O
linguista dinamarquês Holger Pedersen, no início do século XX (1903),
ao estudar línguas antigas, como o grego e o hebraico, percebeu padrões
semânticos que apontavam para a existência de uma língua ainda mais
pretérita, que havia precedido esses idiomas e que serviu de tronco
linguístico comum a eles. Para esta proto língua, anterior ao grego e o
hebraico, Pedersen deu o nome de "nostrático".
O
fato de diferentes línguas apresentarem um tronco linguístico comum não
é uma novidade. Um exemplo deste fenômeno, que não podemos esquecer, é a
derivação da língua portuguesa, do espanhol e do italiano de um tronco
linguístico comum que foi o latim.
Após
esta descoberta de Holger Pedersen, muitos linguistas se debruçaram
sobre a pesquisa do nostrático. Atualmente, a Universidade de Cambridge,
no Reino Unido, constitui um dos principais centros de estudo deste
idioma pré-histórico. Inclusive, no portal virtual da Cambridge há uma
plataforma de livre acesso para um dicionário de nostrático. (Deixaremos
o link do dicionário ao final deste texto).
A
intensa pesquisa acadêmica demonstrou que o nostrático influenciou um
conjunto bem maior de idiomas pelo globo. Entre eles, podemos citar: as
línguas afro-asiáticas, a dravídica, a elamita, a esquimó, o
indo-europeu, o sumério e a urálica.
Atualmente,
acredita-se que a fase áurea do nostrático se deu no período
mesolítico, que compreendeu às mudanças culturais entre o paleolítico e o
neolítico. Neste contexto, o nostrático foi a forma de expressão típica
de uma fase de intensas mudanças econômicas e sociais. Os grupos
humanos deixavam a economia meramente baseada na caça e na coleta e
iniciavam a importante revolução agrícola. O homem deixava uma vida
nômade para se fixar numa região (passando ao sedentarismo). A
implementação de técnicas agrícolas cada vez mais eficazes levaria à
obtenção de um excedente de produção que propiciou um modo de vida
totalmente inovador, que foi o urbano.
Esse
conjunto de transformações culturais e as possibilidades migratórias
levando grupos a se fixarem em regiões cada vez mais distantes acarretou
na paulatina transformação do nostrático em diversos outros idiomas.
Este é, aliás, um fenômeno muito comum na produção da comunicação
falada. Para se ter uma ideia, nos tempos atuais há cerca de 6.909
línguas com falantes no mundo. A maioria destas línguas deriva por volta
de apenas 35 troncos linguísticos distintos entre si. Certamente, no
período pré-histórico também houve uma grande diversidade de códigos
falados além do citado nostrático.
Ocorre
que a fala é uma característica essencial do ser humano. O homem possui
duas dimensões evolutivas: a biológica e a cultural. Na biológica, como
ocorre com todas as demais espécies animais, a configuração
anotômico-fisiológica foi se transformando através do processo de
seleção natural. Por outro lado, a dimensão cultural é única da espécie
humana. Através da cultura o homem produz respostas às exigências do
meio através da solução de problemas e não mais do puro instinto.
Contudo, o acervo cultural deve ser transmitido de uma geração a outra
através da língua e da fala. Neste sentido, muitos pesquisadores
asseveram que o ser humano não nasce homem, ele se torna homem. É o
convívio social e a transmissão da cultura que humaniza o indivíduo. A
língua constitui o código formal institucionalizado e a fala é a
mensagem enunciada pelos sujeitos da comunicação.
Diversos
estudiosos, notadamente em sede antropológica, aventaram várias
hipóteses para explicar o surgimento da fala entre os humanos. Temos a
teoria onomatopeica da fala que prevê a origem dela através da imitação
de sons, ruídos, gritos, dando-lhes um caráter verbal. A teoria dos
gestos sugere que a fala surge da tentativa de se acompanhar, com a
língua, os gestos realizados com o corpo. Há a teoria da evolução da
cultura material, preconizando que quanto mais sofisticada se tornou a
indústria lítica, mais complexo se tornou o cérebro humano, o que
possibilitou o evento da fala. A teoria musical, proposta pelos
professor Otto Jespersen, imagina que o homem ao aprender a tirar sons
rítmicos dos instrumentos dados pela natureza (pedras, madeiras, etc)
passou a cantarolar acompanhando a melodia.
Outra
tentativa interessante de se explicar a origem da fala é a "teoria da
caça". Nesta concepção, a articulação da fala foi uma necessidade
imposta a partir do exercício da caça de animais de grande porte. Caçar
animais de grande porte era uma tarefa complicada. O homem possui uma
estrutura física frágil perante a maioria dos grandes animais. Por isso,
o êxito da caçada estava numa ação conjunta dos indivíduos em torno de
uma estratégia comum. Para coordenar essa estratégia no campo de caça
foi de importância sine qua non o código sonoro. Pois a comunicação por gestos desviaria a atenção visual que deveria estar focada na presa.
Todas
estas teorias possuem muitas críticas. Contudo, todas elas podem
concorrer, em parte, para a explicação do nascimento da fala.
Estudos
anatômicos realizados em fósseis humanos concluíram que não apenas o
homo sapiens sapiens, mas diversos outros gêneros humanos possuíam a
capacidade para a fala. Muitos daqueles também produziam uma indústria
lítica, possuindo cultura. E sabemos que cultura e linguagem andam
associadas uma à outra. Notadamente, o homem de neandertal apresentava
uma cultura bem desenvolvida. Seus fósseis são achados conjuntamente com
objetos manufaturados. E seus ritos funerários apontam para a presença
da religião e de uma cultura mais complexa. Provavelmente houve um ou
mais idiomas neandertais. O problema é que estes grupos jamais chegaram
ao estágio de invenção da escrita. Somente o homo sapiens sapiens
desenvolveu uma codificação gráfica para representar a língua falada.
Desta forma, não há qualquer vestígio das supostas línguas faladas por
outros hominídios.
Saliente-se
que foi o advento da escrita que foi tomado como critério para dividir a
passagem do homem pelo globo em pré-história e história.
Finalizando,
foram formuladas algumas críticas a respeito do marco da escrita para
separar história e pré-história. Uma delas declara que a história
desprezou 2 milhões de anos, desde o surgimento do homem, para
considerar apenas os últimos 5 mil anos (quando surge a primeira forma
escrita na Suméria). Outra crítica, bem inteligente, é aquela que expõe
que mesmo após a descoberta da escrita, durante quase toda a
antiguidade, idade média e modernidade, apenas uma pequena parte da
população mundial dominava a escrita. Assim, a história escrita é uma
história preponderantemente elitista.
Que massa!
ResponderExcluirUma viagem no tempo...
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