Em 13 de dezembro de 1864, o Paraguai declarou guerra ao Brasil,
iniciando o que seria o conflito mais sangrento da América Latina, em
que mais de 300 mil vidas se perderiam dos dois lados, entre batalhas,
fome e doenças. O Paraguai seria aniquilado na guerra: perdeu 75% de sua
população adulta e reduziu seu papel geopolítico a pouco mais que um
estado-tampão entre Argentina e Brasil, oscilando entre ser dominado
politicamente por um ou outro.
O ditador do Paraguai, Francisco Solano López, entrou na guerra
conhecendo alguns fatos. A população do Brasil era dez vezes maior que a
do Paraguai, cerca de 8 milhões de habitantes, contra 800 mil. A
Argentina, forte aliada do Brasil, tinha cerca de 2,5 milhões. Ambos os
países tinham acesso desimpedido ao oceano Atlântico para comprar armas,
navios e o que mais precisassem da Europa e dos Estados Unidos,
enquanto o único acesso ao mar do Paraguai era por meio dos rios Paraná e
Prata, cruzando o território argentino.
À primeira vista, e sabendo como a guerra terminou, López parece ter
sido um louco suicida. Ele era impulsivo e autoritário. Mas suicida ele
não era. E tinha um plano - ou pelo menos uma aposta. E, no seu jogo,
conquistar acesso ao mar era fundamental.
Tríplice Aliança ao contrário
A primeira coisa sobre o plano de López é que ele não esperava ter de
enfrentar Brasil, Uruguai e Argentina, situação que se consolidou com a
criação da Tríplice Aliança, em 1º de maio de 1865. Ao contrário,
esperava ter Uruguai e Argentina a seu lado e quem sabe unificar os 3
países ao fim da guerra e criar uma grande nação nas fronteiras do
antigo vice-reino do Rio da Prata, do Peru à Patagônia. "López imaginava
uma Tríplice Aliança ao contrário", diz Francisco Doratioto, professor
da Universidade de Brasília e autor de Maldita Guerra e Osório.
Os uruguaios eram aliados de López, e a guerra só começou, tecnicamente,
porque o Brasil invadiu o Uruguai, em guerra civil desde 19 de março de
1863, em apoio ao ex-presidente Venancio Flores e 1,5 mil voluntários
do Partido Colorado, que desafiou o governo de Montevidéu, controlado
pelo Partido Nacional (ou Blanco). Os brasileiros, que formavam um terço
da população do Uruguai, apoiavam Flores e passaram a sofrer ataques
dos partidários blancos. Em 30 de agosto de 1864, o Paraguai havia
mandado um ultimato ao Brasil: invadir o Uruguai seria um ato de guerra.
O Brasil ignorou o ultimato e declarou guerra ao governo blanco em 10 de
novembro de 1864, com o apoio tácito da Argentina. "Nem Argentina nem
Brasil acreditavam que o Paraguai reagiria a um ataque ao Uruguai", diz o
jornalista Moacir Assunção, autor de Nem Heróis, Nem Vilões: Curepas, Caboclos, Cambás, Macaquitos e Outras Revelações da Sangrenta Guerra do Paraguai. Mas López cumpriu a ameaça e atacou o Brasil. Não na fronteira com o Uruguai, mas em Mato Grosso, em dezembro de 1864.
López não contava só com o apoio dos blancos. Havia recebido promessas
de Justo José Urquiza. Governador da província de Entre Rios, Urquiza
era o maior proprietário rural da Argentina, presidente entre 1854 e
1860, e inimigo do presidente argentino, Bartolomé Mitre. O plano de
López era invadir o país ao norte, juntar-se às forças de Urquiza ao sul
e seguir para Buenos Aires. Se tudo funcionasse, os 3 aliados -
Paraguai, Uruguai e Argentina - atacariam o Brasil.
Blitzkrieg paraguaia
A aposta paraguaia não era apenas diplomática. O Exército paraguaio era
muito maior que o brasileiro no começo da guerra. Os paraguaios tinham
uma força de 64 mil homens, e os preparativos para a guerra começaram
meses antes da declaração, enquanto as tensões entre Brasil e Uruguai se
acumulavam. O Exército brasileiro tinha 18 mil efetivos, mal-armados e
malvestidos, informações que os blancos uruguaios fizeram questão de
levar ao ditador paraguaio. Segundo Doratioto, López queria fazer uma
blitzkrieg do século 19. "Ele tinha um plano inteligente e bem
estruturado. Era um ataque-relâmpago, uma coisa à frente do seu tempo."
