A Revolta dos Quebra Quilos: Os Matutos contra os Doutores
O quilo, o metro, o litro, medidas que surgiram pela primeira vez
durante a Revolução Francesa, foram implantadas à custa de muita
desavença e conflitos por todo o mundo.
Em 1874, a obrigatoriedade do uso do sistema métrico francês no Brasil
foi a gota d’água para o “revolta do quebra-quilos”, um movimento que
começou na Paraíba, se espalhou por mais três estados do Nordeste e só
foi contido pelo envio de tropas do Exército
De novembro de 1874 ao início de janeiro de 1875, uma revolta popular varreu o interior do Nordeste Brasileiro.
Em 31 de outubro, em Campina Grande, na Paraíba, centenas de pessoas
invadiram a feira da cidade protestando contra os novos pesos e medidas.
Aos gritos, a massa quebrava os moldes de quilos dos feirantes, que
eram fornecidos (vendidos ou alugados) pela administracão municipal
Os revoltosos invadiram os mercados, coletorias e a Câmara Municipal,
destruíram os novos padrões e queimaram os arquivos contábeis do
governo. Um panfleto intitulado “Manifesto da Sedição do Quebra-Quilos”
apregoava: “É preciso um dilúvio de sangue para que desapareçam
eternamente desta terra os ladrões”.
Os cordéis ajudaram a convencer a população com suas rimas. Aos poucos, a
revolta se alastrou para outras vilas e cidades paraibanas, além dos
estados de Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte. Em todos esses
lugares, a multidão revoltada tinha a mesma característica: a de buscar
nas sedições uma espécie de legitimação para seus costumes, que de
repente vinham sendo atacados pelas autoridades.
Uma reação diante da conjuntura da época: para ingressar na via da modernização,
o Brasil estava deixando para trás a tradição em que o que vale é o reconhecimento direto e o “apalavrado”.
Quem não utilizasse os novos padrões poderia ser punido com prisão de
cinco a dez dias e pagaria multa. Todavia, o clima esquentou por causa
do aumento da cobrança de tributos. O país vinha enfrentando uma crise
econômica devido à queda das vendas internacionais de açúcar e de
algodão.
A crise abrangia principalmente as províncias nordestinas,
tradicionalmente açucareiras e cotonicultoras. Para o governo, o aumento
de impostos era a solução. Para o povo, porém, os tributos, assim como
as novas medidas, ofendiam os costumes e a tradição do país.
Além disso, em tempos de crise, o povo esperava por ajuda, não por
cobranças. Como os tributos eram calculados utilizando as novas medidas
(quilos, litros e metros), a obrigatoriedade de utilizá-las foi a gota
d’água para a revolta.
Agricultores, criadores de gado e comerciantes, os quebra-quilos eram
vistos pelas autoridades como um “bando de matutos armados de facas e
cacetes”. Como os arruaceiros gritavam frases como “viva a religião e
morra a maçonaria”, as acusações de liderança do movimento logo caíram
sobre a Igreja Católica, na época às turras com dom Pedro II.
Dois padres chegaram a receber ordem de prisão junto a outros líderes
suspeitos. Esses líderes passaram a ser perseguidos no começo de 1875,
com o crescimento da revolta. No Rio Grande do Norte, duas pessoas
morreram e cinco se feriram depois de um dia de reação das forças
imperiais.
O Padre Calixto Correia de Nóbrega, pároco de Campina Grande , na
Paraíba, que tentava convencer seus paroquianos dos delitos da Maçonaria
, solicitou o auxílio do Padre Ibiapina, que, tendo chegado à cidade no
início de dezembro de 1873, ou seja, menos de um ano antes da eclosão
das primeiras revoltas, e inaugurando sua missão no dia seguinte,
pregava que os campinenses não deveriam obedecer às autoridades
municipais, pois haviam sido indicadas por um governo maçônico .
Ibiapina acrescentou que “seria a mesma coisa matar um maçom ou
cachorros malditos”. Em Fagundes , segundo um depoimento, Ibiapina
pregava "do púlpito que o filho não devia obedecer ao pai se fosse maçom
[...] e que a mulher podia deixar o marido... [e] que as pessoas não
deviam obedecer ao governo.
Nertan Macedo, jornalista -pesquisador especializado em história do
Sertão Cearense , formula a hipótese de que o futuro pregador leigo
itinerante Antônio Conselheiro e futuro fundador da comunidade milenar
de Canudos , teve a oportunidade de assistir às pregações de Ibiapina na
região. , no Ceará, quando lá morou, e que neste caso certamente foi
fortemente influenciado pelo missionário.
As tropas do governo, lideradas por Severiano Martins da Fonseca, armadas de baionetas e espingardas, chegaram por mar, a bordo
do navio Werneck, vindas do Maranhão para o Rio Grande do Norte. Os
cabeças do movimento foram processados e, alguns, obrigados a
restabelecer os novos pesos e medidas por eles destruídos nos mercados e
feiras, e obrigaram-se a indenizar aos particulares o dano causado nos
seus estabelecimentos.
O ato mais ferrenho da repressão foi a aplicação dos chamados “coletes
de couro”. Segundo o historiador Armando Souto Maior, “amarrados, os
prisioneiros eram em seguida metidos em grosseiros coletes de couro cru;
ao ser molhado, o couro encolhia-se, comprimindo o tórax das vítimas,
quase asfixiando-as”. O método causou a revolta de muitos comerciantes,
mas também medo – à custa do qual a medida do quilo foi finalmente
implantada no Nordeste.
Fonte: https://aventurasnahistoria.uo