A ocupação do templo e a expulsão dos comerciantes foram
consideradas atos terroristas, crimes gravíssimos e uma afronta aos
sacerdotes líderes do povo Judeu.
Jesus já incomodava os chefes
da igreja hebraica há alguns anos, suas expedições pelas regiões mais
pobres da Judeia, curando aleijados, dando de comer aos pobres,
ensinando pessoas a dividir o pão e a afrontar cobradores de impostos,
levaram o sistema a considerar Jesus Cristo como um problema social a
ser combatido, um vírus que cada vez mais infectava pessoas e as
rebelavam contra o status quo.
De todas as histórias contadas sobre
a vida de Jesus de Nazaré, há uma – retratada em inúmeras peças de
teatro, filmes, pinturas e sermões de domingo – que, mais do que
qualquer outra palavra ou ação, ajuda a revelar quem era Jesus e o que
ele quis dizer. É um dos poucos eventos do ministério do líder religioso
atestado por todos os quatro evangelhos canonizados, Mateus, Marcos,
Lucas e João – o que acrescenta alguma medida de peso para sua
historicidade, já que os quatro evangelistas apresentam esse momento
grandioso. Acima de tudo, esse evento singular explica por que um
simples camponês das baixas colinas da Galileia era visto como uma
ameaça ao sistema estabelecido a ponto de ser caçado, preso, torturado e
executado.
O ano é 30 d.C. e Jesus acaba de entrar em Jerusalém,
montado num jumento e ladeado por uma multidão frenética gritando:
“Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o reino
vindouro de nosso pai Davi!” O povo, em êxtase, canta hinos de louvor a
Deus. Alguns espalham capas na rua para Jesus passar por cima, outros
batem palmas e acenam na tentativa de receber um sinal do famoso homem
que por ali passava. O evento da chegada em Jerusalém não é nada em
comparação ao que Jesus faz no dia seguinte. Com seus discípulos e,
supõe-se, com a multidão a louvá-lo a reboque, Jesus entra no pátio
público do Templo – o Pátio dos Gentios – e começa a “limpá-lo”. O
templo de Israel, naquela época, era o centro administrativo, religioso e
político do povo Judeu, lá os sacerdotes que comandavam as leis e que
detinham poder político sobre o povo de Israel se alocavam e realizavam
suas atividades, era o centro de cobrança de impostos e sede do governo.
Foi nesse espaço que, num acesso de raiva, Jesus Cristo derruba as
mesas dos cambistas e expulsa os vendedores de comida barata e
souvenirs. Solta as ovelhas e o gado prontos para serem vendidos para
sacrifício e abre as gaiolas de pombos, colocando as aves em fuga.
“Tirai essas coisas daqui!”, ele grita. Com a ajuda de seus discípulos,
ele bloqueia a entrada do pátio, proibindo qualquer pessoa que
transporte mercadorias para venda ou escambo de entrar no Templo. Então,
enquanto a multidão de vendedores, fiéis, sacerdotes e curiosos
embaralha-se sobre os detritos espalhados, enquanto os animais partem
assustados em debandada, perseguidos pelos proprietários em pânico,
correndo freneticamente para fora dos portões do estabelecimento e para
as ruas lotadas de Jerusalém, enquanto uma tropa de guardas romanos e de
policiais fortemente armados invade o pátio procurando prender quem
quer que seja responsável pelo caos, lá está Jesus, segundo os
evangelhos, distante, aparentemente imperturbável, gritando acima do
barulho: “Está escrito: a minha casa será chamada casa de oração para
todas as nações. Mas vós fizestes dela um covil de ladrões”.
Os
comerciantes e burocratas sacerdotais, além de guardas romanos, que nada
puderam fazer, diante da multidão que aguardava o nazareno fora do
templo, ficaram inconformados. As vendas eram permitidas pela direção do
Templo, as mercadorias eram declaradas e das transações comerciais eram
recolhidos os devidos impostos, tudo dentro das leis de Israel. Jesus,
como era de costume, ignora essas questões completamente e, em vez de se
desculpar, responde com a sua profecia enigmática: “Destruam este
Templo”, ele diz, “e em três dias eu o reerguerei.” Em um certo momento,
questionado sobre impostos, Jesus apanha uma moeda Romana e profere:
“Mostrai-me um denário”
“De quem é esta imagem e esta inscrição?”
“É de César”, pessoas respondem.
“Bem, então, devolvei a César a propriedade que pertence a César, e devolvei a Deus a propriedade que pertence a Deus."
A multidão fica muda e vê Jesus e seus discípulos calmamente saírem do
Templo e caminharem para fora da cidade, tendo terminado de tomar parte
no que as autoridades romanas e religiosas teriam considerado uma ofensa
capital: sedição, punível por crucificação, crime gravíssimo comparado a
assassinato. Após o episódio, Jesus passou a ser perseguido pelos
sacerdotes chefes da igreja e pelo governo Romano na Judeia, e por parte
da população mais privilegiada, formada por comerciantes e cobradores
de impostos, pois foi considerado criminoso e uma espécie de agitador
violento.
A passagem de Jesus pelo território da Judeia trouxe
esperança e representação para a população mais pobre que, apesar de
viver na miserabilidade, pagava preços absurdos para adquirir animais
para sacrifício no templo. Essa maioria subalterna viu em Cristo uma
fonte revolucionária e uma força motriz para quebrar as antigas
tradições que pesavam sobre seus bolsos. Realmente Jesus Cristo era um
incômodo, além de não se subjugar às antigas leis, realizava curas,
perdão, comunhão, conversava com Deus e pregava a salvação pela fé sem a
cobrança de uma moeda. Um sujeito com as características do Nazareno
não seria tolerado pelas elites políticas e econômicas, as quais se
beneficiavam da parte pobre da população.
Depois do episódio no
templo, foram realizadas várias reuniões entre Pôncio Pilatos
(governador da província romana na Judéia) e Califás (sumo sacerdote e
líder político dos Judeus) e Jesus foi condenado pelo crime de sedição. A
placa que os romanos colocaram acima de sua cabeça, enquanto ele se
contorcia de dor – “Rei dos Judeus” – era chamada de titulus, e, apesar
da percepção comum, não era para ser sarcástica. Todo criminoso que era
pendurado em uma cruz recebia uma placa declarando o crime específico
pelo qual estava sendo executado. O crime de Jesus, aos olhos de Roma,
foi o de buscar o poder político de um rei, ou seja, cometer uma grande
traição. Além do crime de sedição, os tribunais romanos imputaram a
Jesus outros delitos gravíssimos como: blasfêmia, rejeitar a lei de
Moisés, recusar-se a pagar o tributo, ameaçar o Templo.
Jesus
realmente existiu, sua história é controversa e parte dela ainda é uma
incógnita para historiadores. Mas a verdade é que sua vida, como contada
ao longo dos séculos, mostra um Jesus revolucionário, simbolicamente,
foi um homem que tentou mudar as engrenagens do sistema de sua época.
Tentando criar na terra o que chamava de "o reino de Deus", arrastou
multidões de miseráveis e foi morto em uma estaca no formato de cruz.
Texto de Joel Paviotti
Referências:
Jesus não morreu pelos “nossos pecados” e sim por enfrentar o sistema - Alberto Maggi.
Zelota - Reza Aslan - pp 52, 78, 97, 98, 99
Bíblia Sagrada
Jesus o Maior Revolucionario - Leighton Ford
Cristo perante Pôncio Pilatos.
Pintura - 1881. Por Mihály Munkácsy, atualmente no Museu d'Orsay, em Paris.
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