Não é curioso que os Estados Unidos não usem tambores em sua música
como todos os outros países que tiveram mão-de-obra escrava vinda da
África? Eu sempre fiquei me perguntando isso. Por que a música dos
negros norte-americanos é tão diferente da música brasileira, de Cuba,
do Caribe? Onde foram parar os tambores? Cadê a batucada?
Por Cynara Menezes, do Socialista morena
Pense
em todos os grandes ídolos da música afro-americana: Charlie “Bird”
Parker tocava sax. Louis Armstrong tocava trompete. Nina Simone tocava
piano, assim como Stevie Wonder e Ray Charles. Miles Davis tocava
trompete. E Wynton Marsalis, idem. Robert Johnson tocava guitarra. Chuck
Berry, idem. Leadbelly tocava um violão de 12 cordas.
Os negros
chegaram aos EUA vindos, em sua maioria, de regiões que hoje se conhecem
como Senegal, Gâmbia, Nigéria, Camarões, Namíbia, Congo, Angola e Costa
do Marfim. Os negros brasileiros vieram de Moçambique, do Benin, da
Nigéria, e também de Angola, Congo e da Costa do Marfim. Com todas as
diferenças existentes entre estas nações africanas, todas elas faziam
uso de tambores com fins musicais e de comunicação. Por que então nós
temos o samba e os gringos não? Por que não tem atabaque, agogô e cuíca
na música afro-americana e sim saxofone, clarinete, trompete,
instrumentos “de brancos” que os negros, aliás, aprenderam a tocar com
maestria? Simplesmente porque os tambores foram proibidos na terra do
tio Sam durante mais de 100 anos.
No dia 9 de setembro de 1739, um
domingo, em uma localidade próxima a Charleston, na Carolina do Sul, um
grupo de escravos iniciou uma marcha gritando por liberdade, liderados
por um angolano chamado Jemmy (ou Cato). Ninguém sabe o que detonou a
rebelião, conhecida como a “Insurreição de Stono” (por causa do rio
Stono) e que é considerada a primeira revolta de escravos nos EUA.
Conta-se que eles entraram numa loja de armas e munição, se armaram e
mataram os dois brancos empregados do lugar. Também mataram um senhor de
escravos e seus filhos e queimaram sua casa. Cerca de 25 brancos foram
assassinados no total. Os rebeldes acabaram mortos em um tiroteio com os
brancos ou foram recapturados e executados nos meses seguintes.
A reação dos senhores foi severa. O governo da Carolina do Sul baixou o “Ato Negro” (Negro Act)
em 1740, trazendo uma série de proibições: os escravos foram proibidos
de plantar seus próprios alimentos, de aprender a ler e escrever, de se
reunir em grupos, de usar boas roupas, de matar qualquer pessoa “mais
branca” que eles e especialmente de incitar a rebelião. Como os brancos
suspeitavam que os tambores eram utilizados como uma forma de
comunicação pelos negros, foram sumariamente vetados. “Fica proibido
bater tambores, soprar cornetas ou qualquer instrumento que cause
barulho”, diz o texto.
A proibição se espalhou pelo país e só foi
abolida após a guerra civil, mais de um século depois, em 1866. Antes
disso, o único lugar onde os negros podiam se reunir com certa liberdade
eram as igrejas; daí o surgimento dos spirituals, a música
gospel, com letras inspiradas pela Bíblia, que eles cantavam muitas
vezes à capela (sem instrumentos) ou marcando o ritmo com palmas. As
mãos batendo no corpo e os pés batendo no chão foram os substitutos que
os escravos encontraram para os tambores, resultando em formas de dança e
música conhecidas como “pattin’ juba”, “hambone” e “tap dance”
(sapateado), ainda hoje utilizados por artistas negros (e também
brancos) dos EUA.
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