"As primeiras salas de aula em nossa terra foram criadas pelos jesuítas para evangelizar os índios
Inicialmente, os curumins (filhos dos índios) e órfãos portugueses.
Mais tarde, os filhos dos proprietários das fazendas de gado e dos
engenhos de cana-de-açúcar e também dos escravos. Em todos os casos,
apenas meninos. Esses foram os primeiros alunos da Educação formal (e
letrada) brasileira. E os padres jesuítas, os primeiros professores. De
1549, quando o padre Manuel da Nóbrega (1517-1570) chegou ao nosso
território na caravela do governador-geral Tomé de Sousa (1503-1579),
até 1759, quando Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o
marquês de Pombal, expulsou a Companhia de Jesus, a catequização e o
ensino se misturaram.
Franciscanos e outras ordens religiosas
chegaram a realizar algumas tentativas pontuais de ensino, como lembra
Dermeval Saviani em História das Ideias Pedagógicas no Brasil (498
págs., Ed. Autores Associados, tel. 19/3289-5930, 89 reais), mas foram
os jesuítas que lograram a constituição de uma rede educacional. Os
primeiros passos foram dados nas casas de bê-á-bá (ou confrarias de
meninos). "Logo após o desembarque, os jesuítas iniciaram a conversão
dos índios ao cristianismo ensinando os rudimentos do ler e escrever,
numa concepção evangelizadora que se materializaria, depois, nos famosos
catecismos bilíngues, em tupi e português", escrevem Amarilio Ferreira
Jr. e Marisa Bittar, docentes da Universidade Federal de São Carlos
(Ufscar), no artigo A Gênese das Instituições Escolares no Brasil.
O objetivo principal era catequizar - afinal, a Igreja Católica se
sentia ameaçada pela Reforma Protestante -, mas para isso todos
precisavam saber ler. "As letras e a doutrina estavam imbricadas na
cultura europeia medieval vigente ainda nos séculos 16 e 17. E a
gramática portuguesa também vinha carregada de orações e pensamentos
religiosos", explica José Maria de Paiva, da Universidade Metodista de
Piracicaba (Unimep).
Nas casas de bê-á-bá, moravam os padres e
meninos órfãos trazidos de Portugal. Esses pequenos estudantes ajudavam a
despertar a atenção das crianças indígenas. As aulas eram bilíngues (em
português e tupi, considerada a língua predominante no litoral, onde a
ocupação brasileira começou) e o ensino dos dogmas católicos era seguido
de perto pela desvalorização dos mitos indígenas. Segundo relato do
padre José de Anchieta (1534-1597) a Inácio de Loyola (1491-1556),
fundador da Companhia de Jesus, os índios entregavam seus filhos "de boa
vontade" para serem ensinados e, ao retornar para o convívio com seus
pais, as crianças colaboravam para disseminar o ideário católico entre
os adultos.
Não havia uma formação específica para que um padre
se tornasse professor. "Bastava saber ler e escrever, mas principalmente
conhecer as Sagradas Escrituras, já que a escola era quase um sinônimo
de sacristia e estudar significava se tornar um bom cristão", comenta
Marisa. O método consistia em ouvir e repetir o que os sacerdotes
ensinavam. "Quanto mais fiel aos ensinamentos, melhor", complementa
Ferreira Jr.
Outro marco da didática da época era o uso do teatro
e da poesia para ensinar. "Anchieta inspirou-se nos usos e costumes
indígenas, utilizando-se das músicas, das danças e dos cantos usados em
suas festas cerimoniais em seus autos. Para atingir os objetivos de
catequizar e educar, os cânticos e as poesias eram traduzidos e
adaptados", contam as pesquisadoras Yara Kassab, Inez Garbuio Peralta e
Vera Cecília Machline no artigo O Lúdico Na Festa de São Lourenço de
José de Anchieta. Nas cenas, os hábitos dos nativos eram adaptados para
uma vida considerada mais cristã e costumes como a nudez e a bigamia
eram criticados. "O jesuíta percebe que o teatro podia ser uma
estratégia pedagógica promissora e um instrumento de comunicação com os
índios para transmissão da doutrina católica, dos valores morais e
culturais europeus ocidentais, bem como a propagação da Língua
Portuguesa", completam.
Saviani lembra que Anchieta (leia a frase
do padre abaixo) era um "hábil conhecedor de línguas". Além do
espanhol, seu idioma nativo, ele sabia português e latim e, após sua
chegada ao Brasil, aprendeu rapidamente a chamada "língua geral" dos
indígenas. Foi responsável por elaborar uma gramática do tupi, que
facilitou muito o trabalho de evangelização.
