domingo, 21 de junho de 2020

O Escravagismo Islâmico no Continente Africano.

Olivier Pétré-Grenouilleau, historiador da escravidão aponta três tipos de comércio de escravos africanos: o comércio transatlântico, o tráfego terrestre transaariano (caravanas Saara) e o comércio marítimo oriental para países muçulmanos [1]. Ao se discutir escravidão atualmente, no entanto, salta-se da antiguidade diretamente para o tráfico transatlântico no século XVI; as outras formas, que tiveram início mais de um milênio antes, geralmente ficam ocultas, algo apontado, inclusive, por estudiosos africanos em conferência da UNESCO [3]. Abordemos, então, esses fatos históricos menos conhecidos.
O islã é escravista. O detalhe é que a prática, no entanto, só permite a escravidão de não muçulmanos. Na região da Bósnia (Europa), por exemplo, muitos foram capturados por exploradores islâmicos. Tanto sim que a palavra "escravo" deriva de 'esclavus', que significa 'eslavo'; o nome étnico dos habitantes desta região [4]. A captura de escravos europeus seguiu ativa até o século XVIII, mas o fluxo era bem menor em relação a África, por conta da resistência dos reinos europeus [2].
No continente africano, logo no ano 652, Khalidurat, rei da Núbia (país cristão na região do Nilo), derrotado em guerra, teve-lhe imposto um tratado (bakht) com o emir árabe Abdallah ben Said que lhe obrigara a entregar anualmente 360 ​​escravos de ambos os sexos, tirados do povo de Darfur [3].
Estendendo a análise para os Impérios de Gana [5], e posteriormente Mali [6], vemos que o "fornecimento" de escravos aos reinos islâmicos não era motivado por uma imposição de poder, mas sim estes povos comercializavam de seus semelhantes africanos como uma importante atividade comercial [7]. Na África oriental, Zanzibar (Tanzânia hoje) ficava o principal porto que abastecia de escravos as costas do mar vermelho e Golfo Pérsico [2]. Com a reação europeia que impediu o avanço islâmico ao norte, a África se consolidou como principal fonte de escravos aos reinos islâmicos.
O império de Gana, existente desde o século IV, enriqueceu bastante nos séculos VII-VIII com o surgimento do Islã - os produtos principais envolvidos nessa relação eram ouro, marfim, e escravos [7]. Mali é o Império africano que sucedeu Gana nessa relação, à partir do século XIII [6], e o comércio de escravos africanos contribuiu para formar a imensa fortuna do imperador Mansa Musa, famoso como o mais rico da história humana; O detalhe de que seu império exportava africanos em massa como escravos, e que este "produto" era uma das principais moedas comerciais do reino, é ocultado nas matérias que falam dele [8].
O antropólogo senegalês Tidiane N'Diaye, em sua obra Genocídio Velado, estima que do século VIII até o século XX, 17 milhões de africanos deixaram a África Subsaariana por via terrestre; pelas caravanas através do Saara, pela costa, ou pelo mar do oceano Índico, em direção aos reinos islâmicos. Outros estudiosos concordam com o número (entre 10 e 18 milhões [2]).O tráfico transatlântico, segundo ele, moveu 13 milhões [1].
Importante salientar que, segundo o mesmo antropólogo, no continente americano (incluindo o Brasil), vivem hoje 70 milhões de descendentes das vítimas do tráfico transatlântico; já nos países árabes, não se tem essa mesma presença negra, pois era comum a castração dos homens capturados [1]. Paul Bairoch, economista, diz: "dificilmente há vestígios de escravos negros na terra do Islã, por causa da generalização da castração, maus-tratos e mortalidade muito alta,"[2].
Tidiane N'Diaye afirma que este capítulo doloroso da deportação de africanos na terra do Islã é comparável a um genocídio. Essa deportação não se limitou à privação de liberdade e trabalho forçado, foi também e em grande parte, um verdadeiro empreendimento programado do que poderia ser chamado de "extinção étnica por castração" [2].
É bom salientar que oficialmente a escravidão perdurou no mundo islâmico por mil e trezentos anos, e foi abolida por último no Marrocos (1956), Arábia Saudita (1962) e finalmente Mauritânia (1981) [10], mas a imprensa denuncia que ainda esteja ocorrendo escravidão e até mercados de escravos no norte da África e em países árabes. Há relatos de ocorrências da venda de crianças no Senegal [11], mulheres na Arábia Saudita [12], e até mesmo um mercado de escravos online no Kuwait [13]. Países do Oriente médio e África Oriental só estão atrás da Coreia do Norte em número de escravos hoje, segundo estimativas da ONU [14].
Uma evidência desse costume enraizado é o relato de Gloria Maria, conhecida apresentadora brasileira que, ao passar em viagem pelo Marrocos, recebeu uma "proposta de compra", no valor de 200 camelos; certamente se a oferta houvera sido na Europa por um cristão, não seria recebida com mesmo bom humor com que lidaram com o marroquino [15].
Para maior aprofundamento do assunto indico o documentário "Os Escravos Desconhecidos", baseado na obra do antropólogo Tidiane N'Diaye, "Genocídio Velado", ( https://youtu.be/VDUN4fZPeNc ).

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