sábado, 29 de julho de 2017

História: O matriarcado de Santa Rosa,quem foi dona Adriana de Oliveira Lêdo.

É certo que a Paraíba, em especial o Cariri, constituí um caso excepcional da História. Não sei se constitui uma exceção à toda regra ou o que a História Social anda pregando é falso. Bom, é sabido que no Brasil e em suas escolas, prega-se constantemente que o passado brasileiro, em especial tudo que anteceda à Nova República era caótico, ríspido, corrupto, ridículo e antiquado. Em especial a política, a ordem social e a predominância do sexo masculino. Falo das reportagens, livros de história e constantes manifestações e argumentações que afirmam que a história do Brasil e do Nordeste foi marcada pela opressão feminina e sua falta de voz expressiva na sociedade. A mulher era incapaz, não era dona de si, pois não votava, não possuía trabalho fora de casa, não gerenciava sua vida ou a vida da casa, vivia em função da figura "opressora" do marido. Para bem dizer, é verdade na grande maioria dos casos. A mulher, em especial a dos setecentos e oitocentos (séc. XVIII-XIX) não era propriamente dona de si. Casava sob arranjo, cedo, em geral, com um homem mais velhos, rapidamente era engravidada, vivia para as muitas gestações. Lembro de minha genealogia em que minha avó esteve grávida 23 vezes, meu bisavô teve 17 filhos com três mulheres diferentes, das quais a primeira teve dez do total e faleceu aos trinta e seis anos. Quer dizer, estas mulheres passaram a maior parte de suas vidas grávidas. Isto é um ponto crítico de uma mentalidade de uma época inteira, não fruto de um conflito entre os sexos, uma pena aos olhos de hoje, verdadeiramente triste para todos nós, porém não podemos julgá-los, isto fez parte da cultura. Assim como daqui a 100 anos ou mais a sociedade que nos sucederá, poderá achar um absurdo a quantidade de tempo que passamos usando dispositivos eletrônicos, filmando, registrando e compartilhando problemas de nossa época enquanto eles ficam sem solução na rua. Bom, isto é algo a se pensar.
              Seja como for, parece que houveram aquelas mulheres que possuíram personalidades fortes, mulheres empreendedoras e verdadeiramente espíritos livres. A simples existência do Solar de Sancta Roza ou Solar de Adriana é exemplo do que estou me referindo. Porém, suas raízes são bem mais profundas que isto.
              O genealogista Antônio Pereira de Almeida já havia levantado a hipótese de que Custódio de Oliveira Lêdo, pai do Capitão-Mor Teodósio, havia sido filho de Bartolomeu Lêdo, o oleiro do Morgado do Cabo de Santo Agostinho com a mameluca Anna Lins (1). Embora sempre a história refira-se a Anna Linss como mameluca, pois sua mãe era a índia tapuia Felipa Roiz Rodrigues, seu pai foi Rodrigo Linss Von Dorndorf da nobreza plutocrata teuto-lusitana, que há muito habitava Portugal vindos do Sacro Império Romano Germânico (2). Assim, Anna Linss, estudou na escola para meninas de Dona Branca Dias Coronel, onde recebeu educação da corte e mais tarde travou uma enorme delação contra a católicos que praticavam a religião judaica em segredo ao Tribunal do Santo Ofício. Bem, até aqui parecia que estes fatos estavam velados aos historiadores e genealogistas paraibanos como Francisco de Assis Ouriques Soares e Tarcízio Medeiros Dinoá. Embora estes tenham feito trabalho meticuloso, foi um empreendimento genealógico sobre os Lins do Rio Grande Sul que revelaram estes fatos. Anna Linss travou uma longa batalha de delações com as filhas de Branca Dias, sendo acusada de ter envenenado seu pai, porém, ao passo que caminhou a história,, a denúncia foi infundada, culminando com a exumação do corpo de Dona Branca sua transposição à Portugal para execução de um auto de fé, além é claro de suas filhas também terem sido levadas ao Tribunal na Europa para caminhamento do processo.
             Adriana de Oliveira Lêdo, foi bisneta de Anna Linss (ou Hanna, em alemão). Filha de Teodósio, foi ela quem assumiu o legado do seu pai na região que se chamava Vale do Santa Rosa. Teodósio fundara a fazenda, porém a concedera à sua filha e genro, o Capitão Agostinho Pereira Pinto que faleceu deixando a esposa e três filhos. Adriana poderia ter contraído núpcias novamente, no entanto, tomou para si o gerenciamento de seu Solar de onde partiu toda sua fama. Surpreendentemente a edificação ainda estava de pé quando Epaminondas Câmara escreveu "Municípios e Freguesias da Paraíba", quase trezentos anos depois, descrevendo-o como:

