domingo, 3 de agosto de 2025
EM 1912 A CIDADE DE SÃO JOÃO DO CARIRY ENFRENTOU OS CABRAS DE DR. AUGUSTO SANTA CRUZ (dr. SINHÔZINHO), SOB O COMANDO DO ALFERES JOSÉ VICENTE E OUTROS SENHORES DESTEMIDOS DA CIDADE.
EM 1912 A CIDADE DE SÃO JOÃO DO CARIRY ENFRENTOU OS CABRAS DE DR. AUGUSTO SANTA CRUZ (dr. SINHÔZINHO), SOB O COMANDO DO ALFERES JOSÉ VICENTE E OUTROS SENHORES DESTEMIDOS DA CIDADE.
Cristino Pimentel era literato e escritor, natural de Campina Grande-PB, figura de proa da cultura campinense e historiador, Cristino, nasceu em 22 de julho de 1897, e faleceu em 31 de dezembro de 1971.
Como bom cronista, mantinha uma coluna no Jornal O Norte sob o título de: “Pedaços da História”.
Dessa forma, levando-se em consideração a ortografia da época, na edição de 15 de abril de 1952 do Jornal O Norte, na página 4, assim escreveu Cristino Pimentel:
“PEDAÇOS DA HISTÓRIA
XII
Cristino PIMENTEL
... O destacamente que defendeu São João do Cariri da fúria dos cangaceiros do dr. “Sinhôsinho”, compunha-se de sessenta praças sob o comando do alferes José Vicente, corajoso militar que não temeu enfrentear os gaviões do cel. Rêgo Barro, quando da sua visita a heróica cidade, e por quem os caudilhos Democratas andavam a pertubar a vida dos pacatos sertanejos, apoiando uma candidatura excomungada pelas forças que representavam a política da época, em vez de marcharem com Epitácio Pessoa, Venâncio Neiva, Valfredo Leal e outros para eleger o dr. João Pereira de Castro Pinto, homem culto e bom que o Partido Conservador havia escolhido para seu candidato ao cargo de presidente do Estado.
“O cel. Rêgo Barros, - disse ao “Correio de Campina”, edição do dia 28 de Abril de 1912, ...reunira-se a sua gente e intimou o alferes a entregar as armas. Dizendo ser seu superior. O alferes disse que não o reconhecia com o direito de lhe dar ordens quanto mais para o desarmar, e gritou aos soldados que não entregassem as armas.”
Ao lado dos corajosos soldados lutaram os irmãos José e Pedro Medeiros, João Cordeiro, Inácio Brito, (vivo) e outros homens destemidos que não desejavam vêr sua cidade querida cair vencida nas mãos dos coléricos assantantes.
A cidade foi cercada debaixo de um berreiro de indios furiosos, no dia 31 de Maio, às três horas da tarde. O ataque foi maciço.
Quatrocentos “cabras” a atirar em desordem para dentro das ruas, com ravia canina e desejo de caírem lá, para dar vasa aos instintos, destituirem as autoridades e depois marcharem sobre Soledade e Campina Grande. Mas, foi em vão êsse esforço. Contra tais desêjos se opuseram as forças do direito humano tão bem compreendidas pela fatalidade.
Diz Thomas Carlyle: “As más palavras geram outras piores, até que vem a palavra péssima e depois o ato mau”. Assim são certos passos da vida dos homens brigões e cheios de ódio. Penam que estão agindo direito, e, de tão errados que marcham, sem o querer, se abeiram do abismo e mergulham dentro dêle profundamente.
Nos relatou uma testemunha dessa luta, que o tiroteio se prolongou até ás oito horas do dia 1º de Junho. A coisa esteve prêta para os defensores. Disse-nos. Parecia fôgo do ar em grande quantidade. Ditos, palavrões, desafôros, apôdos iam e vinham no rítimo das rajadas de bala. O cangaceiro Hino, mordaz na sua valentia, de mau instinto e de grande coragem, atacava a cadeia; e a defendia o soldado Maribondo.
Hino, gritava para êle: “passa pra nós Maribondo do diabo!” E Maribondo, policial destimido como Luis Riscão, defensor de Taperoá, respondia. “a abelha não vai não, vai o ferrão!” E disparava toda a carga do seu rifle “papo amarelo” contra os inimigos da orgem. Maribondo, tempos depois, apesar das provas de valente que deu na campanha de 1912, foi expulso da Polícia: quando – em recompensa a sua coragem e aos serviços que prestou como soldado – deveria ter sido graduado, embora a sua natureza de poldro bravio fizesse com que aumentassem os desgóstos que seu procedimento causava no seio da corporação. Soubemos que Maribondo morreu velho, em Conceição do Piancó. Seus netos, Pedro, João e Francisco Maribondo, foram soldados também e lutaram em Princesa. Franciso morreu no fôgo de Patos, distrito de Princesa, no comando do então tenente Nonato Gomes.
Somos a crônica, e assim sendo, não podemos deixar de registrar os nomes dêsses Maribondos, de pés e de mãos, no livro da história.
