quarta-feira, 28 de junho de 2023

A Revolta dos Quebra Quilos: Os Matutos contra os Doutores

 

 

 


A Revolta dos Quebra Quilos: Os Matutos contra os Doutores

O quilo, o metro, o litro, medidas que surgiram pela primeira vez durante a Revolução Francesa, foram implantadas à custa de muita desavença e conflitos por todo o mundo.

Em 1874, a obrigatoriedade do uso do sistema métrico francês no Brasil foi a gota d’água para o “revolta do quebra-quilos”, um movimento que começou na Paraíba, se espalhou por mais três estados do Nordeste e só foi contido pelo envio de tropas do Exército

De novembro de 1874 ao início de janeiro de 1875, uma revolta popular varreu o interior do Nordeste Brasileiro.

Em 31 de outubro, em Campina Grande, na Paraíba, centenas de pessoas invadiram a feira da cidade protestando contra os novos pesos e medidas. Aos gritos, a massa quebrava os moldes de quilos dos feirantes, que eram fornecidos (vendidos ou alugados) pela administracão municipal

Os revoltosos invadiram os mercados, coletorias e a Câmara Municipal, destruíram os novos padrões e queimaram os arquivos contábeis do governo. Um panfleto intitulado “Manifesto da Sedição do Quebra-Quilos” apregoava: “É preciso um dilúvio de sangue para que desapareçam eternamente desta terra os ladrões”.

Os cordéis ajudaram a convencer a população com suas rimas. Aos poucos, a revolta se alastrou para outras vilas e cidades paraibanas, além dos estados de Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte. Em todos esses lugares, a multidão revoltada tinha a mesma característica: a de buscar nas sedições uma espécie de legitimação para seus costumes, que de repente vinham sendo atacados pelas autoridades.

Uma reação diante da conjuntura da época: para ingressar na via da modernização,
o Brasil estava deixando para trás a tradição em que o que vale é o reconhecimento direto e o “apalavrado”.

Quem não utilizasse os novos padrões poderia ser punido com prisão de cinco a dez dias e pagaria multa. Todavia, o clima esquentou por causa do aumento da cobrança de tributos. O país vinha enfrentando uma crise econômica devido à queda das vendas internacionais de açúcar e de algodão.

A crise abrangia principalmente as províncias nordestinas, tradicionalmente açucareiras e cotonicultoras. Para o governo, o aumento de impostos era a solução. Para o povo, porém, os tributos, assim como as novas medidas, ofendiam os costumes e a tradição do país.

Além disso, em tempos de crise, o povo esperava por ajuda, não por cobranças. Como os tributos eram calculados utilizando as novas medidas (quilos, litros e metros), a obrigatoriedade de utilizá-las foi a gota d’água para a revolta.

Agricultores, criadores de gado e comerciantes, os quebra-quilos eram vistos pelas autoridades como um “bando de matutos armados de facas e cacetes”. Como os arruaceiros gritavam frases como “viva a religião e morra a maçonaria”, as acusações de liderança do movimento logo caíram sobre a Igreja Católica, na época às turras com dom Pedro II.

Dois padres chegaram a receber ordem de prisão junto a outros líderes suspeitos. Esses líderes passaram a ser perseguidos no começo de 1875, com o crescimento da revolta. No Rio Grande do Norte, duas pessoas morreram e cinco se feriram depois de um dia de reação das forças imperiais.

O Padre Calixto Correia de Nóbrega, pároco de Campina Grande , na Paraíba, que tentava convencer seus paroquianos dos delitos da Maçonaria , solicitou o auxílio do Padre Ibiapina, que, tendo chegado à cidade no início de dezembro de 1873, ou seja, menos de um ano antes da eclosão das primeiras revoltas, e inaugurando sua missão no dia seguinte, pregava que os campinenses não deveriam obedecer às autoridades municipais, pois haviam sido indicadas por um governo maçônico . Ibiapina acrescentou que “seria a mesma coisa matar um maçom ou cachorros malditos”. Em Fagundes , segundo um depoimento, Ibiapina pregava "do púlpito que o filho não devia obedecer ao pai se fosse maçom [...] e que a mulher podia deixar o marido... [e] que as pessoas não deviam obedecer ao governo.

Nertan Macedo, jornalista -pesquisador especializado em história do Sertão Cearense , formula a hipótese de que o futuro pregador leigo itinerante Antônio Conselheiro e futuro fundador da comunidade milenar de Canudos , teve a oportunidade de assistir às pregações de Ibiapina na região. , no Ceará, quando lá morou, e que neste caso certamente foi fortemente influenciado pelo missionário.

As tropas do governo, lideradas por Severiano Martins da Fonseca, armadas de baionetas e espingardas, chegaram por mar, a bordo
do navio Werneck, vindas do Maranhão para o Rio Grande do Norte. Os cabeças do movimento foram processados e, alguns, obrigados a restabelecer os novos pesos e medidas por eles destruídos nos mercados e feiras, e obrigaram-se a indenizar aos particulares o dano causado nos seus estabelecimentos.

O ato mais ferrenho da repressão foi a aplicação dos chamados “coletes de couro”. Segundo o historiador Armando Souto Maior, “amarrados, os prisioneiros eram em seguida metidos em grosseiros coletes de couro cru; ao ser molhado, o couro encolhia-se, comprimindo o tórax das vítimas, quase asfixiando-as”. O método causou a revolta de muitos comerciantes, mas também medo – à custa do qual a medida do quilo foi finalmente implantada no Nordeste.

Fonte: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/revolta-do-quebra-quilos-obrigatoriedade-do-uso-do-quilo-resultou-em-desavenca-e-conflitos.phtml