           "o nome da soberba Casa-Grande de Agostinho Pereira Pinto, em Santa Rosa, transmitiu-se, como título honorífico, a toda família, cujos membros presumiam possuir credenciais de uma espécie de fidalguia ou nobreza peninsular" (CÃMARA, 1999:51) (3)

       
   E de fato o eram, como descrevi anteriormente, sobre as leis de nobreza e fidalguia que prevaleciam em todo território português e seu Império Ultramarino (4). Sendo assim, é possível, inferir que se tratou de uma ironia de Epaminondas Câmara que posteriormente relembra ao leitor:

           "(...) uma vez construídas, não passavam mais por reforma para melhorar. Seus proprietários, tão cuidadosos em arranjar o maior número possível de escravos e obter patentes das ordenanças e das milícias montadas, descuidavam-se do conforto das mesmas e da educação dos filhos. As casas, mesmo as mais prósperas, tinham muito a desejar para a época."
           O exemplo dos grandes solares da Várzea não os impressionava. Bastavam as honras de capitão e sargento-mor, a posse dos lati-fúndios, a promiscuidade das senzalas, os campos cheios de gado e o dinheiro de ouro e prata enterrado, ou escondido no baú de couro... o mais era fantasia que não enchia barriga de ninguém. Móveis de jacarandá, tapeçarias, serviços de prata, brocados, correntões de ouro, gibões, almofas, serpentinas, etc., eram luxo do "povo lá de baixo". Interior era interior e gente "Lorde" não andava por aqui". (CÂMARA, 1998:21)(3)

            Enganou-se o mestre Câmara neste quesito, por falta de articulação de documentação e livros especializados da época. Sabemos hoje que nem mesmo a família real na corte de Dom João VI teve estrutura para toda a pompa que mantinha na Europa, sendo necessário o uso do "palácio" do Conde dos Arcos, que, na verdade, era um Solar com o de Várzea, outras casas e propriedades e também o Convento das Carmelitas. Não haviam palácios com torres no Brasil, em lugar nenhum. No "Carery", como se escrevia no séc. XVIII, não foi diferente.  Embora houvessem pequenos solares mimosos aos olhos que vê, como a casa de Teodósio em Olivedos, a qual apresenta-se com estilo colonial, próprio de hotéis turísticos portugueses como o Casa da Várzea. É verdade que nossos solares era construídos de pau à pique e outros de tijolos e cal, porém eram grandes casas, de duas e quatro águas com grandes terraços para amenizar o calor, grandes currais e nenhuma senzala. A escravidão foi esparsa no Carery, sendo exatamente a região de Boa Vista conhecida pelos "galegos", pessoas loiras, devido a endogamia (3), que consistia no casamentos entre aparentados, primeiramente por falta de pessoas para casar, lembrando que os sertões eram praticamente inabitados e que um rapaz vindo de Pernambuco ou Portugal era muito disputado com dotes e terras (2), segundo porque a interação com os indígenas ainda era complicada, principalmente depois da Guerra dos Bárbaros, além é claro de que o trabalho agrícola e de criação de gados não requeria tanta mão de obra. Por fim, acredito que Paulo de Araújo Soares fora um grande senhor na região, correspondeu-se com ninguém menos que José Bonifácio de Andrade, cavaleiro da Ordem de Cristo, Regente do Brasil, durante a menoridade de Dom Pedro II. Finalmente, sobre Adriana consta que após a viuvês, não só tomou para si a gerência do Solar de Sancta Roza como também a regências das terras de criação de gado na sesmaria que fora de seu pai e cedida à seu marido, invocando assim a boa vontade do Rei Sol Português, Dom João V:

