A única escola exclusiva para crianças pretas e pardas que existiu no
Brasil funcionou na Rua da Alfândega, de 1853 a 1873, no Rio de
Janeiro. Não há registros de outros colégios que privilegiaram o estudo
dos negros no país. Diferentemente dos Estados Unidos, onde a população
negra criou espaços próprios, aqui a exceção pode estar na escola de
Pretextato dos Passos e Silva. Era em uma casinha pequena, teve cerca de
15 alunos de famílias de origem humilde: a maioria dos pais não tinha
sobrenome ou assinatura própria. O nome dos alunos, até hoje, é um
mistério, bem como o paradeiro deles.Tudo o que se sabe da escola
termina por aí. A historiadora Adriana Maria Paulo da Silva, que estudou
a existência desse colégio, gostaria de ter a chance de conhecer mais
sobre Pretextato, o que poderia responder a tantas indagações, mas até
mesmo o nome deste homem é uma incógnita. “A origem da palavra
Pretextato é de alguém que protesta. Ele poderia ter usado o nome com
este objetivo”, diz Adriana, que é professora do departamento de Métodos
e Técnicas de Ensino da Universidade Federal de Pernambuco. Ela se
deparou com a existência de Pretextato e de sua escola em documentos do
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro durante sua dissertação de mestrado.
As três maneiras de descobrir coisas sobre os habitantes do tempo do
Império são a partir de inventários da época, de documentos de alguém
que abriu um processo judicial ou foi processado. Quem não passava por
um desses trâmites desapareceu na história – é a explicação que se tem
para o nome das crianças negras e pardas. Pretextato abriu um processo
solicitando ao então inspetor-geral da Instrução Primária e Secundária
da Corte, Eusébio de Queirós, algumas concessões para a continuidade do
funcionamento da escola. Ele pediu ainda a dispensa das provas de
capacidade (um exame oral e escrito), que era uma exigência para o
exercício do magistério. “Para escapar da prova, ele recorreu ao
processo. E não conseguiu apenas a dispensa, mas a chance de continuar
com a escola aberta”, explica Adriana. Pretextato deveria fazer os
exames na frente do que seria hoje o então ministro da educação, porém,
como era muito tímido, se defendeu dizendo que isso o impedia de fazer
os testes.
Ele declarou nos documentos ser um homem preto. Não se sabe como
Pretextato conseguiu ter formação educacional para ensinar os alunos,
mas, no processo da escola, dois pais o defendiam dizendo que era um bom
professor. No processo, Pretextato argumentou ainda que era importante
a escola continuar funcionando porque havia muito racismo nas escolas
da corte, nas quais os pretos e pardos eram impedidos de frequentar ou
eram emocionalmente coagidos. Aliás, era proibido aos escravos
frequentar a escola, apenas negros alforriados tinham essa prerrogativa
e, mesmo assim, de difícil conquista. A silenciosa autorização de
Eusébio, apesar deste cenário, é outra questão inexplicável sobre a
existência e permanência da escola de negros do Rio.
O colégio funcionou até 1873, data em que Pretextato foi despejado da
casa onde lecionava por dever dois meses de aluguel à Santa Casa de
Misericórdia. “Há registros de que os pais pagavam uma mensalidade para a
escola. Mas deveria ser um valor irrisório”, diz Adriana. Na escola, os
alunos aprendiam o básico: ler, escrever, saber as quatro operações
matemáticas e um pouco de religião.
Em Campinas, outras duas experiências
A ideia difundida de que no Império havia um bando de iletrados cai
por terra somente com a presença da escola de Pretextato. Mas além dela,
há outras escolas que de certa forma “burlaram” as regras de que
escravos não poderiam ir para a aula e ajudaram os negros a chegar à
alfabetização.
A antropóloga Irene Maria Ferreira Barbosa, da Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo, estudou o caso de uma escola que
ajudou negros em Campinas, além de ter esbarrado, durante as pesquisas,
com o nome de um outro colégio que teve praticamente a mesma finalidade.
Perseverança era o nome da escola. Ela foi fundada por Antonio
Cesarino e funcionou em Campinas de 1860 a 1876. A diferença da escola
de Pretextato é que esta recebia alunas brancas durante a tarde (elas
pagavam uma mensalidade ao conceituado professor Cesarino). Com o valor
arrecadado dessas alunas, ele manteve a instituição e conseguiu ainda
dar aulas para mulheres escravas e negras no período da noite. A escola
ficava na Rua do Alecrim (atual Rua 14 de Dezembro). Cesarino não era o
único professor, quando abriu a escola chamou suas irmãs para lecionar.
“Era uma escola que se distinguia das outras do Império pelo seu nível.
Se configura entre as escolas particulares que mais tiveram expressão na
época”, afirma Irene.
Era um tipo de internato de meninas dirigido por Bernardina Cesarino e
por suas irmãs que eram de Paracatu (MG). Em 1875 contava com 50
alunas, algumas pertencentes às melhores famílias da cidade que pagavam
mensalidades altas. “As irmãs de Cesarino falavam muito bem francês e
entendiam de etiqueta. Foi com o valor cobrado das mensalidades que
Cesarino usou o colégio para angariar fundos para comprar também a
liberdade de negras ligadas a ele”, explica Irene. Em 1872, Cesarino
comprou a liberdade de uma senhora negra que prestava serviços à escola
e, em 1874, disputou a custódia de uma criança negra que estava sendo
maltratada. O colégio desapareceu em 1876 porque Cesarino teve problemas
financeiros.
“A descoberta de escolas para negros em Campinas mostra um dos
motivos que os levou [pelo menos alguns] até a elite de São Paulo,
principalmente naquela época. Também existiram muitos negros
escolarizados no século 19, por serem filhos de negras, contudo de pais
brancos que fizeram questão de alfabetizá-los”, diz Irene.
Entre os brancos
A história de Antonio Cesarino está mais bem documentada que a de
Pretextato. Ele era filho de um negro alforriado, de nome Custódio,
que entrou em Campinas com uma tropa de mulas durante o período
escravista, em 1838, e resolveu vender a tropa para que seu filho de 14
anos pudesse estudar. O filho era Antonio Cesarino – que já sabia ler e
escrever. Ele leva certa vantagem na cidade que tinha 6,6 mil habitantes
e apenas 205 alfabetizados. A duras penas Cesarino conseguiu frequentar
a escola dos brancos e se formar.
Há ainda relatos em Campinas de um barão do café que era analfabeto e
fundou uma escola para escolarizar quem quer que fosse, gratuitamente.
Foi ali que algumas crianças negras também conseguiram ter acesso à
educação.
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