras. O ensino passou a ser organizado em séries e os estudantes foram
divididos por faixa etária.
Tornou-se necessário formar mais
professores. A intenção do governo paulista era abrir quatro novas
Escolas Normais, mas só a da capital saiu do papel no início da
República. Paralelamente, foi criada uma solução rápida, mas de
qualidade inferior: as escolas complementares. Foi preciso, também,
estruturar a administração da Educação e formular diretrizes e normas.
"Isso gerou novas relações de poder dentro das escolas e, a partir de
1894, surge o cargo de diretor escolar", registra Jorge Uilson Clark, no
artigo A Primeira República, as Escolas Graduadas e o Ideário do
Iluminismo Republicano: 1889-1930. A direção era reservada aos homens.
Já as vagas de professores da Educação primária eram amplamente
preenchidas por mulheres. Rosa Fátima de Souza, da Universidade Estadual
Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), destaca que era um trabalho
socialmente aceito e elas concordavam em ganhar salários baixos, pouco
atraentes ao público masculino.
Na base pedagógica da reforma
paulista estavam princípios como a simplicidade, a progressividade, a
memorização e a autoridade, fundamentada no poder do professor e em
prêmios e castigos aos estudantes. Rosa complementa que os docentes eram
bastante pressionados pelo estado. "Notamos uma preocupação nos relatos
de professores da época em cumprir o programa. O aluno que repetia
trazia um gasto extra que preocupava a escola", ela diz. A Educação,
então, tinha um viés excludente, já que quem era reprovado (cerca de
50%) acabava deixavando de estudar.
"A exclusão também se dava em
função da localização geográfica e do número de unidades escolares",
explica Vera Lúcia Gaspar da Silva, da Universidade do Estado de Santa
Catarina (Udesc). Embora grande parte da população estivesse no campo,
os grupos eram construídos nas cidades. Nas áreas rurais, havia apenas
escolas isoladas, com uma sala e alunos de diferentes idades.
Linha do tempo
1891 É proclamada a Constituição e a Educação fica a cargo de estados e municípios.
1892 A reforma paulista propõe os grupos escolares, com a divisão dos alunos em séries.
1914 Começa a Primeira Guerra Mundial, que segue até 1918.
1920 Ocorre a Reforma Sampaio Dória, em São Paulo, seguida por outras sete.
1930 A revolução e um golpe de estado levam Vargas ao poder.
Esforços para democratizar
A ideia de uma Educação para todos só ganhou força na década de 1920.
Nesse período, se destacaram os pioneiros da Escola Nova - Anísio
Teixeira (1900-1971), Fernando de Azevedo (1894-1974), Lourenço Filho
(1897-1970) e outros -, que defendiam a escola pública e laica,
igualitária e sem privilégios (leia a frase de Teixeira na primeira
página e a pergunta de concurso abaixo).
O estopim das mudanças
foi a Reforma Sampaio Dória, em São Paulo, em 1920, que leva o nome do
então diretor-geral da Instrução Pública do estado, Antonio de Sampaio
Dória (1883-1964). Preocupado com o fato de metade da população de 7 a
12 anos estar fora da escola e com um baixo orçamento, ele propôs uma
etapa inicial de dois anos (equivalente ao começo do Ensino Fundamental
atual), gratuita e obrigatória.
O projeto foi engavetado
rapidamente, mas abriu espaço para ações estruturais em vários estados.
Em um período de seis anos, educadores lideraram reformas no Ceará, no
Paraná, no Rio Grande do Norte, na Bahia, em Minas Gerais, no Distrito
Federal e em Pernambuco. Segundo Saviani, elas alteraram a instrução
pública em aspectos como a ampliação da rede de escolas e a reformulação
curricular.
Paralelamente, a corrente anarquista conquistou
espaço e passou a influenciar a Educação. Foram fundadas escolas
operárias em quase todos os estados, geridas pela comunidade. Tendo como
base a Pedagogia libertária e as ideias do espanhol Francisco Ferrer y
Guardia (1859-1909), as instituições fugiam do dogmatismo e
fundamentavam o currículo na ciência, como descreve Angela Maria Souza
Martins, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio),
no artigo A Educação Libertária na Primeira República.
Incomodada
com a perda de espaço, a Igreja católica também orquestrou uma reação,
pressionou os governos para o restabelecimento do ensino religioso,
publicou livros didáticos e artigos em revistas e jornais e continuou a
atuar na formação de professores. Da mesma maneira, as elites tentavam
reconquistar seu poder. De outro lado, os escolanovistas cresciam cada
vez mais e se preparavam para a publicação do Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, em 1932, já no governo de Getúlio Vargas (1882-1945).
AUTORIA: Elisa Meirelles
FONTE: https://novaescola.org.br/…/primeira-republica-um-periodo-d…
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