Três meses antes de ser assassinada na porta de
casa, na frente do marido e do filho pequeno, a líder sindical paraibana
Margarida Maria Alves disse, em um discurso de comemoração pelo 1° de
maio (Dia do Trabalhador), que era melhor morrer na luta do que morrer
de fome. Trinta e dois anos depois de sua morte, as palavras de
Margarida ainda ecoam entre as mulheres trabalhadoras rurais e dão força
para a luta diária por representatividade e melhores condições de
trabalho e de vida no campo.
Outra frase famosa do mesmo discurso, “da luta eu
não fujo”, está gravada em umas das paredes da antiga casa de Margarida
Alves, que se transformou em museu em 2001. Na construção simples, uma
geladeira azul que foi da camponesa ainda está guardada. Nos quatro
cômodos da casinha de fachada amarela também estão à vista documentos da
época em que Margarida liderava o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Alagoa Grande, atas de reuniões, instrumentos usados pelos
trabalhadores no corte da cana-de-açúcar para as usinas, fotos e objetos
pessoais: uma camisa branca com bordado de flores, os óculos, o chapéu
usado por ela quando visitava os trabalhadores na roça e uma bolsa.
Nas paredes, recortes de jornais de todo o país e
alguns do exterior dão a dimensão da repercussão do crime ocorrido em
12 de agosto de 1983. O assassinato chamou a atenção do Brasil para o
clima de tensão entre sindicatos e latifundiários da região do Brejo
Paraibano nos anos 1980. Como Margarida Alves, outras lideranças de
trabalhadores também estavam marcadas para morrer. Mesmo diante das
ameaças, a campesina não se intimidou e só teve a voz calada pela
espingarda calibre 12 de um matador de aluguel. Mesmo com a exposição
nacional do crime, que chegou a ser denunciado à Comissão Interamericana
de Direitos Humanos, 30 anos depois nenhum dos mandantes foi condenado.
Luta sindical
Entrar na casa onde viveu a amiga faz a violeira e
repentista Maria da Soledade Leite se emocionar. “Margarida era uma
mulher determinada, Margarida não era dessas de baixar a cabeça”, conta,
sem esconder o orgulho da companheira que foi a primeira mulher a
presidir um sindicato de trabalhadores na Paraíba.
“O trabalhador tinha a maior confiança nela, nós
tínhamos, porque ela quando ingressava numa luta, ia até o final. A luta
de Margarida era pelo décimo terceiro, pela carteira assinada, pelo
direito ao sítio, porque os patrões plantavam a cana até na porteira da
casa, quando a gente abria a porta da casa já estava dentro dos
canaviais, a luta dela era para que o trabalhador tivesse uma areazinha
onde pudesse ter suas plantações, enfim, poder dar uma vida digna à sua
família.”
Soledade e Margarida se conheceram em Alagoa
Grande em 1975 e lutaram juntas pelas mesmas causas, na militância
sindical e também por meio da arte dos repentes e dos cordéis. Quando
Margarida morreu, a homenagem da amiga foi em forma de verso: “Dia 12 de
agosto nasceu um sol diferente/um aspecto de tristeza, o sol frio em
vez de quente/ era Deus dando o sinal da morte de uma inocente (…) Jesus
Cristo deu a vida pra redimir os pecados/ Tiradentes pela pátria foi
morto e esquartejado/ Margarida na defesa dos pobres e necessitados”,
escreveu na época. “Ela gostava muito de poesia”, lembra Soledade.
Se a saudade ficou registrada no poema, a memória
de Margarida continua inspirando Soledade a cantar e brigar pelos
direitos das mulheres paraibanas. Desde 2000, a violeira participa da
Marcha das Margaridas – mobilização inspirada na líder campesina – e só
não vai se juntar à caminhada em Brasília este ano por causa de uma dor
no joelho. “O nome de Margarida ficou imortalizado, onde a gente
estiver, sempre o nome de Margarida vai estar na frente. Se a gente vai
cantar, se a gente quer representar alguma coisa de garra da mulher, a
gente diz que é uma Margarida, forte como Margarida, sempre o nome de
Margarida.”
Inspiração
A trajetória da líder sindical também é usada
como referência pela assessora técnica da organização não governamental
AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, Adriana Galvão Freire,
para incentivar outras mulheres a buscar seus direitos. A organização
atua no Polo da Borborema, uma articulação sindical e de entidades da
agricultura familiar de 14 municípios da microrregião do Brejo
Paraibano.
“A Margarida é uma grande inspiração para a
gente, assim como outras mulheres que a gente também foi perdendo no
caminho pela violência”, diz Adriana.
“A gente sempre usa Margarida como uma
referência, uma inspiração para a nossa luta. Ela sempre faz parte do
nosso processo, como uma inspiração de que o lugar da mulher também é na
luta, como ela mesma dizia. Essas frases, a figura, a força de
Margarida sempre contagiam”, completa.
Para que a impunidade do caso Margarida Alves não
se repita, mulheres e jovens do Polo da Borborema se mobilizam há dois
anos para pedir justiça pelo assassinato da agricultora Ana Alice
Valentin, estuprada e morta quando voltava da escola, aos 16 anos, por
um vaqueiro. No próximo dia 18, o caso vai a julgamento e o grupo vai
acompanhar a sessão com uma manifestação e uma vigília.
(Foto de capa: Elza Fiúza/Agência Brasil)
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