              "Nº 326 de 22 de Fevereiro de 1744

            D. Adriana de Oliveira Ledo, viuva que ficou de Agostinho Pereira Pinto, moradora e senhora do sitio Santa Rosa do sertão do Cariry, termo desta capitania, o qual houve por legitima de sua defunta mãi Izabel Paes, cujo sitio é de crear gados, e porque nelle lhe não cabem os que possue, e nas suas ilhargas pelo riacho chamado Santa Rosa acima, donde vem o nome ao dito sitio, se acham umas sobras que pela parte do nascente entestão com os sitios chamados as Antas e S. Pedro, e pela do poente com os sitios chamados Riacho do Padre e Caifaz, e pelo dito riacho de Santa Rosa acima até entestar com a provida Dona Cosma Tavares Leitão, e para a supplicante poder possuir as ditas sobras com seos filhos Dona Izabel Pereira de Almeida e Agostinho Pereira Pinto, que tambem possuem seos gados, lhe é necessario tirar carta de sesmaria, na forma das ordens reaes, das ditas sobras com todas as vertentes dos mais riachos que correm para o dito sitio da supplicante, que por falta d'agua se acham devolutos e desaproveitados e nunca foram povoadas por pessôa alguma, pedia, portanto, em conclusão, que lhe fosse concedida em sesmaria as ditas sobras com as confrontações acima declaradas para a supplicante e seos herdeiros poderem melhor accommodar seos gados. Foi feita a concessão de tres leguas de comprimento e uma de largura, no governo de Pedro monteiro de Macedo."
(2)

                Não tardou para que ainda neste século, surgissem mais propriedades e fazendas da mesma estirpe que o solar e sob a sombra e influência de Dona Adriana. Casa-Grande da Boa Vista, Casa-Grande do Matumbo, Casa-Grande do Logradouro, Casa-Grande do Olho D'Àgua, Casa-Grande da Barra da Malhadinha, Casa-Grande do São Joãozinho, Casa-Grande do Caluête, etc. Todas fundadas por filhos, filhas e genros da matriarca. Assim, o Vale de Santa Rosa passou a ser dividido entre os descendentes de Dona Adriana e de Teodósio de Oliveira Lêdo, pois como não haviam constituído morgado, coube que seus descendentes rasgaram o mapa do Cariri entre retalhos para a fundação de muitas outras famílias que hoje constituem o interior da Paraíba. Também não tardou para que o esforço feminino fosse recompensado, pois sob seu comando, conseguiu reunir em torno de quatorze grandes fazendas. Digno de um senhorio europeu, um pequeno baronato, sob o qual a matriarca exercia influência com o espírito de uma verdadeira baronesa. Em seu inventário, declarou possuir cerca de treze mil réis, desejável fortuna para a época. Além também de ter negociado nove mil cabeças de gado. Sendo assim, Dona Adriana de Oliveira Lêdo, fora sem dúvida a herdeira do primeiro núcleo familiar construído em pedra, fazendo dela verdadeira fidalga de solar e linhagem, como também a maior criadora de gado do Cariri, que segundo Caio Prado Júnior:

        "Em meados do séc. XVIII o sertão do Nordeste alcança o apogeu do seu desenvolvimento. O gado nêle produzido abastece sem concorrência todos os centros populosos do litoral desde o Maranhão até a Bahia".(3).

            Pode ser que Dona Adriana não tenha herdado o prestígio dos títulos de seu pai, no entanto, foi sem dúvida sua herdeira principal, regendo suas posses, gado, descendentes e transmitindo a influência política e riqueza à seu neto o Sargento-mor Paulo de Araújo Soares. Não houve títulos que  coubessem à uma mulher nos Sertões entre as fronteiras do rio Piranhas, Piancó e do Cariri, nem mesmo morgado para lhe ser transmitido, mas coube a Adriana, ser o varão de saias dos Oliveira Lêdo, uma vez que Francisco, seu irmão não deixara descendência (6). Foi ela a responsável pela manutenção do nome e da história da formação do interior paraibano.
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Provável aspecto do que fora o Solar de Sancta Roza.
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Casa de Teodósio de Oliveira Lêdo em Olivedos-PB.
Referências Bibliográficas:

(1) –Antônio Pereira de Almeida.  “Os Oliveira Lêdo – De Teodósio de Oliveira Lêdo à Agassiz Pereira de Almeida” vol. 1.
(2)-Tarcízio Medeiros Dinoá. "Ramificações Genealógicas do Cariri Paraibano". Cergraf.
(3)- Francisco de Assis Ouriques Soares. "Bôa Vista de Sancta Roza". Da fazenda à municipalidade. Epgraf.
(4)-WIEDERSPAHN, Henrique Oscar. Lins (LynsenLinnsLinss). ... Vol. II. São Paulo: [Instituto Hans Staden], 1962. p315

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