A noite, os valentes defensores de São João do Cariri, viram que a munição escasseiava e não tinham aonde buscá-la. Hora da dúvida! Hora de desespêro. Resolveram, numa tentativa de vida e de morte, sair alguns dos combatentes para uma retaguarda. Tardava a tropa do tentente Raimundo Rangel, que havia partido de São José dos Cordeiros, para socorrê-los. Escolheram alguns homens dos mais destemidos e, cautelosos, esgueireando-se pelo corredor deixado para a retirada das famílias, protegidos pela escuridão da noite, saíram da rua para cumprir a espinhosa missão.
A retarguada foi dirigida pelo sr. Inácio de Brito e os irmãos Medeiros. Este passo surtiu o efeito desejado. Os cangaceiros como mocós em perigo, atinaram os ouvidos e reconheceram que estavam entre dois fogos. Julgaram ser as tropas do Exército e da Polícia que vinham de Campina Grande contra eles. Estabeleceu-se o pânico. Os “valentes cabras” dos drs. Santa Cruz e Franklin Dantas, debandaram destroçados, numa fuga desordenada, deixando muitos mortos. Pagaram caro o atrevimento. Sempre findam em desespêro todos aqueles que abraçam causas injustas e deshumanas. O destino tem brinquedos que enloquecem os homens, e pune-os como bem entende.
O dr. Guillotin inventou a guilhotina, e morreu nela.
Quando partia de São José dos Cordeiros, a coluna do tenente Raimundo Rangel, em socôrro dos sitiados em São João, no sítio Cabôclo, encontraram preparada uma emboscada dos cangaceiros destacados para a empreitada. Aí valeu a tática do militar Raimundo Rangel, secundada pela do então sargento Manuel Benício, que com a sua calma característica e sua coragem espartana, fingindo ser do grupo do dr. Santa Cruz, provocou uma luta, abatendo a arma fria sete dos bandidos que fizeram parte da emboscada.
Lutas dessa natureza, só homens da têmpera de Manuel Benício são capazes de enfrentar. Não há dúvida que para êsse gênero de perigo o homem caminha prevenido e com tal destimidez, como quem entra numa floresta disposto a pegar féras á mão. Mesmo assim, são poucos os que conseguem ficar contando a história. É verdade que só morremos na hora, porém brincar com a morte é uma coisa terrível. O homem perde a sua condição humana e passa a ser féra: esquece a família e a vida, da mesma forma que se entrega a um sôno reparador numa cama afofada.
Manuel Benício é, no presente, capitão reformado e reside na cidade onde o cel. José Pereira de Lima, dominou como um rei. Foi êste um caudilho de muito prestígio no sertão, e gosou fama, não só pelo seu temperamento popular, como pela força política que dispunha no seu município. Enfrentou o presidente João Pessoa, e quando êste foi abatido em Recife, alguém o viu exclamar: “Não era assim que eu desejava vencê-lo!”.
Quando a tropa do tenente Rangel chegou em São João do Carirí, a cidade já respirava, livre dos assaltantes. E depois da derrota dêstes, os drs. Augusto Santa Cruz e Franklin Dantas, vítimas de um sistema político desgraçado, puseram-se a salvo no Estado de Pernambuco, então governado pelo general Dantas Barreto, que os acolheu como perseguidos políticos e não como cangaceiros, pois eram homens doutorados, não merecendo o título de criminosos comuns. Foi o fim.
Correm os tempos. Já esfriados os ânimos, o dr. Augusto Santa Cruz, regressa á Paraíba para tratar do seu livramento. Entregou-se á prisão. Foi julgado em Alagoa do Monteiro e absolvido por unanimidade. De situação regularizada no forum, advogou em São João do Cariri, terra da sua derrota, os irmãos Capiba, João, Aprigio, Cícero e Honório. Homens de bem, fôram envolvidos na questão política, lutando de armas na mão, pela causa do cel. Rêgo Barros.
São João do Carirí, nessa época longínqua, tinha como juiz o dr. José Gaudêncio de Queiroz, político de grande influência no Carirí. É hoje deputado federal e reside no Rio de Janeiro. Bem uma testemunha dos fatos que estamos a conta em ruim escola, trazendo-os, mesmo assim, ao conhecimento dos estudiosos da história da Paraíba, nos seus pequenos detalhes.”
Compreende-se, portanto, que todas as crônicas de Cristino Pimentel, foram de fundamental importância para a formação histórica da paraíba, pois são ricas em detalhes, muitas delas foram molas propulsoras de produções literárias raras, conduzindo, talvez, objetos de pesquisas de muitos alunos de mestrados e doutorados, não obstante de professores e apaixonados pelos temas abordados com sapiência por este grande e importante personagem campinense.
Por Vandilo de Farias Brito Sobrinho
Advogado, poeta e pesquisador.
Membro do Instituto Histórico e Georgráfico do Cariry Paraibano
Membro do Conselho Cristino Pimentel do Borborema Cangaço
Fonte:
Jornal O Norte, Pedaços da Paraíba, pág. 4, Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, 15 abril 1952, Disponível em:
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