A blitzkrieg paraguaia também contava com outra manobra inteligente:
fazer os brasileiros acreditarem que os paraguaios atacariam por outra
região, causando um imenso problema logístico. A ofensiva em Mato Grosso
envolveu duas colunas e 9 mil homens, que conquistaram cidades como
Albuquerque, Coxim e Corumbá até abril de 1865. Os brasileiros esperavam
um ataque à capital da província, Cuiabá, que nunca aconteceu. Sem
estradas que chegassem à região, a contraofensiva brasileira levou de
abril a dezembro de 1865 para se mover de Minas Gerais ao Mato Grosso.
Quando finalmente alcançaram a província, os paraguaios simplesmente se
retiraram - exceto de Corumbá, onde resistiram até junho de 1867.
Enquanto os brasileiros se perdiam no próprio Brasil, López preparava
seu verdadeiro ataque. O Paraguai declarou guerra à Argentina em 18 de
março de 1865. Em 13 de abril, um contingente enorme de tropas
paraguaias - 37 mil homens - invadiu a província de Corrientes pelo rio
Paraná. Com Corrientes capturada quase sem resistência, em maio, as
tropas se dividiram. Cerca de 12 mil ficaram na cidade e 25 mil rumaram
para o Rio Grande do Sul, onde tomaram São Borja, em 12 de junho, e
Uruguaiana, em 5 de agosto. Era o plano de López em ação.
Traição na Argentina
A primeira má notícia para López aconteceu no início da invasão à
Argentina. Comandando as tropas para a retomada de Corrientes, apareceu
ninguém menos que Justo José Urquiza. O caudilho havia feito promessas a
López, mas havia recebido outra visita. O general e senador brasileiro
Manuel Luís Osório, com quem teve uma conversa estratégica. "Os
brasileiros compraram Urquiza", diz Assunção. Ele foi convencido por
Osório de que lucraria muito mais apoiando Brasil e o governo argentino.
Para a surpresa de López, o ex-presidente argentino conduziu suas
tropas com rara ferocidade. A decisão de Urquiza também surpreendeu
muitos argentinos, e vários desertaram a favor do Paraguai nos primeiros
meses da campanha. De forma que, em 25 de maio de 1865, quando uma
tropa argentina conseguiu reconquistar a cidade de Corrientes, a glória
durou menos de 24 horas: os argentinos recuaram, deixando a cidade
pronta para ser reconquistada pelos paraguaios. Ainda assim, López
destituiu do comando o general Resquín, líder da invasão, que seria
executado em janeiro de 1866.
Baixas de uma ditadura
O plano de López começou a naufragar, literalmente, no arroio Riachuelo,
em 11 de junho de 1865. A ideia era tomar a esquadra brasileira, de 9
vapores, atacando-os por meio de abordagem - os soldados saltam para
dentro do navio inimigo de forma a capturá-lo intacto. A chave do ataque
era o fato de os navios brasileiros serem a vapor. À noite, apagavam-se
as caldeiras, acesas novamente de manhã. Levava uns 20 minutos até a
água ferver e o navio estar em condições de se mover. Assim, os navios
paraguaios - também a vapor, e em mesmo número que os brasileiros -
poderiam se aproximar da frota nacional.
Uma avaria, no entanto, atrasou o ataque. E aqui o autoritarismo
político do Paraguai se mostrou uma desvantagem. "Ninguém ousava
contrariar López, que havia ordenado um ataque para aquele dia", diz
Doratioto. Com medo do ditador, os paraguaios atacaram com dois navios a
menos e só às 9h30, quando os barcos brasileiros estavam totalmente
operantes. As abordagens foram repelidas a canhonaços. Ao fim do dia, a
esquadra paraguaia jazia no fundo do rio Paraná. A Batalha de Riachuelo
foi um desastre que isolou o país do resto do mundo.
Quando os paraguaios invadiram o Rio Grande do Sul, já era tarde para os
blancos uruguaios. Em 20 de fevereiro de 1865, brasileiros e colorados
haviam conquistado Montevidéu e Venancio Flores assumiu um governo
pró-Brasil. Em 18 de agosto, duas semanas após tomar a cidade, os
paraguaios se renderam em Uruguaiana, diante de dom Pedro 2º, Bartolomeu
Mitre e Venancio Flores. Foi o fim da ofensiva do sul. Em 31 de
outubro, as tropas paraguaias em Corrientes se retiraram. A partir daí, a
guerra seria uma longa e agonizante defensiva para Solano López,
culminando com a captura de Assunção, em 1º de janeiro de 1869. A fuga
do ditador pelo interior do país acabou em 1º de março de 1870. Numa
emboscada à última tropa paraguaia em Cerro Corá, o cabo brasileiro
Chico Diabo atingiu o ditador com uma lança. Sem se render, López foi
morto a balas ali mesmo.
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