Centenas de regras documentadas
A atuação dos jesuítas no ensino não foi exclusividade do Brasil. Eles
também abriram colégios na Europa, na Ásia e em outros países da
América. Diante disso, a ordem quis regulamentar sua ação educativa e o
fez com o Ratio Studiorum, promulgado em 1599, com mais de 400 regras
(leia a pergunta de concurso sobre a atuação dos jesuítas abaixo). O
documento reafirma pontos de estatutos anteriores e dá a dimensão da
integração entre religião e Educação.
Um bom exemplo é a regra
número 34, apresentada por Norberto Dallabrida, professor da
Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), no artigo Moldar a
Alma Plástica da Juventude: a Ratio Studiorum e a Manufatura de Sujeitos
Letrados e Católicos. Ela trata da seleção dos livros: "Tome todo o
cuidado, e considere este ponto como da maior importância, que de modo
algum se sirvam os nossos, nas aulas, de livros de poetas ou outros que
possam ser prejudiciais à honestidade e aos bons costumes, enquanto não
forem expurgados dos fatos e palavras inconvenientes; e se de todo não
puderem ser expurgados (...) é preferível que não leiam para que a
natureza do conteúdo não ofenda a pureza da alma".
Com as novas
determinações e necessidades da Companhia, as casas de bê-á-bá foram
dando lugar aos colégios, e a Educação passou a ser iniciada com
conteúdos que hoje seriam equivalentes ao Ensino Médio. A alfabetização
era necessária para acompanhar esses estudos. E o foco do ensino mudou
dos curumins para os filhos de colonos. "Os filhos dos escravos também
eram alfabetizados para serem convertidos", diz Ferreira Jr.
Outro expoente dessa ordem religiosa, o padre Antônio Vieira (1608-1697)
teve uma intensa produção de sermões voltados para os negros trazidos
da África para o Brasil. "O jesuíta visava inculcar na mente dos
escravos a concepção cristã de mundo, buscando a sua adesão e obediência
a esses valores", resumem Ferreira Jr. e Marisa.
Muito esforço nas aulas
Nos colégios do século 17, a progressão do aprendizado começava pela
doutrina cristã e seguia com as aulas de Humanidades (voltadas para
várias línguas) e, depois, as de Teologia, Direito Canônico, Filosofia e
Retórica. Ao fim dessas etapas, os estudos poderiam ser continuados em
universidades europeias. Ferreira Jr. e Marisa ressaltam, ainda, o
ensino de ofícios manuais em território brasileiro. Com isso, formavam a
mão de obra necessária para os engenhos e outros espaços.
Ao
descrever os preceitos do Ratio Studiorum, Dallabrida mostra que as
aulas dos jesuítas eram rigorosamente orientadas pelo documento. Os
professores deveriam passar exercícios para os alunos constantemente,
solicitar trabalhos escritos diariamente e corrigi-los um a um.
Era comum os estudantes participarem de desafios com perguntas propostas
pelo educador ou por colegas. Quem demonstrava conhecimento era
premiado. O docente definia o lugar de cada um na sala de aula e, diante
de alguma desobediência, os castigos físicos eram usados apenas em
último caso e aplicados por alguém que não pertencesse à Companhia. "As
regras para o Brasil eram as mesmas que regiam a escolarização europeia.
Havia rigor na observância delas, qualquer que fosse a região", alerta
Paiva.
Com tanto esmero, os especialistas estimam que os padres
converteram todos os índios do litoral que sobreviveram ao contato com
os portugueses. E calculam que mais de 20 colégios foram implantados até
1759. Nesse ano, porém, o marquês de Pombal ordenou o fechamento das
escolas e a expulsão dos jesuítas para implantar seu sistema
educacional. Ele instaurou as aulas régias, que você vai conhecer no
próximo capítulo.
Linha do tempo
1500 Os portugueses chegam aqui e encontram vários povos indígenas.
1530 As capitanias hereditárias são criadas e começa o cultivo de cana-de-açúcar.
1549 Primeiro grupo de jesuítas desembarca em solo tupiniquim.
1599 A Companhia de Jesus promulga o Ratio Studiorum.
1759 O marquês de Pombal expulsa os jesuítas do Brasil.
Fonte História da Educação (Maria Lúcia de Arruda Aranha, 256 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-7707-653, 65,90 reais)"
AUTORIA: Ana Ligia Scachetti
FONTE: https://novaescola.org.br/conteudo/3433/ensino-com-catecismo
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